sexta-feira, 30 de junho de 2023

'Carta ao Leitor'

 

Ilustração: U.S. Department of State


Na terça-feira, 27 de junho, pouco depois de acompanharem a retomada do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral do processo que pretende tornar Jair Bolsonaro inelegível, os brasileiros foram surpreendidos por outro atropelamento da normalidade democrática. Dois procuradores federais de São Paulo transformaram opiniões divergentes em crime e pediram a cassação das outorgas que garantem a permanência no ar da Jovem Pan.

As 250 páginas da ação judicial não param por aí. Seus signatários querem também que a emissora pague R$ 13,4 milhões como indenização por “danos morais coletivos”. Mais: o alvo do castigo deve veicular, por quatro meses seguidos, ao menos 15 vezes por dia, entre as 6 e as 21 horas, textos escritos por alguma autoridade do governo contendo informações oficiais sobre a confiabilidade do processo eleitoral. 

“Não se trata de uma peça de acusação legal, feita dentro do que está escrito nos códigos de processo em vigor no país”, afirma J.R. Guzzo, no artigo de capa desta edição. “É um manifesto político e uma demanda de repressão, por parte do Estado, contra um órgão de imprensa que exerceu em suas transmissões o direito constitucional à liberdade de expressão. Não tem nada a ver com a lei. Tem tudo a ver, e só tem a ver, com um ato de força bruta contra quem desagrada a religião oficial imposta pelo consórcio entre os partidos de esquerda e o sistema judiciário que hoje governa o Brasil.”


Ilustração: Schmock

Talvez também tenha a ver, soube-se depois, com a ostensiva militância política dos autores da ação. O portfólio de Yuri Corrêa da Luz, por exemplo, inclui um ofício encaminhado ao Twitter cobrando informações sobre os critérios da plataforma que orientam a concessão de selos de verificação aos usuários. Ele estava inconformado com o concedido a Bárbara Destefani, do canal Te Atualizei, que acusa de “blogueira bolsonarista”. Em maio passado, Yuri mostrou-se indignado com as big techs pela divulgação de textos contrários à aprovação do Projeto de Lei nº 2630, mais conhecido como PL da Censura.

Tanto Yuri quanto a procuradora Ana Letícia Absy, coautora da ação, assinaram durante a campanha eleitoral de 2022 a chamada “carta em defesa da democracia”, subscrita por simpatizantes do candidato Lula. Em 2018, Ana Letícia estreara no noticiário jornalístico depois de determinar o arquivamento da investigação sobre o vídeo em que uma criança interage com um homem nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Argumentação da doutora: “Com efeito, a mera nudez do adulto não configura pornografia, eis que não detinha qualquer contexto erótico”. Onde começa e onde acaba o que chamou de contexto erótico? O que, na opinião da procuradora, configura pornografia?

Se ainda estiverem em vigor a Constituição e a democracia, se não tiver sido revogada a liberdade de expressão, a ação do MPF logo morrerá de indigência. De todo modo, é assustador o estridente silêncio que mantém atados empresários de veículos de comunicação, jornalistas, parlamentares e juristas. “A ‘democracia’ brasileira age como uma ditadura, persegue como ditadura, censura como ditadura. Logo, é uma ditadura!”, afirma Rodrigo Constantino em sua coluna. “Todos aqueles que aceitam o verniz de normalidade institucional no Brasil hoje colaboram para o avanço do regime opressor.” Infelizmente, não são poucos. 

Entre os que não têm medo de denunciar as arbitrariedades institucionais do Brasil de hoje está Alexandre Garcia, que agora integra o time de colunistas de Oeste. O jornalista estreia esta semana, com um artigo nesta edição da revista e a participação no programa Oeste Sem Filtro. “O relator Benedito Gonçalves teve imenso trabalho; precisou de 382 páginas para demonstrar a culpa de Bolsonaro em crime eleitoral de abuso de poder político e econômico”, observa Garcia em sua coluna. “Quase o dobro do número de páginas de O Processo, de Franz Kafka”. Com a chegada de Garcia, Oeste reafirma com os leitores seu compromisso na defesa incondicional da liberdade.

Boa leitura.

Branca Nunes

Diretora de Redação


Capa da Revista Oeste, edição 171 | Foto: Montagem Revista Oeste

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