Decisão da Câmara sobre marco temporal pode não valer nada diante do conluio ex-presidário Lula-STF
O Congresso Nacional terá uma ótima oportunidade, nos próximos dias, para mostrar se ainda serve para alguma coisa ou se não é mais nada.
A Câmara dos Deputados acaba de aprovar por vasta maioria – 283 votos a 155 – e contra a vontade do governo Lula, uma lei fundamental, e há muito tempo indispensável para a ordem jurídica no Brasil: a que estabelece que terras índias, ou que possam ser reivindicadas como tal por grupos de indígenas, são aquelas ocupadas por suas etnias até a aprovação da Constituição de 1988.
É o tão falado “marco temporal” – uma data limite para o estabelecimento legal de reservas destinadas aos indígenas no território nacional. É uma decisão mais do que razoável.
Terras que as tribos ocupam de 1988 para trás – ou seja, até apenas 35 anos atrás, e não 500 – são reservas que não podem ser tocadas por ninguém.
Áreas que não eram habitadas por índios depois dessa data ficam abertas para todos os demais brasileiros – ou 99,6% da população total do país.
Não há nenhuma hipótese, pelo marco temporal, de se dizer que as comunidades indígenas brasileiras foram prejudicadas com a distribuição de terra – nenhum outro país que passou por processos de colonização reservou para as populações originais áreas tão grandes como o Brasil.
As reservas indígenas legais, estas que foram demarcadas até 1988, ocupam quase 15% de todo o território físico do Brasil.
São 1.200.000 quilômetros quadrados, mais que do que a Alemanha e a França juntas – que têm, somadas, 150 milhões de habitantes.
O total de índios no país, hoje, é de cerca de 900.000 pessoas, menos que a metade da população de Curitiba – ou 0,4% da população brasileira.
Na verdade, menos de 700.000 índios, pelos dados de suas próprias organizações, moram em reservas demarcadas – os demais estão integrados pelo Brasil afora.
Nenhum outro grupo brasileiro tem tanta terra quanto os indígenas; por qualquer critério que se adote, eles são o grupo que ocupa a maior área do território nacional nos dias de hoje.
O problema é que, num Brasil governado pelo Supremo Tribunal Federal, em parceria plena com o Sistema Lula-PT, as decisões do Congresso Nacional podem não valer simplesmente nada.
Depende: se os ministros do STF concordam, as leis aprovadas pelo Parlamento entram em vigor; se não concordam, as leis são anuladas.
No caso do “marco temporal”, o Supremo, ao apreciar o tema daqui a alguns dias, pode resolver o oposto do que resolveram os deputados – e aí?
A decisão da Câmara foi tomada por maioria claríssima – nada menos do que dois terços dos votos, contra um terço de votos a favor da posição do governo.
O que mais se poderia querer?
Qual a dúvida que ainda pode existir quanto à vontade do povo nessa questão?
A aprovação do “marco temporal” é a óbvia expressão do que a maioria da população brasileira está querendo que se faça a respeito do assunto; suas decisões se manifestam obrigatoriamente pelos votos dos deputados federais eleitos por ela.
Se o STF derruba a lei aprovada na Câmara, está negando, diretamente, o direito à representação popular no Brasil.
Para que servem os representantes do povo, se as leis que aprovam não têm valor?
O Congresso brasileiro está se transformando numa instituição morta. Já engoliu, de forma abjeta, a prisão ilegal de um dos seus deputados; está a caminho de engolir a cassação também ilegal de outro.
Aceita, com passividade de cúmplice, que leis aprovadas legitimamente no plenário sejam revogas por atos de vontade do presidente da República, com o apoio do STF.
A decisão final sobre a questão indígena vai mostrar a quantas andamos.
O “marco temporal” pode se transformar no “marco da legalidade” – ou no enterro do Congresso.
Artigo publicado originalmente no O Estado de S.Paulo
Revista Oeste