'Fascismo — Um alerta' devia ser vendido na seção dos livros de terror. Assusta muito. Mas por vezes um grande susto é importante
A melhor notícia da semana foi sobre a arara de Winston Churchill, Charlie, que fez 104 anos e continua xingando Hitler e os nazis com a voz do antigo primeiro-ministro britânico.
Churchill comprou a ave em 1937, divertindo-se a ensiná-la a insultar Adolf Hitler. No triste tempo em que vivemos, com o ressurgimento de movimentos neonazis na Europa e de fascismos vários, um pouco por todo o mundo, é uma consolação saber que a sólida, irreverente e indignada voz de Churchill ainda se faz ouvir, mesmo que seja por interposta pessoa — ou melhor, por interposta arara.
Estou a ler “Fascismo — Um alerta”, de Madeleine Albright, que foi secretária de Estado dos Estados Unidos, na época de Bill Clinton. O livro é dedicado “a todas as vítimas do fascismo, de ontem e de hoje, e a todos que combateram o fascismo nos outros e neles próprios”. A seguir vem uma assustadora citação de Primo Levi: “Cada época tem o seu fascismo.”
Judia, nascida em Praga — no mesmo ano em que Churchill comprou Charlie —, Madeleine Albright foi ela própria vítima do nazismo, primeiro, e logo a seguir do comunismo. Sabe bem do que fala.
Albright começa por lembrar os anos eufóricos que o mundo viveu, no final dos anos 1980, início dos anos 1990, com o desmoronar do chamado Bloco de Leste, a democratização da América Latina e o fim do apartheid na África do Sul. O mundo transformou-se rapidamente num lugar melhor, mais livre, mais pacífico, sem a ameaça permanente de um conflito nuclear. A democracia triunfante parecia então capaz de se estender por todo o planeta.
Para sempre. Infelizmente, não foi o que aconteceu: estamos agora em pleno recuo. Por quê?
Trump — afirma Albright — é uma das principais causas do renascimento do fascismo no mundo, pela forma como desrespeita os fundamentos da própria democracia americana.
Para Albright, o fascismo não é tanto uma ideologia quanto uma estratégia para alcançar e manter um poder totalitário, tendo por base um “nacionalismo furibundo”:
“Ao contrário da monarquia, ou de uma ditadura militar, o fascismo obtém a sua energia dos homens e mulheres descontentes em razão de uma guerra que não venceram, um emprego perdido, a memória de uma humilhação, ou a sensação de que o seu país está em declínio. Quanto maior o ressentimento, mais facilmente um líder fascista consegue seguidores, prometendo-lhes a devolução de tudo o que lhes foi roubado.”
O desarrumado guru ou ex-guru de Donald Trump, Steve Bannon, tem andado nos últimos meses pela velha Europa, tentando colocar em pé uma internacional fascista. Chamou-lhe “O Movimento”. O objetivo imediato seria colocar no Parlamento Europeu, através das eleições que deverão ocorrer no próximo ano, um forte grupo de deputados fascistas, extremistas e populistas de direita. Bannon parece dispor de considerável capital para financiar a operação, a qual conta, muito provavelmente, com a generosa simpatia do senhor Putin. O problema, segundo o jornal britânico “The Guardian”, é que a legislação vigente na maioria dos países envolvidos proíbe o financiamento partidário estrangeiro.
Uma derrota para Bannon, pois, e a segunda melhor notícia da semana.
“Fascismo — Um alerta” devia ser vendido na seção dos livros de terror. Assusta muito.
Mas por vezes um grande susto é importante: desperta-nos!
O Globo