O presidente eleito Jair Bolsonaro garante que vai abrir a caixa-preta do BNDES: “Na primeira semana já não haverá nenhum sigilo no banco”.
Uma das graves distorções produzidas ao longo do governo do PT foi a utilização do BNDES não para promover o desenvolvimento do Brasil, mas para fazer política de boa vizinhança – apenas com vizinhos escolhidos a dedo, quase sempre por sua coloração ideológica. Volumes polpudos de recursos deram cobertura a projetos na África e na América Latina, muitas vezes para políticas de governos autoritários.
Sempre que o Congresso ou a imprensa pediram explicações sobre essas atividades, a direção do BNDES alegou a necessidade de preservar o sigilo bancário. Mas alguma coisa transpareceu. Muitos desses créditos em dólares alcançaram prazos de 12 a 15 anos (o de Cuba foi de 25 anos) a juros entre 3% e 6% ao ano. Foram os desdobramentos da Operação Lava Jato que revelaram desvios, alguns com troca-troca de propinas e de tolerância a calotes, caso de Moçambique, Cuba e Venezuela. Em setembro, o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, admitiu que os créditos a Cuba e a Venezuela, de cerca de US$ 1 bilhão, foram incorretos e “não deveriam ter sido feitos”. Ele garante que a inadimplência não preocupa. Mas a falta de informações confiáveis e a insistência com que os dirigentes se esconderam atrás do sigilo passam a impressão de que a caixa-preta é enorme.
Outra distorção foi a tomada de recursos do Tesouro para operações a juros mais baixos do que os pagos ao tomador de títulos por meio dos quais esses recursos foram levantados, numa situação em que o maior problema macroeconômico do País é o rombo fiscal. Em 2015, a dívida do BNDES com o Tesouro alcançava R$ 524 bilhões, ou 15% da dívida pública. Os subsídios implícitos (porque não previstos no Orçamento) no período entre 2007 e 2016 somaram R$ 240 bilhões. Esses recursos vêm sendo devolvidos aos poucos ao Tesouro. Uma das missões do novo presidente, Joaquim Levy, será apressar essas devoluções.
O giro desses recursos produziu outras distorções. Uma delas foi sua alocação inadequada – e aí já não se fala das operações que beneficiaram governos amigos. Grande número de financiamentos proporcionados pelo BNDES destinou-se a turbinar projetos dos tais futuros campeões nacionais, muitos dos quais se envolveram em escândalos, como foi o caso do Grupo X, do empresário Eike Batista, e o do Grupo JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Deste último, o BNDES assumiu participação de nada menos que 21% do capital. Ao longo da Operação Lava Jato viu-se que a escolha dos futuros campeões nacionais teve mais a ver com corrupção e desvio de recursos do que com desenvolvimento nacional.
É duvidoso que a maior parte dos grandes grupos a que se destinaram as tais bolsas-empresário, como passaram a ser chamadas, necessitasse de molezas para tocar projetos de expansão. Grandes empresas têm acesso ao mercado internacional de recursos. E, muitas vezes, têm disponibilidade de caixa para o que pretendem. No entanto, mão beijada por mão beijada, tomam esses recursos. Mais um indício de que essas operações foram parte de outro tipo de jogo, o dos financiamentos de campanha e outras ilicitudes.
Outra crítica a essa fartura a juros subsidiados: o banco, que deveria ser de desenvolvimento, como está no nome, vem impedindo o desenvolvimento do mercado brasileiro de capitais. Não há instituição financeira capaz de operar nas mesmas condições no crédito a largos prazos de maturação e juros subsidiados. E um país sem mercado de capitais robusto não consegue prover capitais para a atividade econômica que precisa se expandir e ganhar mercados.
Como trabalhou com juros subsidiados, as tais TJLPs, o BNDES produziu outra distorção, a de sabotar a política monetária do Banco Central. Explicando melhor: a principal função da política é trazer a inflação para a meta. Se o BNDES trabalha com juros mais baixos, o Banco Central tem de puxar a Selic (juros básicos) para níveis mais altos do que os necessários, para compensar o jogo contra do BNDES.
Por aí se vê que não basta que o BNDES abra sua caixa-preta. É preciso que mude sua política. E esta parece ser a intenção: a de se dedicar preferencialmente ao financiamento da infraestrutura do Brasil. A ver.
Celso Ming, O Estado de S.Paulo