Diante da disputa pelos comandos da Câmara e do Senado, o governo abriu o cofre e destinou R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras em seus redutos eleitorais. O dinheiro saiu do Ministério do Desenvolvimento Regional. O Estadão teve acesso a uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos "extras", que vão além dos que já têm direito de direcionar.
A oferta de recursos foi feita no gabinete do ministro Luiz Eduardo Ramos. A Secretaria de Governo, que o general comanda, virou o QG das candidaturas dos governistas Arthur Lira (Progressistas-AL), que disputa o comando da Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do Senado. Nesta quarta, 27, o presidente Jair Bolsonaro disse que “se Deus quiser vai participar e influir na presidência da Câmara”, com a eleição de Lira.
Dos 208 deputados que já declararam apoio a Lira, conforme o “Placar da Eleição” do Estadão, 125 nomes já estão na planilha da Secretaria de Governo, considerando apenas os que já garantiram fatias do Orçamento para projetos de seus interesses. Ao todo, 41 dos parlamentares estiveram em ao menos uma reunião no Palácio com Ramos desde dezembro, quando começaram as campanhas nas Casas. Na comparação com o placar da eleição para o Senado, dos 33 votos declarados para Pacheco, 22 nomes de senadores aparecem na planilha.
A planilha, informal e sem timbre, inclui repasses de recursos do orçamento da União que não são rastreáveis por mecanismos públicos de transparência. São os chamados "recursos extra orçamentários", no linguajar usado no Congresso. Neste tipo de negociação, os valores são repassados a prefeitos indicados por deputados ou senadores sem que o nome do deputado fique carimbado, como ocorre com a emenda parlamentar tradicional. Desta forma, se houver alguma irregularidade na aplicação dos recursos não é possível saber se há algum envolvimento do parlamentar que direcionou a verba para determinada obras.
Na condição de líder do Progressistas, Lira foi priorizado com o direcionamento de R$ 109,5 milhões para serem distribuídos a projetos indicados por seus colegas de partido. Ele direcionou outros R$ 5 milhões a obras de pavimentação e drenagem de ruas no município de Barra de São Miguel (AL), onde seu pai, Benedito Lira, é prefeito.
Ter aliados nos comandos da Câmara e do Senado é considerado determinante na aprovação de pautas favoráveis ao país. Sob Rodrigo Maia, foram engavetados inclusive projetos de pivatizações.
Lira tem influência em todas as etapas do processo de liberação de recursos. Ele negocia diretamente com o Planalto e tem apadrinhados em postos chaves no próprio Ministério de Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados, como na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). O secretário nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, Tiago Pontes Queiroz, listado como autoridade competente para alguns dos contratos da Codevasf, foi indicado à pasta no ano passado por Lira e pelo presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI).
“É muito mais”. Uma parte dos nomes citados na planilha do governo é dissidente de partidos que apoiam a campanha do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), adversário de Lira na disputa. Nela estão os deputados da bancada baiana do DEM ligados ao ex-prefeito de Salvador ACM Neto, como Leur Lomanto (R$ 12 milhões), Arthur Oliveira Maia (R$ 7,5 milhões) e Paulo Azi (R$ 6,5 milhões). Os parlamentares posaram para fotos com Lira na segunda-feira passada, durante jantar em Salvador. Na manhã de quarta-feira, Lomanto foi ao Planalto conversar com Ramos. Por sua vez, Paulo Azi, presidente do partido na Bahia, esteve com o chefe da Secretaria de Governo em dezembro.
À reportagem, Arthur Maia admitiu que o envio de fatias do orçamento aos Estados foi tratado com os deputados. Ele, no entanto, negou que as conversas tivessem relação com a eleição na Câmara. O parlamentar disse ainda desconhecer a citação de seu nome na planilha. “Da minha parte não tem nada a ver”, afirmou. Em relação aos recursos atrelados a ele, o deputado citou que, além desse valor, conseguiu outros recursos.
Com informações de Breno Pires e Patrik Camporez, O Estado de S.Paulo