Julia Affonso, O Estado de São Paulo
Duas planilhas em poder da Operação Lava Jato apontam que uma empresa do engenheiro Júlio Cesar Astolphi recebeu, em 2009 e em 2010, R$ 3,224 milhões de duas concessionárias do Grupo Ecorodovias. Entre julho de 2007 e janeiro de 2011, Julio Cesar Astolphi foi assessor de Projetos da Diretoria de Engenharia do Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo (DER-SP).
A Ecovia Caminho do Mar S/A, que administra 175,1 quilômetros de estradas entre Curitiba e o litoral do Paraná, pagou R$ 1,009 milhão, em 2009, à Astenge Assessoria Técnica e Engenharia LTDA, controlada por Astolphi e sua mulher. No ano seguinte, a Ecocataratas, responsável por 387,1 quilômetros da rodovia BR-277, transferiu R$ 2,215 milhões à empresa do engenheiro, que tem sede no endereço residencial do casal.
O Grupo Ecorodovias controla outras concessionárias além da Ecovia e da Ecocataratas. Duas delas atuam junto ao Programa de Concessões do Estado de São Paulo. A Ecovias administra o sistema Anchieta-Imigrantes e a Ecopistas, o corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Tanto a Ecovias quanto a Ecopistas não têm contratos com o DER-SP.
Segundo o DER, Julio Cesar Astolphi ocupou o cargo de Engenheiro Especialista IV. Sua atribuição era “conferência e adequações de projetos e acompanhamento de cronograma e prazos”.
O DER-SP é um órgão vinculado à Secretaria de Logística e Transportes do Estado. A função do Departamento é “administrar o sistema rodoviário estadual, sua integração com as rodovias municipais e federais e sua interação com os demais modos de transporte”.
Os pagamentos a Júlio Cesar Astolphi constam de duas tabelas com repasses da Ecovia e da Ecocataras a pessoas físicas e jurídicas. As mais de mil transferências bancárias das planilhas das concessionárias ocorreram entre 2009 e 2016.
Dados da Receita apontam que a Astenge funciona na zona oeste de São Paulo, tem como atividade econômica principal ‘serviços de engenharia’ e foi aberta em 29 de novembro de 2000. A empresa não tem registro na Junta Comercial de São Paulo, apenas em cartório.
O endereço da Astenge, perante o Fisco, é o mesmo que Julio Cesar Astolphi informou à Junta Comercial do Estado como o de sua residência ao abrir outra empresa em 2009. O engenheiro controla também a JMXGUMA Participações e Intermediação de Negócios – empresa que tem como atividade econômica principal a ‘intermediação e o agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários’. Em 27 de dezembro de 2011, o capital social da JMXGUMA era de R$ 2 milhões.
Alvo. Júlio Cesar Astolphi é investigado em um inquérito civil aberto em 8 de agosto de 2017 no Ministério Público do Estado de São Paulo, derivado da delação da Odebrecht. A 5.ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social apura supostos atos de improbidade administrativa: enriquecimento ilícito (artigo 9), prejuízo ao erário (artigo 10) e violação a princípio (artigo 110).
Três delatores da Odebrecht afirmaram que pagaram propina a Júlio Cesar Astolphi e a outros dois dirigentes do DER-SP, entre 2005 e 2008, durante a execução da obra da rodovia SP-225 (Araraquara-Jaú). Segundo a empreiteira, o valores foram solicitados pelos agentes públicos.
O delator Roberto Cumplido relatou que a partir de 2007, ‘o percentual de 4% de propina passou a ser pago ao diretor de engenharia Júlio Astolphi, do DER de São Paulo’. Segundo o empreiteiro, ‘os valores foram pagos em espécie em locais definidos’ pelos então dirigentes do DER-SP.
“Júlio Astolphi dizia que os valores eram destinados a campanhas eleitorais”, afirmou o executivo em delação. “
Roberto Cumplido narrou que, em 2008, como contrapartida a um aditivo contratual, Julio Cesar Astolphi ‘solicitou o pagamento de propina’. A alegação, de acordo com o delator, também foi ‘campanhas eleitorais’.
“Foi me pedido pelo Júlio R$ 600 mil para campanha aqui em São Paulo”, afirmou. “Foi um valor fechado.”
O executivo entregou ao Ministério Público Federal, com quem os funcionários da Odebrecht fecharam delação premiada, planilhas de pagamentos de propina ligadas às obras da rodovia SP-255. Uma das tabelas indica um total de R$ 900 mil em três repasses em maio (R$ 350 mil), junho (R$ 300 mil) e julho (R$ 250 mil) de 2008.
Em decisão de dezembro do ano passado, a Justiça Federal apontou que o Ministério Público Federal ‘não identificou existência de verba que atraísse a competência federal’ e a parte criminal da investigação foi enviada ao juízo da Comarca de Araraquara (SP), onde os fatos teriam ocorrido.
A reportagem solicitou os estudos técnicos feitos pelo engenheiro Julio Cesar Astolphi às empresas Ecovias e Ecocataratas. A assessoria de imprensa das empresas informou que os documentos do Grupo Ecorodovias ficam em arquivo morto e estava tentando recuperá-los, pois tratava-se de algo ‘muito antigo’.
COM A PALAVRA, JULIO CÉSAR ASTOLPHI
A reportagem deixou um pedido de posicionamento na portaria da residência de Julio César Astolphi em 15 de março. O espaço está aberto para manifestação.
COM A PALAVRA, A ECOVIA
“A empresa (Astenge) foi contratada para realização de estudos técnicos de engenharia, melhoria e otimização da infraestrutura existente na BR-277, no Paraná, com o objetivo de identificar oportunidades de integração entre a rodovia BR-277 e os portos de Paranaguá e Pontal (integração entre os modais rodoviário e portuário). A Ecovia não teve e não tem contratos com o DER-SP. A empresa é responsável por administrar a BR-277 no Paraná e não participa de licitação de obras públicas. A Astenge Engenharia foi contratada para realizar estudos técnicos especializados para projeto no Estado do Paraná.”
COM A PALAVRA, A ECOCATARATAS
“A empresa foi contratada para elaborar estudo técnico sobre enquadramento territorial e socioambiental para projeto de duplicação da BR-277. O grupo EcoRodovias não faz obras públicas, portanto não tem contrato de obras públicas com o DER-SP.”
COM A PALAVRA, O DER-SP
O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informa que o engenheiro Júlio Cesar Astolphi trabalhou no Departamento de julho de 2007 a janeiro de 2011, ocupando o cargo de Diretor Técnico. O DER esclarece ainda que é responsável pela administração das rodovias estaduais não concedidas. O sistema Anchieta Imigrantes está sob concessão da empresa Ecovias dos Imigrantes sob regulamentação da Artesp – Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo.
COM A PALAVRA, A AGÊNCIA DE TRANSPORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
ESTADÃO: Depois que uma rodovia do DER passa a ser administrada por uma concessionária, sob regulamentação da Artesp, qual passa a ser o papel do DER?
ARTESP: Apenas em questões relativas a fiscalização de trânsito. O DER não exerce nenhuma gestão sobre os contratos de concessão, competência exclusiva da Agência Reguladora.
ESTADÃO: O DER emite pareceres técnicos para a Artesp?
ARTESP: O DER não emite pareceres sobre os contratos de concessão.
ESTADÃO: O DER é consultado de alguma forma pela Artesp quando são firmados termos aditivos e modificativos?
ARTESP: Não.
ESTADÃO: A Artesp precisa do aval do DER para firmar algum termo aditivo ou modificativo com a concessionária?
ARTESP: Não, a Agência tem autonomia e corpo técnico próprio para avaliar e autorizar aditivos contratuais sempre em busca de condições para melhor atender o interesse público.
ESTADÃO: A Artesp solicita ao DER pareceres técnicos, mas pode usá-los ou não?
ARTESP: Em se tratando de aditivos contratuais a Agência não consulta o DER nem solicita pareceres técnicos do órgão.