quinta-feira, 15 de novembro de 2018

"Sem trégua para Bolsonaro", por Carlos José Marques

A doutrinação política de Jair Messias Bolsonaro como presidente eleito está sendo feita a duras penas e sob forte resistência. 
O mandatário mergulhou em discussões acessórias, como fusão de ministérios, ideologia nas escolas, limitação do papel do BNDES, e recebeu algumas invertidas, seja de corporações fortemente organizadas, seja de líderes congressuais – esses, de alguma maneira, movidos por uma ponta de vingança, indo à forra por se sentirem tratados como personagens figurativos. 
É o caso, por exemplo, do ainda, temporariamente, presidente do Senado, Eunício Oliveira, que viu naufragar fragorosamente seu projeto de reeleição e botou pra quebrar na base da gastança pública.
Foi dele a ideia de antecipar de forma vergonhosa a agenda de votação dos aumentos do Judiciário, impactando toda a folha da máquina que “Messias” vai herdar. 
Não pegou nada bem nessa queda de braço do futuro Executivo com o superado Legislativo o intento de realizar uma “prensa” na patota parlamentar, como sugeriu o superministro da economia Paulo Guedes, tentando com tal expediente fazer passar a reforma da Previdência ainda neste ano. 
Ao “prensar” a turma, colocá-la contra a parede, veio, de quem se sentiu encurralado, o esperneio. 
Eunício, de novo, pontificou entre risos de deboche: “ele não sabe como a coisa funciona”. 
Decerto os congressistas não estão dispostos a aceitar o “tratoramento” puro e simples da Casa. 
Exigem negociações, rapapés, o diálogo em última análise. 
Se não vai ser na base do toma lá dá cá, que pelo menos os conquistadores cheguem com jeito – pedem eventuais aliados. 
Eis aí um aprendizado que Bolsonaro & Cia. estão tendo de fazer de maneira acelerada, sem trégua. Há um longo, acidentado e perigoso percurso a atravessar para que pautas vitais à retomada do País sejam digeridas no plano de quem possui a caneta para ajudar a aprová-las ou não. 
É preciso bem mais que habilidade para mobilizar apoios nas redes sociais. São necessárias tarimba de liderança e interlocução calejada. 
Na prévia do seu governo, a “prensa” exigida pelo intendente de “Messias” soou como prepotência e, em tempos de animosidade latente, a resposta veio do mesmo tamanho. 
Resultado: a votação da Previdência vai mesmo ficar para o ano que vem. 
Perdem os brasileiros e castiga-se ainda mais a cambaleante economia nacional. 
Essa temporada de testes de governança para a esquadra bolsonarista já foi equivalente a um curso intensivo. Teve de tudo um pouco. 
A cada choque com a fauna política de Brasília, recuos tiveram de ser bolados. 
O Ministério do Trabalho voltou a ter o mesmo status. Havia entrado na navalha de cortes. 
Não mais. No horizonte dos caciques palacianos cada um deles pediu a sua cerimônia de convescotes para, digamos, o reconhecimento de forças. 
Bolsonaro foi aos juízes e também tratou de agradar líderes parlamentares. 
Após cancelar duas audiências justamente com os presidentes do Senado e da Câmara, aquiesceu e enviou acenos para que Rodrigo Maia tivesse com ele um encontro a portas fechadas, exclusivo e sem tempo predeterminado. 
Maia sonha com a reeleição na Câmara e pede o apoio do capitão-reformado. 
Deve levar. Bolsonaro precisa dele para aprovar o orçamento de 2019, para fazer valer mudanças na Lei do Desarmamento, para reforçar a legislação do combate ao crime organizado e à corrupção. 
A agenda é extensa. 
Sem contar que ele não possui outra alternativa fora da conversa com líderes da cúpula para evitar molecagens como a da aprovação sem lastro do reajuste de salários que impactam brutalmente o caixa da União, estados e municípios. 
Entre o novo presidente e o velho Congresso existem conhecidas diferenças. 
Elas precisam ser aparadas. 
A arte de “engolir sapos” diz muito de um governante consciente e provando competência para avançar fazendo pequenos recuos. 
Assim são curtidos os verdadeiros estadistas. 
Com o seu temperamento irascível – e um tanto quanto ingênuo – Bolsonaro ainda está longe desse estágio. 
Nada melhor que o tempo e a vivência para lhe darem traquejo.
FOTO: ERNESTO RODRIGUES


Editorial da IstoE