Escalados para agradar a segmentos do eleitorado e à velha mídia, nomes como Simone Tebet, Anielle Franco, Marina Silva, Andre de Paula e Márcio França viram ministros de segunda classe
Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu pela quinta vez no ano com o colega argentino Alberto Fernández. Somando-se as visitas a Brasília e a Buenos Aires no ano passado, é a mais intensa amizade entre os dois países de que se tem notícia. Mas, se sobra espaço na agenda de Lula para receber o vizinho em ruína, falta tempo para saber o que a maioria dos seus ministros anda fazendo. Alguns deles não conseguiram uma única conversa a sós em seis meses.
Da lista dos 37 ministros, os casos mais simbólicos são de Simone Tebet e de Anielle Franco. A primeira foi levada para a Esplanada em retribuição ao apoio dado ao petista no segundo turno da eleição, embora Lula não lembrasse sequer o seu sobrenome — numa das cenas grotescas dos debates, dirigiu-se a ela como “Simone Estepe”. Tebet saiu das urnas com 5 milhões de votos. Hoje, comanda a pasta do Planejamento, completamente esvaziada e quase sem nenhuma função prática — as atribuições foram remanejadas para o petista Fernando Haddad (Fazenda) e a sem partido Esther Dweck (Gestão).
O mais próximo que Tebet chegou de um bate-papo direto com o presidente foi em 30 de março. Segundo a agenda oficial da Presidência da República, ela esteve com Lula numa reunião com o ministro-chefe da Secretaria-Geral, Márcio Macêdo.
Simone Tebet e Lula participam de caminhada em Juiz de Fora (MG) | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Outra ministra desprezada é Anielle Franco, da Igualdade Racial. Ela foi escolhida porque é irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em 2018. O nome de Marielle provoca agitação em qualquer grupo de militantes ideológicos de esquerda.
O nome de Anielle Franco só aparece na agenda presidencial em duas oportunidades. No primeiro caso, em 11 de janeiro, Lula compareceu à cerimônia oficial de posse dela na pasta para uma sessão de fotos. Em 14 de março, Anielle esteve na mesa com outros 18 ministros ao redor do presidente.
Hoje, não
Apresentado como o mentor intelectual da formação da chapa Lula-Alckmin, o ex-governador Márcio França ganhou o Ministério de Portos e Aeroportos. Ele foi derrotado pelo astronauta Marcos Pontes na disputa pelo Senado. O status de ministro não o faz, contudo, ter protagonismo na agenda oficial de Lula. Nos bastidores, não é segredo que o petista não gosta de França. Uma das broncas públicas de Lula, aliás, foi dirigida a ele. O presidente não aprovou a ideia do ministro de prometer, sem consultar a Casa Civil, passagens aéreas a R$ 200.
“Toda e qualquer posição, qualquer genialidade que alguém possa ter, é importante que antes de anunciar faça uma reunião com a Casa Civil”, disse Lula. “Para que a Casa Civil discuta com a Presidência da República e que a gente possa chamar o autor da genialidade, e a gente então anuncie publicamente como se fosse uma coisa do governo.”
(Discurso de Lula, em 14 de março)
O primeiro encontro dos dois ocorreu depois de seis meses, na última terça-feira, 27. Até então, França só havia sido chamado para acompanhar, como ouvinte, reuniões com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e com a ministra Esther Dweck.
Além de França, outros seis ministros só tiveram uma única reunião a sós ou com, no máximo, um subordinado da pasta que comanda: Luciana Santos, Juscelino Filho, Marina Silva, André de Paula, Carlos Lupi e Silvio Almeida. Eles lideram, respectivamente, os Ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação; Comunicações; Meio Ambiente e Mudança do Clima; Pesca e Aquicultura; Previdência Social; e Direitos Humanos e Cidadania.
Luciana, por exemplo, só conversou reservadamente com Lula durante uma hora, em 13 de janeiro. Pelo mesmo período de tempo, Juscelino Filho se reuniu com o petista em 6 de março. O motivo era sua provável demissão, depois de denúncias de que ele usou dinheiro público para abrir estradas próximas à fazenda de sua família, usou uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para visitar uma feira de cavalos e mandou chips de celulares para terras ianomâmis — onde não existem antenas. Sua estadia no ministério acabou prolongada em troca de votos do União Brasil no Congresso.
O eterno presidente do PDT, Carlos Lupi, e a ambientalista Marina Silva tiveram o mesmo direito a encontros a sós, nos dias 8 e 31 de março, respectivamente. André de Paula, por sua vez, teve ainda menos tempo reservado com o presidente. Em 20 de março, Lula recebeu o ministro no Palácio do Planalto, às 17 horas, mas 30 minutos depois partiu para outro compromisso oficial — uma conversa com o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, Luiz Fernando Corrêa.
O caso da pouca atenção dada a André de Paula põe em xeque a necessidade de recriar o Ministério da Pesca. Criada assim que o PT chegou à Presidência da República pela primeira vez, em janeiro de 2003, a pasta foi extinta por Dilma Rousseff em outubro de 2015. Com a vitória lulista, a possibilidade de ressurgimento do órgão, a partir do desmembramento do Ministério da Agricultura e Pecuária, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo, por exemplo, se manifestou contra essa mudança, que acabou sendo confirmada.
Segunda classe
Apesar do discurso palanqueiro de dar mais espaço para mulheres no seu Ministério, Lula não costuma recebê-las. O petista teve, até agora, somente duas reuniões exclusivas com Margareth Menezes (Cultura), Cida Gonçalves (Mulheres), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Daniela Carneiro (Turismo). No caso desta última, a ministra foi chamada para dar explicações sobre relações com milicianos na cidade de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, administrada pelo seu marido. Ela deve ser demitida na semana que vem.
No caso de Margareth, as duas reuniões foram em 1º de março e 3 de abril, quando esteve acompanhada de um de seus subordinados na Cultura, o secretário-executivo Márcio Tavares. Cida, por sua vez, só teve momentos de proximidade com o presidente da República em março: no dia 1º, reunião no Palácio do Planalto; uma semana depois, anúncio de ações em pleno Dia Internacional da Mulher. Guajajara esteve de forma reservada com Lula em 31 de janeiro (apenas por meia hora, segundo a agenda presidencial) e em 4 de abril. Anunciada com pompa, a pasta dos indígenas foi relegada ao segundo plano da gestão.
Lula tem dado pouquíssima atenção àquelas que ele próprio empossou como ministras. Das 11 escolhidas, apenas um trio teve três ou mais reuniões reservadas com ele. No Ministério da Saúde, Nísia Trindade esteve a sós com o presidente em quatro oportunidades desde o começo do ano. Ana Moser, do Esporte, se reuniu de forma mais reservada com o petista em três diferentes ocasiões, sendo uma delas na companhia de Witold Bańka, presidente da Agência Mundial Antidopagem. À frente da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck conseguiu um tête-à-tête também em três situações.
Além da Esplanada dos Ministérios, a presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, ainda não teve nenhuma reunião exclusiva com o chefe de Estado. Presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros se reuniu reservadamente com Lula quatro vezes.
Nenhuma ministra ou outra integrante do primeiro escalão teve mais reuniões reservadas com Lula ao longo do primeiro semestre deste ano do que a deputada federal pelo Paraná e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann. Foram cinco encontros a sós com o chefe do Palácio do Planalto. Além disso, ela participou de outros quatro compromissos em que o presidente da República conversou com outros políticos.
Lista VIP
Sem tempo para os seus auxiliares diretos, Lula encontrou espaço para se reunir com figuras sem mandato em nenhum dos Poderes, mas que desde sempre são chamados de “companheiros”. Com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a relação é próxima, com direito a presença na comitiva de uma das inúmeras viagens internacionais já feitas.
O líder do MST, João Pedro Stédile, fez parte da comitiva presidencial que viajou à China, em abril. Um mês depois, o MST foi novamente agraciado pelo presidente que ignora membros de seu primeiro escalão. Na ocasião, Lula anunciou a recriação do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão. A militante Ayala Ferreira foi escolhida para representar o movimento invasor de terras no colegiado que reúne 246 pessoas — com o influenciador digital Felipe Neto e a culinarista Bela Gil entre os integrantes. A primeira — e por enquanto única — reunião do Conselhão foi em 4 de maio.
Apenas oito dos atuais ministros se reuniram a sós (ou no máximo com um subordinado) com Lula mais vezes do que o presidente da Argentina, Alberto Fernández
Lula ainda encontrou tempo para se lançar como o mais novo podcaster do país. Em 13 de junho, ele colocou o jornalista Marcos Uchôa, ex-repórter da Rede Globo, para servir como “escada” na estreia do projeto Conversa com o Presidente. Transmitido em plataformas de áudio e no YouTube, o podcast já soma três edições — e com registros pífios de audiência.
Na soma das três edições, o Conversa com o Presidente já consumiu quatro horas da agenda de Lula — o que representa 700% mais tempo, por exemplo, do que ele teve de bate-papo reservado com o ministro da Pesca, André de Paula. Aliás, até os integrantes da banda de pop rock Coldplay já conversaram pessoalmente com Lula.
Onde está o Alckmin?
Apesar de ter oficialmente dupla função na estrutura do governo federal — vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços —, Geraldo Alckmin é outro que não frequenta a agenda de Lula. Até o momento, os dois tiveram cinco reuniões sem a presença de nenhum outro político — ou seja, o petista tem oferecido ao seu vice o mesmo nível de atenção concedido ao presidente do país vizinho, com empréstimo de US$ 27 milhões em aberto pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Aliás, o presidente do BNDES, o petista Aloizio Mercadante, só teve uma única reunião exclusiva com Lula até agora. Mercadante é outro petista de que Lula prefere manter distância desde o seu primeiro governo — a má vontade aumentou quando ele assumiu protagonismo como ministro de Dilma Rousseff.
Alckmin surgiu em eventos que, aparentemente, não agregam nada àquele que rotineiramente assume a condição de presidente da República em exercício e ainda tem a missão de responder pelo ministério dedicado a ações em prol da indústria nacional. Reuniões com membros do governo e outros políticos, incluindo um encontro com um grupo de prefeitos e parlamentares, têm preenchido o dia a dia dele. Numa das viagens de Lula ao exterior, o ex-tucano se deixou fotografar com os netos no Palácio do Planalto.
Apenas oito dos atuais ministros se reuniram a sós (ou no máximo com um subordinado) com Lula mais vezes do que o presidente da Argentina, Alberto Fernández. Por que Lula prefere receber o vizinho falido a encontrar sua equipe ministerial? Uma resposta possível é que com o colega ele tenha o que conversar.
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Anderson Scardoelli, Revista Oeste