Eliseu Alves, fundador da Embrapa | Foto: Divulgação/Embrapa
Um dos fundadores da Embrapa, Eliseu Alves conta como surgiu a empresa e afirma que o governo está fazendo de tudo para manter a excelência do setor
Ao conversar com Eliseu Roberto de Andrade Alves, a primeira impressão que se tem é a de um homem sério e resistente a entrevistas. Em poucos minutos de conversa, contudo, desnuda-se um sorridente contador de histórias que viaja em fatos históricos que vão da década de 1970 a 2022 com a mesma intensidade e conhecimento. Aos 92 anos, Eliseu fala o que pensa sobre o agronegócio brasileiro com genialidade, lucidez e autoridade no assunto.
Nascido em São João Del Rey (MG), em 1930, o filho do comerciante português Accacio Salgado Alves e da brasileira Delfina Andrade se tornou engenheiro agrônomo em 1954, pela Universidade Federal de Viçosa. Em 1963, ajudou a criar a Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária (Embrapa). Dez anos depois, assumiu uma das diretorias da Embrapa para ajudar a modernizar o agronegócio brasileiro. “Cumprimos a missão”, afirma.
À Revista Oeste, Eliseu contou como surgiu a Embrapa e qual foi a importância da empresa para tornar o Brasil o maior exportador de alimentos do mundo, relembrou como era a agricultura no século passado, discorreu sobre a relevância dos fertilizantes, rebateu as críticas de países estrangeiros à produção de alimentos brasileiros e constatou: “Todos esses ataques têm o objetivo de torpedear o desenvolvimento do nosso país e do agronegócio”.

A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como surgiu a Embrapa e qual a importância da empresa para o agronegócio brasileiro?
Em 26 de abril de 1963, eu e um pequeno grupo de pesquisadores criamos a Embrapa. Como o sistema que tínhamos no país não funcionava direito, nossa missão era desenvolver a base tecnológica de um modelo de agricultura e pecuária genuinamente tropical. Precisávamos transformar o Brasil em um grande exportador, e foi o que fizemos. Hoje, esse setor é realmente rico e poderoso. Em seus quase 50 anos de existência, pouca coisa mudou na empresa. A companhia permanece no caminho que conduz à excelência e à sustentabilidade. Nela, trabalham técnicos de altíssimo nível que atuam para aprimorar o nosso agro, desenvolvendo várias pesquisas, como a fixação biológica de nitrogênio [técnica usada para adaptar espécies cultivadas às condições tropicais]. A empresa está envolvida em quase todas as pesquisas agrícolas do Brasil. A Embrapa é uma instituição vitoriosa.
Como foi possível o Brasil passar de importador de alimentos na década de 1970 a um dos maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo?
Isso se deu exclusivamente pela influência da ciência e da tecnologia. A agricultura brasileira era muito rudimentar no século passado. O trabalho na produção agropecuária era majoritariamente braçal. Naquela época, menos de 2% das propriedades rurais tinham máquinas agrícolas. Além disso, faltava conhecimento sobre os solos e como utilizá-los da melhor forma, além da extrema importância dos fertilizantes. O crescimento da agricultura exigia que extensas áreas naturais fossem convertidas em lavouras e pastagens. A ciência e a tecnologia deixaram tudo isso para trás.
“O chefe do Executivo tem de dar condições para o agronegócio operar livremente e fazer com que os produtores se desenvolvam cada vez mais”
Por que o Brasil se tornou dependente de fertilizantes estrangeiros? O que fazer para melhorar esse cenário?
Temos de pôr na cabeça o seguinte: nenhum país é autossuficiente em tudo. Então, temos de saber jogar com o que temos de melhor. Depender de determinado insumo ou produto é algo natural e que não se restringe apenas ao Brasil. Embora precisemos dessas mercadorias, lembro que também vendemos alimentos em abundância para o mundo. Compramos fertilizantes do Canadá e da Rússia, mas, felizmente, temos muita comida que serve de moeda de troca para dar a eles. Isso se chama interdependência. A economia funciona assim mesmo. Estamos indo muito bem.
O Brasil é apresentado pelos europeus como um inimigo do meio ambiente. Isso é verdade? É possível conciliar o agro com a preservação ambiental?
Trata-se de uma grande mentira. O Brasil é extremamente a favor de conservar o seu patrimônio natural. Nossa gente cultiva a terra com o mínimo possível de interferência no meio ambiente. Nesse ponto, nós também ganhamos de todos os países. Produzimos muito com pouco. Possuímos uma legislação bastante rígida, como o Código Florestal, um instrumento avançadíssimo desenhado exclusivamente para economizar a terra. Nossas técnicas avançadas permitem que a agropecuária seja esse gigante sem precisar desmatar os nossos biomas para crescer. No exterior, criam-se mitos, como os que usamos “defensivos agrícolas danosos à saúde”, que “destruímos as florestas”, que os transgênicos prejudicam as pessoas que os consomem, entre outras fantasias. Tudo isso tem o objetivo de torpedear o desenvolvimento do nosso país e do agronegócio.
Qual a maior conquista do agro brasileiro?
Eu diria que são duas: a primeira delas é a capacidade do Brasil de produzir alimentos a custos cada vez mais decrescentes. A segunda foi ter transformado o país no maior exportador de alimentos do mundo. O Brasil construiu um modelo institucional que não atrapalha o seu agro. Temos uma extensão rural muitíssimo bem desenvolvida, além de muita pesquisa, ciência e tecnologia de ponta. Acho que o Brasil está muito bem do ponto de vista institucional, pois tem sempre estimulado os agricultores e seus negócios.
Como o senhor avalia as políticas do governo Bolsonaro para o agronegócio e o que faria se fosse ministro da Agricultura?
Apesar de suas limitações, o governo Jair Bolsonaro está procurando fortalecer o agronegócio. Assim tem de ser, independentemente de quem seja o próximo presidente. O chefe do Executivo tem de dar condições para esse setor operar livremente e fazer com que os produtores se desenvolvam cada vez mais. Se eu fosse ministro da Agricultura, continuaria fazendo exatamente o que está sendo feito agora. Não se muda um time que está ganhando. O Brasil é um vitorioso do agronegócio. Oxalá se fossemos tão bem assim no setor industrial, que precisa de socorro.
Leia também “Diego Pessi: ‘A polícia enfrenta um ativismo perverso e criminoso'”
Cristyan Costa, Revista Oeste
