Afirmar que é o estado quem garante o Direito e a propriedade privada é uma contradição lógica
A propriedade privada e a ação humana são, necessariamente e por definição, anteriores ao Estado. Antes de surgir um estado os indivíduos já agiam; e a noção de propriedade privada já era intrínseca à ação do indivíduo.
Além de serem anteriores ao Estado, pode-se também dizer com plena certeza que a propriedade privada e a ação humana são a base de todo o ordenamento jurídico.
O estado de direito — isto é, o primado da lei — não necessitada de um Estado (governo). Não é necessário haver um governo para haver um estado (uma situação) de direito. Mais ainda: somente sem um Estado seria possível descobrir competitivamente qual é o melhor Direito — ou seja, qual seria o melhor ordenamento jurídico.
Contradição
Os defensores da necessidade de existir um governo para criar e impingir leis caem em uma inevitável contradição.
Quando o Direito é determinado e impingido pelo estado, tem-se apenas um conjunto de legislações criadas pelos próprios legisladores. Consequentemente, tem-se inevitavelmente um conjunto de normas que o mais forte impõe sobre o mais fraco.
Para os defensores deste arranjo, o conteúdo das normas é menos importante que o ato de força por meio do qual essas normas são impostas; seu traço distintivo é a coerção, e não a utilidade das normas. Nada se discute sobre a moralidade e a ética deste arranjo; enfatiza-se apenas a necessidade de cumpri-lo, não importam os meios utilizados.
Para os defensores do estado, o conteúdo e a utilidade da norma é menos importante que a coerção utilizada para impingir esta norma. Exemplo clássico: uma pessoa quer trabalhar e está voluntariamente disposta a aceitar um valor salarial abaixo do mínimo estipulado pelo governo. Ela será proibida. E os defensores desta legislação aceitarão todos os tipos de sanção e punição contra esta pessoa (que ficará sem emprego e renda) e seu empregador (que poderá ir para a cadeia). A coerção é mais importante que a utilidade da norma.
Qual a incoerência desta postura? Simples: ao mesmo tempo em que tais pessoas dão menos importância ao conteúdo e mais à necessidade de impô-lo à força, elas asseguram que o direito impingido pelo estado é a pré-condição para uma sociedade livre: "sem normas não há mercado", dizem eles.
Em outras palavras, estes teóricos socialistas do Direito consideram que a sociedade nasce e evolui não das interações voluntárias e espontâneas dos indivíduos, mas sim das relações coercitivas implantadas por um hierarca supremo. Sem uma mente consciente, respaldada pela força de um aparato policial, não haveria normas. E, sem normas, não haveria relações.
A realidade
A realidade, porém, é bem distinta. A ação humana livre e sua propriedade honestamente adquirida devem marcar o começo de toda a análise teórica e histórica. As relações humanas necessariamente antecedem as normas. Com efeito, as normas são fruto das relações humanas.
Uma norma nada mais é que uma expectativa de que outro indivíduo irá agir de uma determinada maneira, expectativa essa que pode surgir das promessas (ius — direito em latim — vem etimologicamente de iurare, jurar) ou dos costumes (isto é, de comportamentos idênticos do passado).
Se a tese socialista estiver correta, ou seja, se a propriedade privada realmente só surgiu após a criação de um ordenamento estatal, então surge um inevitável problema lógico e cronológico: como esse Estado nasceu? Como ele obteve suas receitas tributárias para pagar seu aparato policial, seus funcionários e seus juízes se não havia propriedades a serem tributadas?
Com efeito, os socialistas recorrem a essa teoria sem sentido unicamente com o intuito de querer argumentar que a propriedade privada é um privilégio concedido pelo Estado aos indivíduos, graças à sua legislação e à sua proteção policial. Consequentemente, a propriedade seria um privilégio que está subordinado a todas as eventualidades e alterações que seu mantenedor — o estado — queira lhe infligir.
Porém, como dito, a propriedade privada e a ação humana são necessariamente anteriores ao Estado (por uma questão de lógica). Por isso, pode-se dizer com plena certeza que ambas são a base de todo o ordenamento jurídico. As normas não criam a sociedade; é a sociedade quem cria normas, e faz isso de maneira contínua e evolutiva. Como disse Paolo Grossi: "A práxis — atividade humana na sociedade — constrói dia a dia seu Direito, moldando e modificando segundo as exigências do local e do tempo".
Aqueles que querem estabelecer uma profunda distinção entre sociedade e Direito, criando uma frente autônoma de sabedoria normativa, se esquecem de que impedir os indivíduos de criar o Direito a partir de seus feitos e interações é o equivalente a lhe impedir de agir. Por isso, um Direito de origem socialista irá inevitavelmente se degenerar em uma sociedade completamente policialesca, autoritária, regulada e escravizada.
O Direito não é um conjunto de mandamentos revelados, mas sim de práticas previsíveis e úteis para se alcançar os objetivos individuais por meio da cooperação humana. O Estado, por meio de suas legislações coercitivas, pode apenas arrebentar esses laços voluntários e cooperativos, destruindo na prática a própria instituição jurídica. Da mesma maneira que o planejamento econômico estatal erradica o mercado, o planejamento jurídico estatal extermina o Direito.
Conclusão
Vale repetir: o estado de direito — isto é, o primado da lei — não requer um Estado (governo) para garantir um estado (uma situação) de direito. Somente sem um Estado será possível descobrir competitivamente qual é o melhor Direito.
E a conclusão final é que se a propriedade privada e a liberdade são a origem do direito, então, por definição, um organismo que se baseia na coerção e na permanente violação da propriedade privada e da liberdade não pode criar outra coisa senão um Direito violentado e corrompido.
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