quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Marcos Pontes, de primeiro astronauta brasileiro a ministro de Estado

O astronauta Marcos Pontes Foto: Reprodução
O astronauta Marcos Pontes Foto: Reprodução


Em uma das muitas palestras que costumava realizar até recentemente, o novo ministro da Ciência e Tecnologia , o oficial da reserva e primeiro e único astronauta do brasileiro, Marcos Pontes , falou à frente de um cartaz onde se lia “É possível. Como transformar seus sonhos em realidade”. Sobre os sonhos da audiência não se sabe, mas os dele se concretizaram ontem, com a confirmação do nome de Pontes, de 55 anos, para o ministério.

Pontes ficou em órbita por apenas nove dias, lá se vão 12 anos. E desde então sua vida não havia deixado o espaço. Até agora, ao aterrissar no novo governo, para pilotar o MCT e o combalido orçamento da ciência brasileira, reduzido a 30% do que era em 2010. 

Logo após voltar à Terra, o então tenente-coronel entrou para a reserva da Força Aérea Brasileira e passou a se dedicar a ministrar palestras sobre sua experiência. Tem uma empresa de treinamento corporativo que leva o seu nome, onde dá palestras e cursos pagos. Já foi criticado por vestir um uniforme da Nasa e acusado de usar o programa espacial brasileiro para ganhar dinheiro, coisa que nega. Volta e meia fazia apresentações gratuitas para estudantes pelo Brasil, onde costumava falar sobre o treinamento para se tornar astronauta na Nasa, as oito experiências que fez no espaço e a importância da ciência nacional.
Mas ser ministro será um desafio que exigirá coragem e disposição bem maiores do que os muitos riscos de uma viagem espacial, diz o físico-químico Sergio Mascarenhas, um dos decanos da ciência brasileira e presidente de honra da SBPC.
“Se o Marcos Pontes fizer pela ciência, a inovação e a educação o que fez com a vida dele, será bom para o país”
FÍSICO-QUÍMICO SERGIO MASCARENHAS
um dos decanos da ciência brasileira e presidente de honra da SBPC.

Mascarenhas quase se tornou orientador de doutorado de Pontes — ele não levou o projeto adiante por questões de tempo, segundo o professor — e o descreve como uma pessoa inteligente, entusiasmada e empreendedora. Fizeram juntos há pouco tempo um site sobre um projeto de Mascarenhas voltado ao monitoramento da pressão intracraniana. 
— Se o Marcos Pontes fizer pela ciência, a inovação e a educação o que fez com a vida dele, será bom para o país. É preciso muita coragem e determinação para ser astronauta. E mais ainda para comandar o MCT num momento tão difícil — afirma o cientista.
A estada no espaço de Pontes, intitulada Missão Centenário, em alusão à celebração aos 100 anos do voo de Santos Dumont no 14-Bis, começou em 30 de março de 2006, quando ele partiu rumo à Estação Espacial Internacional (ISS), a bordo de uma nave  russa Soyuz. Voltou à Terra em 8 de abril. Era um período marcado pela expansão econômica do Brasil e da ciência brasileira, observa o físico Glaucius Oliva, ex-presidente do CNPq e atual coordenador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos da Fapesp. A Centenário simbolizou esse momento do país. E marcou para sempre a vida de Pontes que, no entanto, não caiu de paraquedas na missão.
Na verdade, ele amargou um bom tempo no limbo antes de o Brasil retomar o projeto de enviar um astronauta ao espaço, iniciado em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Coube a Oliva, hoje um dos cientistas mais renomados do país, elaborar as primeiras experiências espaciais brasileiras, sobre crescimento de cristais de proteínas em microgravidade, levadas a cabo a bordo de um ônibus espacial americano, em 1997.
Em 1998, a Nasa propôs ao Brasil selecionar candidatos a astronauta. Pontes, que era piloto de caça e tem um mestrado nos EUA em engenharia de sistemas, se candidatou e foi o escolhido para treinar para se formar astronauta. O projeto brasileiro incluía ainda a construção de um equipamento para a ISS. Tudo ficaria em US$ 120 milhões. O Brasil deu os US$ 10 milhões para o treinamento. Mas o resto ficou a ver navios.
Nascido em Bauru, no interior de São Paulo, Pontes se formou astronauta profissional em 2000. Mas teve que esperar até que houvesse de novo interesse político no espaço. Isso só aconteceu no primeiro governo Lula em 2006. Nessa época, lembra Oliva, os ônibus espaciais já estavam no chão e Pontes partiu finalmente, mas a bordo de uma nave russa Soyuz, da base aérea de Baikonur, no Cazaquistão. “O valor dessa missão foi sobretudo simbólico, de aposta na ciência”, diz Oliva que esteve com Pontes em algumas ocasiões e o descreve como afável e interessado em divulgar a ciência nacional.
O fato de não ser cientista não é novidade no MCT. Boa parte dos titulares da pasta desde a redemocratização também não era cientista e alguns não tinham qualquer relação com a ciência até se sentarem no gabinete.  O difícil, dizem membros da comunidade científica, será aumentar o orçamento, investir em inovação e atrair parcerias com a iniciativa privada num cenário de economia em crise e Congresso ainda não articulado.
— Lhe desejo boa sorte e coragem. Vai precisar — afirma Mascarenhas.

Ana Lúcia Azevedo, O Globo