O ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima do covil do Lula|- Foto: Marcos Correa/PR.
A condenação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao ex-presidente Jair Bolsonaro, sacramentada nesta sexta-feira (30), inaugura um novo conceito de abuso de poder no processo eleitoral e cria forte insegurança jurídica no contexto das eleições, de acordo com juristas entrevistados pela Gazeta do Povo.
O relator do processo, Benedito Gonçalves, e os ministros que seguiram seu voto enquadraram a reunião de Bolsonaro com embaixadores no artigo 22 da Lei de Inelegibilidade, que diz expressamente que, para tornar alguém inelegível, o crime eleitoral em questão deve ocorrer "em benefício de candidato ou de partido político".
Nos votos apresentados, o relator e os ministros Floriano de Azevedo, André Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes destacaram a todo o tempo a gravidade da reunião em si, mas tiveram dificuldades de demonstrar objetivamente como o evento teria trazido benefícios para Bolsonaro do ponto de vista eleitoral.
Janaina Paschoal, doutora em Direito Penal e ex-deputada estadual em São Paulo, explica que o "abuso do poder político requer desequilíbrio, ainda que em tese, do pleito".
Ela critica, por exemplo, o argumento de Azevedo de que Bolsonaro teria tirado um benefício eleitoral da reunião por ter estimulado as pessoas a não votarem, uma vez que desacreditou o sistema eleitoral brasileiro. "Ora, se é assim, o desequilíbrio seria em prejuízo do ex-presidente, pois os potenciais eleitores de Lula não acreditariam em Bolsonaro", observa Janaina.
Um especialista de Direito Eleitoral que falou à Gazeta do Povo sob condição de anonimato ressalta que a gravidade, para a caracterização do abuso, deve ser demonstrada de forma objetiva. A demonstração, explica ele, requer a apresentação de provas que atestem a capacidade do ato em influenciar o resultado eleitoral, sem necessariamente determiná-lo.
Segundo ele, ainda que o desfecho eleitoral não precise ser favorável ao candidato que tirou proveito do suposto abuso de poder, é imprescindível que a gravidade esteja devidamente comprovada pela análise de seu impacto nas eleições. Para ele, a reunião com os embaixadores não teve relevância para a disputa, e a inelegibilidade de Bolsonaro é resultado de um conceito de abuso de poder político remodelado e novidadeiro - aquele que é afeito a novidades e gosta de difundi-las entre os outros.
O jurista Adriano Soares da Costa, autor do livro "Instituições de Direito Eleitoral" (2006), afirma que a decisão de tornar Bolsonaro inelegível "abre um perigosíssimo precedente para as próximas eleições presidenciais" e "transforma as candidaturas presidenciais e os mandatos presidenciais em mandatos precários", tratando um presidente "como um vereador do interior que está sendo acusado de ter distribuído galinhas".
"Sete juízes, sete ministros da Justiça Eleitoral, se entenderem que aquele fato em si mesmo é grave, cassam o presidente. Ou seja, a nossa democracia e o mandato presidencial são absolutamente vulneráveis, precários, e esse julgamento inicia a fase da precarização do mandato presidencial", diz. No caso de Bolsonaro, cinco dos sete ministros votaram pela inelegibilidade.
Nunes Marques e Araújo questionaram qual benefício eleitoral Bolsonaro teria obtido
Somente os ministros Kassio Nunes Marques – que votou nesta sexta – e Raul Araújo – que emitiu seu voto na quinta – entenderam a ação do PDT contra a chapa de Bolsonaro como improcedente.
Em suas justificativas, ambos se concentraram justamente em questionar qual benefício eleitoral Bolsonaro teria obtido a partir da reunião com embaixadores.
"Não identifico a gravidade necessária para formar juízo condenatório em desfavor do investigado Jair Messias Bolsonaro", afirmou Nunes Marques. Segundo ele, a concepção de gravidade, quando se trata de hipótese de abuso de poder, exige "a comprovação de forma segura da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo)" e a "significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral", aspectos que o ministro não identificou no caso em julgamento.
Raul Araújo, por sua vez, questionou: "A Justiça Eleitoral se preza pelo princípio mínima intervenção em favor da soberania do voto popular. Então, é de se perguntar: a referida conduta interferiu no resultado eleitoral?”
Araújo entendeu que a reunião de julho de 2022 não representou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, porque os fatos imputados não tiveram capacidade real de alterar o resultado do processo eleitoral.
Auxiliar de Lula, ladrão condenado a mais de 20 anos de cadeia, Moraes finaliza julgamento com discurso efusivo contra Bolsonaro
Com o resultado definido e os votos dos outros seis ministros já apresentados, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, preferiu dispensar uma leitura literal do texto de seu voto e finalizou o julgamento com pouca argumentação jurídica e um discurso efusivo contra Bolsonaro.
O ministro retomou, mais uma vez, sua habitual argumentação sobre a liberdade de expressão, fazendo a observação de está se tornando "até repetitivo".
Ele disse que tornar Bolsonaro inelegível até 2030 foi uma resposta do TSE ao "degradante populismo renascido a partir das chamas dos discursos de ódio", em um discurso repleto de críticas ao ex-presidente.
Entre outras críticas, Moraes afirmou que o ex-presidente se reuniu com embaixadores com a finalidade de "conturbar o processo eleitoral" e "convencer o eleitor da iminência de uma grande conspiração para fraudar as eleições de 2022".
O magistrado reproduziu frases de Bolsonaro usadas na reunião com embaixadores e gritou "mentira!" após cada uma delas, para ilustrar o suposto abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação, e sustentar a tese de que houve um "modus operandi para induzir desinformação no eleitorado".
"O hacker falou que tinha havido fraude por ocasião das eleições, falou que tinha invadido tudo. Mentira! O hacker diz claramente que ele teve acesso a tudo dentro do TSE. Mentira! Todos sabemos, primeiro, que as urnas são offline, as urnas não são online. Tudo querendo insinuar fraude. Segundo o TSE, ainda, diz o investigado, 'os hackers ficaram por oito meses dentro dos computadores do TSE, com códigos fonte, com senhas e muito à vontade dentro do TSE'. Mentira! Assim como é mentira quando diz que o código-fonte não foi divulgado", disse o ministro.
Para Moraes "não há nada de liberdade de expressão" nas falas do presidente, "ao mentirosamente dizer que há fraudes nas eleições".
O ministro também destacou que Bolsonaro foi avisado de que quem lançasse dúvidas sobre o processo eleitoral seria cassado. "O candidato Jair Messias Bolsonaro não poderia alegar desconhecimento sobre o posicionamento das premissas para as eleições de 2022 do que seria abuso dos meios políticos e de comunicação, porque a Corte já havia definido", disse.
Moraes disse ainda que a Justiça Eleitoral está dando uma resposta "de repulsa ao degradante populismo renascido a partir das chamas dos discursos de ódio, dos discursos antidemocráticos, dos discursos que propagam infame desinformação, desinformação produzida e divulgada por verdadeiros milicianos digitais em todo o mundo".
Com informações de Leonardo Desideri, Gazeta do Povo