O governo de Jair Bolsonaro ainda não começou, mas já arde naquilo que era conhecido como “fogo amigo” nas gestões do PT: intrigas, conspirações e disputas internas por poder. Integrantes do partido de Bolsonaro, o PSL, lançaram uma ofensiva para minar o coordenador da equipe de transição e futuro ministro-chefe da Casa Civil, deputado Onyx Lorenzoni, que foi reeleito em outubro e é filiado ao DEM. Na semana passada, fizeram circular um documento apócrifo que tacha de escandaloso e prejudicial à imagem do novo governo o fato de Lorenzoni ter confessado o recebimento de 100 000 reais da JBS, via caixa dois, em 2014. A ação é coerente com o discurso de renovação política e de combate à corrupção que foi entoado pelo PSL na última campanha, quando o partido elegeu a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados. O que os expoentes do PSL buscam, no entanto, não é coerência, e sim cargos de primeiro escalão. Eles alegam que Lorenzoni está sequestrando a administração de Bolsonaro e distribuindo espaços privilegiados ao DEM, em detrimento da legenda do presidente eleito.
Essa queixa se encontra registrada logo na primeira frase do dossiê, que diz o seguinte: “O deputado Onix (sic), réu confesso de prática de caixa dois, está fazendo do governo Bolsonaro um balcão de negociações de seu partido DEM, pois já colocou dois ministros e está tentando colocar mais dois”. Além de Lorenzoni na Casa Civil, Bolsonaro anunciou a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, no Ministério da Agricultura. Para as pastas da Saúde e da Educação estão cotados, respectivamente, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e o ex-ministro Mendonça Filho (DEM-PE), candidato derrotado ao Senado. O PSL só tem um filiado escalado para o ministério: o astronauta Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). Além disso, o partido atribui a Lorenzoni o veto à pretensão de alguns de seus parlamentares eleitos de disputar a presidência da Câmara. O próprio presidente do partido, deputado Luciano Bivar, queria concorrer a esse cargo, mas desistiu. Em entrevista a VEJA, Bivar tentou agir como bombeiro e deu um voto de confiança à equipe de transição do novo presidente: “Há muita conversa e pouca definição. Alguma insegurança é natural”.
Na soldadesca do PSL reina a inquietação, até porque só os postos destinados a Eduardo Bolsonaro e Flavio Bolsonaro, filhos do presidente eleito, parecem definidos. Os dois devem ser líderes do partido — o primeiro na Câmara, o segundo no Senado (veja a reportagem). “Ninguém é cego. O DEM tem dois ministros, quer mais um e ainda a presidência da Câmara. Eles estão muito gulosos. Estão com boca de crocodilo”, diz o deputado Delegado Waldir (PSL-GO). “Minha preocupação são as pessoas que estavam com o Bolsonaro antes do Onyx e neste momento estão sendo esquecidas.” Waldir declarou não ter conhecimento da existência do dossiê, intitulado “O escândolo (sic) do caixa dois do homem forte de Jair Bolsonaro”. Em três páginas, o texto relembra que o futuro ministro admitiu ter recebido recursos não contabilizados da JBS e reproduz trecho de voto da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), no qual ela afirma que o “crime de caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira”. A tese sugerida é clara: quem recebeu dinheiro sujo não pode coordenar um governo que promete ser imaculado.
Conforme revelado por VEJA em sua edição passada, delatores da JBS entregaram ao Ministério Público Federal planilhas com dois repasses a Onyx Lorenzoni — 100 000 reais em 2012 e 200 000 reais em 2014. Depois que a delação da empresa se tornou pública, o futuro ministro gravou um vídeo no qual admitiu ter embolsado, sem declarar à Justiça Eleitoral, 100 000 reais em 2014 — e não 300 000 em duas prestações. Na semana passada, ele repetiu a cantilena. Diante da diferença de versões dadas por delatores e delatado, Jair Bolsonaro foi indagado se confiava plenamente em Lorenzoni. “Só confio 100% no meu pai e na minha mãe”, respondeu. Eleito para o quinto mandato na Câmara, Lorenzoni será o responsável pela articulação política com o Congresso. Uma anedota recorrente no plenário da Câmara ilustra bem o tamanho do desafio: “Se você vir o Onyx abraçado com alguém, separe que é briga”. O futuro articulador não prima pelo bom trânsito entre os colegas. Um dos motivos é a atuação que teve como relator do pacote de medidas contra a corrupção.
Na ocasião, Lorenzoni foi acusado de desrespeitar um acordo firmado com os deputados e apresentar um parecer ao feitio da força-tarefa da Lava-Jato. Depois desse episódio, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que tentará se reeleger para o cargo, passou a repetir em conversas reservadas que Lorenzoni não cumpre o combinado e, por isso, não é confiável. As rusgas entre ambos, que são do mesmo partido, continuam. Maia está incomodado com a indicação de correligionários para o ministério, porque, em sua avaliação, quanto maior o número de cargos do DEM no Executivo, menor a chance de ele conquistar um novo mandato no comando da Casa. Integrantes do chamado Centrão, que tende a apoiá-lo, já avisaram que lançarão candidatura própria à presidência da Câmara se o DEM ganhar força demais na Esplanada. E expoentes do PSL cogitam abraçar a candidatura do deputado João Campos (PRB-GO), cujas bandeiras espelham pontos de destaque da campanha de Bolsonaro. Ex-delegado de polícia e pastor, Campos tem um pé na bancada da Bíblia e o outro na bancada da bala, alicerces da futura base governista.
Se com Maia a relação de Lorenzoni é cheia de arestas, com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), o favorito para assumir a presidência do Senado, ela é praticamente inexistente. Os dois são desafetos públicos e notórios. Durante o debate do pacote anticorrupção, Renan disse que uma das medidas propostas, o chamado teste de integridade, rechaçado pelos parlamentares, deveria ser aplicado a Lorenzoni. “Queria dizer que o teste de integridade vai fazer falta, porque pesava sobre ele uma acusação de ter recebido caixa dois da indústria de armas e seria uma oportunidade para que ele, nesse teste, pudesse demonstrar o contrário, com o meu apoio.” Em reação, Lorenzoni apresentou uma queixa-crime contra o senador no STF, que acabou arquivada no ano passado. Até agora, poucos nomes cogitam enfrentar Renan pelo comando do Senado, cargo que ele já ocupou três vezes. Um de seus possíveis rivais é Simone Tebet, também do MDB, que quer pegar carona na onda da renovação na política.
Com sete mandatos de deputado no currículo, Bolsonaro sabe que o Congresso será decisivo para o futuro de sua gestão, tanto que, depois de eleito, receitou moderação a seus comandados ao tratar de assuntos legislativos. A ordem agora é seguida à risca. Na terça-feira passada, o futuro superministro da Fazenda, Paulo Guedes, visitou o presidente do Senado, Eunício Oliveira, a quem pediu ajuda para aprovar medidas provisórias do setor elétrico e um projeto sobre o pré-sal. Os tempos de “prensa” no Parlamento estão ficando para trás, mas os de intrigas e conspirações de poder estão apenas começando.
Gabriel Castro, Veja