Quando a livre manifestação de ideias passa a ser monitorada e coibida por perseguições e patrulhamentos;
Quando a liberdade de crença e a pluralidade de valores são ameaçadas pelo despotismo do pensamento único e da mentalidade dogmática e totalitária;
Quando os direitos fundamentais do indivíduo começam a ser desrespeitados e denegados pelas próprias autoridades constituídas;
Quando a censura e o arbítrio se revestem da máscara da desfaçatez, fazendo-se crer, cinicamente, instrumentos de defesa da “ordem” e das “instituições democráticas”;
Quando a corrupção e o crime organizado passam a ser protegidos e compensados pelo Estado e a honestidade e a honradez se convertem em “ingenuidade” e auto sacrifício;
Quando o oportunismo e a esperteza substituem a abnegação e o mérito;
Quando o sucesso e o bem estar material não mais provém do esforço e do trabalho, mas da influência e do nepotismo;
Quando as autoridades constituídas se substituem às próprias instituições que representam, desvirtuando suas funções e finalidades;
Quando a classe política se utiliza do poder que não lhe pertence para dele se beneficiar privadamente, em detrimento do povo (a quem deveria representar);
Quando o sistema partidário se transforma numa federação de facções criminosas, a conspirar em favor da delinquência de compadrio e contra o interesse geral da sociedade;
Quando, a seu turno, juízes de tribunais de justiça se orientam pelo merchandising da própria imagem, exorbitando em ativismo judicial, indecoroso e fora dos autos, como se políticos fossem;
Quando os privilégios e as mordomias das classes dirigentes, custeados dinheiro público, aumentam sem parar na proporção inversa do empobrecimento daqueles que empreendem, produzem e pagam impostos;
Quando, na moldura desse quadro, o Direito e a Justiça são, por consequência, substituídos pela tirania, pelo escárnio e pela iniquidade;
Quando o corporativismo egocêntrico de poucos se sobrepõe ao interesse público maior do conjunto da população;
Quando a calúnia e a difamação passam a ser a pauta diária de um jornalismo faccioso e “militante”, cúmplice desairoso de um nocivo e lesivo establishment, ao mesmo tempo que traíra despudorado do código de ética profissional;
Quando um Alto Tribunal de Justiça se degenera num venal balcão de traficância e politicagem, interferindo autoritariamente em outros Poderes e promovendo arbitrariedades ominosas, com insegurança jurídica generalizada;
Quando os Poderes constituídos não mais se respeitam, com invasões recíprocas de prerrogativas e desempenhos institucionais deploráveis, a desacreditar a legitimidade de seus propósitos e insígnias perante a população;
Quando a Lei maior perde, definitivamente, a sua eficácia diante de poderosos usurpadores do Estado de Direito – sobretudo daqueles que deveriam zelar, em “última instância”, por sua vigência;
Quando a depravação dos comportamentos, a devassidão dos atos e o desvirtuamento dos fitos de autoridades investidas (sobretudo com togas) obriga as Forças Armadas a entrar de prontidão e a transformar-se em efetivo “poder moderador”, em defesa da normalidade institucional ameaçada;
Quando, por fim, um Presidente da República, ante a omissão de um Congresso contaminado e acovardado, precisa recorrer, como último recurso, a um ato monocrático (ainda que legalmente lícito) para recompor a ordem constitucional e corrigir injustiças cometidas por uma Corte Suprema, absurda e bizarramente desviante de seus magnânimos desígnios, então pode-se afirmar, sem qualquer temor de errar, que a democracia e a república, nessas paragens, já estão condenadas.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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