sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

"A reinvenção necessária dos partidos tradicionais", escreve Manoel Fernandes

Vencedores da eleição municipal, MDB, PP, PSD e DEM precisam fazer a sua transformação digital para 2022




Surpreendidos pelo fenômeno das redes sociais em 2018, alguns partidos da política analógica (MDB, DEM, PSD e Progressistas) ganharam uma segunda chance com a performance obtida nas últimas eleições municipais. Eles conquistaram 33,5% das prefeituras e controlarão neste ano 40% das câmaras municipais. Ainda há um longo caminho até 2022, e a última vitória nas urnas não é garantia de êxito futuro. Em dois anos, o presidente Jair Bolsonaro deve concorrer à reeleição, a oposição tentará um candidato viável e o centro precisará encontrar narrativas para tentar neutralizar os extremos. Sem uma estratégia digital, os vencedores de hoje serão engolidos por uma nova polarização.

A eleição de Bolsonaro comprovou a ineficiência dos modelos clássicos de campanha política junto ao eleitorado e a pouca aderência dos partidos tradicionais do Brasil ao mundo digital. Apenas no primeiro turno da disputa em 2018, os candidatos alcançaram 225 milhões de interações em suas mensagens nas redes sociais. Na eleição passada, em novembro, esse número saltou para 496 milhões entre aqueles nomes que concorreram para prefeituras em todo o Brasil, considerando curtidas, compartilhamentos, comentários e retuítes.

MDB, DEM, PSD e Progressistas estão diante de uma oportunidade de mudança. Caso desejem avançar de modo consistente e utilizar com inteligência os novos meios, precisarão abandonar o passado e partir em direção a uma profunda transformação digital. Por enquanto, esse movimento não está acontecendo.

Os 17 maiores partidos do Brasil têm 13,2 milhões de seguidores no Facebook, no Twitter, no Instagram e no YouTube. A liderança é do PT (3,2 milhões), seguido do Novo (2,9 milhões) e do PSDB (1,8 milhão). Os grandes vencedores das eleições municipais — MDB, Progressistas e PSD — ocupam nessa lista, respectivamente, a sétima (MDB), a 14ª (PSD) e a 15ª posições (Progressistas).

Na Câmara dos Deputados, a primeira colocação pertence aos parlamentares do PSL, com 33 milhões de seguidores, à frente de Republicanos (13 milhões), PT (12,6 milhões), DEM (11 milhões) e Psol (10 milhões). Mas existe um detalhe relevante: os dois universos — canais dos deputados e canais oficiais dos partidos — não conversam. Há falta de sintonia de conteúdo. A sincronização seria o primeiro passo para a transformação digital dos partidos. A falta de coordenação é o reflexo do baixo uso estratégico de práticas digitais nos perfis oficiais das principais lideranças partidárias.


O maior desafio dos partidos analógicos é estruturar narrativas junto aos millennials e à Geração Z


O presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, por exemplo, tem menos de 100 mil seguidores nas redes sociais. Bruno Araújo, que comanda o PSDB nacional, reúne 176 mil seguidores em seus perfis. Senador pelo Piauí, Ciro Nogueira, presidente nacional do Progressistas, é acompanhado por 132 mil fãs nas redes. A soma dos três é 21 vezes menor do que o volume de Eduardo Bolsonaro, o deputado federal com o maior número de aliados digitais.

Nesse cenário, o DEM pode ser a exceção. Atual prefeito de Salvador e presidente nacional do partido, ACM Neto é um dos poucos políticos de agremiações tradicionais que já entenderam a dinâmica da internet e seu impacto na construção de narrativas políticas e no relacionamento com o eleitorado. Ele é acompanhado por 1,8 milhão de seguidores.

O PT também precisará atentar para essa necessidade. A sua conhecida militância não conseguiu fazer a transição para o mundo digital. E entre os seus principais líderes não há um nome capaz de conduzir o partido nessa direção. Uma das possibilidades é abrir espaço para a nova geração, como a deputada federal Marília Arraes, que disputou e perdeu a eleição no Recife para João Campos, do PSB. A parlamentar fez bom uso da internet na sua estratégia eleitoral e conseguiu ampliar bastante a base de seguidores. Quando a campanha começou, em 27 de setembro, eram 248 mil; no segundo turno, somavam 381 mil. A variação foi de 54%.

O capital digital é de extrema importância estratégica. Possibilita ao político produzir maior reverberação de seu discurso junto à opinião pública digital. É garantia de vitória? Claro que não. Mas permite a leitura de tendências, a calibragem de pautas de campanha, a identificação de nichos e, sobretudo, o engajamento de eleitores com potencial de se tornarem multiplicadores — gente que, munida de argumentos, convencerá outras pessoas.

O maior desafio dos partidos analógicos é estruturar narrativas junto aos millennials (21 a 39 anos) e à Geração Z (15 a 20 anos). Entre os prefeitos e vereadores que tomam posse hoje, dia 1º de janeiro, a presença de integrantes desses dois grupos ainda é baixa nos partidos de centro. No MDB, 31% dos eleitos estão nessas categorias etárias; no PP, a taxa é de 35%, a mesma do PSD. O problema está no extremo. No Psol, a presença de jovens entre os eleitos é de 45%, 11 pontos porcentuais acima de PT e PDT, que postulam disputar a eleição presidencial pela esquerda.

No Brasil, 83% do eleitorado (125 milhões de pessoas) tem acesso à internet. Entre 18 e 39 anos, há 69% de eleitores mulheres e 76% de homens. E os dois grupos (87% do total) acessam a internet apenas por seus celulares. Ao não entenderem essa realidade e a nova dinâmica da opinião pública digital, os partidos podem ter conquistado em 2018 uma vitória equivalente àquela obtida pelo general grego Pirro.


Manoel Fernandes é diretor da BITES, que acompanha os fluxos da opinião pública digital. BITES não trabalha para partidos, campanhas eleitorais nem políticos com mandato.

Revista Oeste