Recente levantamento feito pelo Observatório das Estatais, ligado à Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou que no Brasil há mais empresas estatais do que em qualquer uma das 36 nações que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as economias mais avançadas do mundo.
De acordo com os dados apurados pela FGV, o País tem 418 empresas controladas direta ou indiretamente pela União, Estados e municípios. Dessas, 138 empresas são federais. Há dois anos, eram 154 as estatais sob controle da União, mas vendas, incorporações e liquidações judiciais levaram ao número atual.
A despeito dessa redução no número de estatais levada a cabo no último biênio e dos sucessivos planos de desestatização implementados nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil ainda aparece como líder de um ranking que não dá aos contribuintes muitas razões para orgulho ou ufanismo.
Por si só, o número de estatais no País já seria impressionante. Causa ainda mais perplexidade porque uma significativa porção dessas empresas está distante, na prática, do que preconiza a Constituição. Em seu artigo 173, vale lembrar, a Lei Maior dispõe o seguinte: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Em outras palavras: a regra determinada pela Constituição é a não intervenção estatal na atividade econômica, salvo em casos especialíssimos, como os que atendam aos “imperativos da segurança nacional” e a “relevante interesse coletivo”.
Ora, com 418 empresas sob o controle direto ou indireto do poder público, ou bem se está diante de uma interpretação bastante elástica do que venham a ser “imperativos” da segurança nacional e “relevante” interesse coletivo ou boa parte das empresas estatais se presta a outros fins que não os que estão claramente definidos na Constituição.
Para que a excepcionalidade se justifique, uma empresa estatal deve atender, por óbvio, aos desígnios constitucionais e ser exemplo de eficiência. De outro modo, não deve existir, deixando o campo econômico em que atua para a iniciativa privada.
A bem da verdade, a Lei das Estatais, sancionada pelo presidente Michel Temer em junho de 2016, melhorou muito a gestão destas empresas ao introduzir no ordenamento jurídico regras específicas para a nomeação de diretores e membros dos conselhos de administração, além de um rigoroso código de conduta para seus funcionários. Não obstante, ainda não se pode dizer que as empresas estatais estejam a salvo das ingerências políticas de ocasião, que quase nunca estão alinhadas com o “relevante interesse público”.
A privatização de empresas estatais foi uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro. O presidente eleito afirmou em diversas ocasiões que proporá ao Congresso Nacional a venda de todas as estatais que não sejam “estratégicas”. Antes de se debruçar sobre o que seria ou não “estratégico”, um bom começo para o futuro governo federal seria analisar o papel das estatais à luz do que diz a Constituição.
Não menos importante é a avaliação dos governadores eleitos sobre a situação das empresas sob controle dos Estados que irão governar a partir de janeiro de 2019. Conforme noticiou o Estado recentemente, a crise fiscal do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte deixará cerca de 1,5 milhão de servidores públicos sem o 13.° salário neste ano. Na gênese do descalabro fiscal que acomete importantes entes federativos estão tanto a má gestão praticada por governos anteriores como os crescentes gastos com folha de pagamento de salários, pensões e aposentadorias para funcionários públicos, muitos lotados em estatais sem razão de existir. Eis aí um bom combate para os novos mandatários.