quinta-feira, 22 de novembro de 2018

“Os melhores vinhos do mundo serão biodinâmicos”, diz produtor chileno

Para o enólogo chileno Cristóbal Undurraga, da Koyle, é pioneiro na produção de vinhos biodinâmicos na América Latina Foto: Divulgação
Para o enólogo chileno Cristóbal Undurraga, da Koyle, é pioneiro na produção de vinhos biodinâmicos na América Latina Foto: Divulgação

"Minha casa fica aqui, ao pé da montanha", diz o chileno Cristóbal Undurraga, apontantando, animado, para uma foto de sua propriedade, a vinícola Koyle. Sorridente, extremamente informal, Undurraga é o primeiro enólogo de uma família que produz vinhos há mais de 100 anos. Desde que criou a Koyle, em 2008, tornou-se também um pioneiro, na América Latina, na produção de vinhos biodinâmicos. Segundo esse método, o agricultor deve buscar que seus cultivos estejam  em harmonia com o meio ambiente. Não são usados agrotóxicos, por exemplo. E mesmo o adubo empregado é feito a partir do que é produzido na propriedade:

— Tudo o que entra na vinícola é produzido lá. É um ciclo fechado — explica Undurraga.
Segundo ele, o método garante que o vinho expresse as características do local onde a uva é plantada. E tenha maior qualidade. Foi para aprender a sintonizar essa harmonia fina com a terra que Undurraga se mudou para a propriedade. Diz ele que, num futuro próximo, os grandes vinhos do mundo “serão todos orgânicos ou biodinâmicos”. Undurraga esteve no Brasil para um workshop promovido pela importadora Grand Cru. Aproveitou para conversar com O GLOBO.
A Koyle produziu vinho orgânico ante de migrar para o cultivo biodinâmico. Qual a diferença?Há distinções grandes. Na produção orgânica, não são empregados fertilizantes químicos. Os produtos usados no cultivo têm origem orgânica. Na biodinâmica, o objetivo é evitar os “inputs” na propriedade, de modo que ela seja auto-sustentada. Os compostos que uso, por exemplo, vêm da alimentação dos animais que crio. É como se eu fabricasse meu próprio medicamento. Isso significa que o vinho será um reflexo direto da propriedade. Será único. É o que busca a biodinâmica, fugir à padronização.
O senhor nasceu numa família de vinicultores muito tradicional. Como surgiu o desejo de produzir vinhos biodinâmicos?
Minha família produz vinhos desde 1885. Vendemos nossa vinícola, a Undurraga, em 2006, e logo criamos a Koyle. Foi pouco antes de eu voltar ao Chile, depois de passar sete anos estudando como os vinhos eram produzidos nas maiores regiões vitivinícolas do mundo. Estive na Califórnia, na Austrália, em Bordeaux (na França) e em Mendoza (Argentina). Foi na Austrália que conheci a agricultura biodinâmica. Em 2008, apresentei o conceito à minha família. Na ocasião, a Koyle produzia de maneira química. De saída, propus que mudássemos para a produção orgânica e, posteriormente, para a biodinâmica. Para uma família tão tradicional quanto a minha, a proposta foi uma surpresa.
Foi difícil convencê-los?Foi trabalhoso. A transição para a agricultura biodinâmica é um aprendizado cotidiano. Tivemos algumas surpresas. Logo no primeiro ano, as parreiras foram atacadas por um tipo de besouro. Perdemos 10% de toda a produção. Para minha família, aquilo foi uma experiência limite. Se algo semelhante acontecesse novamente, seria o fim desse projeto. A partir de 2012, entramos num ciclo sem dificuldades econômicas. E eles se convenceram de que a produção biodinâmica tinha sido um passo lógico.
Lógico por quê?Por dois motivos. Primeiro, um vinhedo é um projeto de longa duração. As plantas que cultivamos estarão ali pelos próximos 100 anos. É preciso pensar no futuro. Em segundo lugar, a tendência mundial é de que as pessoas passem a se preocupar mais com a própria alimentação. As novas gerações estão convencidas da importância de uma alimentação sem produtos químicos. E o vinho precisa se tornar parte disso.
É esse o futuro da produção de vinhos?Num futuro próximo, os grandes vinhos do mundo serão todos biodinâmicos ou orgânicos. É essa a tendência. Do contrário, haverá vinho em grande quantidade, mas vinhos padronizados, muito parecidos entre si. Claro que a maior parte da produção virá ainda de cultivos químicos. O que deve mudar é que esses cultivos serão cada vez mais sustentáveis.
Qual o tamanho do mercado para vinhos biodinâmicos?É ainda um mercado pequeno, mas em crescimento. Em 2008, no Chile, havia somente duas vinícolas biodinâmicas. Hoje, somos dez. Na Argentina, havia uma em 2008. Hoje, são oito. Na Borgonha, lar dos vinhos mais caros do mundo, mais de 50% dos produtores de uva praticam a agricultura biodinâmica. Em diferentes escalas, é um movimento que vem aumentando. A ideia é deixar que a terra se expresse, e que o agricultor aprenda com o lugar. É a individualidade que vem tomando força.
A produção é mais cara que o cultivo químico?De início, sim. Pode ser até 40% mais cara nos primeiros três ou quatro anos. No nosso caso, a produção se estabilizou em 2012. Hoje, nossos custos são comparáveis aos de uma vinícola química de mesmo porte. É possível que, dentro de alguns anos, nossa produção seja ainda menos custosa.
A Koyle é menor que a vinícola anterior de sua família, a Undurraga. As propriedades biodinâmicas são menores que as convencionais?Em geral, sim. Mas existe uma exceção. Emiliana, no Chile, tem mais de mil hectares de vinhedos biodinâmicos. É a maior vinícola biodinâmica do mundo, um trabalho espetacular. Mas, em geral, o trabalho do vinicultor biodinâmico é mais artesanal.
O senhor diz que não devemos usar a agricultura química, que utiliza agrotóxicos, de convencional. Por quê?Porque a agricultura química, com uso de agrotóxicos em larga escala, nasce depois da Primeira Guerra Mundial. Antes, não usar produtos químicos era o convencional. Hoje, nas propriedades, as pessoas mais velhas ainda se recordam de como seus avós plantavam. "Ele prestava atenção à Lua. Tinha um adubo que fazia com o composto produzido na  fazenda", dizem. São essas lembranças que ajudam a desenvolver, hoje, a agricultura biodinâmica. Aplicar um segredo de família na produção de vinhos é algo muito proveitoso. É um método individual. E, quando essa individualidade se expressa num vinho, a bebida ganha outra dimensão.
A viticultura biodinâmica já ocupa espaço importante na Europa e nos EUA. Por que ainda é raridade na América Latina?Há uma influência muito grande das companhias químicas nessa região. E esse também não é um tema discutido nas universidades. A situação muda aos poucos. Hoje, já existem cursos que falam sobre agricultura orgânica nas universidades chilenas. É um começo. E a quantidade de alunos interessados em aprender a respeito é imensa. Mas há um medo de se aventurar porque há um custo. Essa transição nem sempre é simples. É preciso estar muito comprometido.

Seus filhos ainda são pequenos. Acredita que eles darão continuidade ao negócio da família?O que quero transmitir para as próximas gerações, por meio da biodinâmica, é o meu amor pela terra. Meus filhos têm 13, 12 e 10 anos. São ainda muito pequenos. Moramos na propriedade e, como eu, eles crescem conectados à terra. Criam seus cachorros e galinhas. A diferença é que eu cresci em um ambiente químico. Mas eles nasceram com a agricultura biodinâmica. Não costumamos conversar sobre a importância dessa forma de cultivo. Deixo que aprendam pela observação. Mas torço para que as próximas gerações tenham uma sintonia melhor com a terra.

Rafael Ciscati, O Globo