- No exterior, os fundos globais que seguem essas métricas registraram captação recorde no mês de julho, com a entrada de 362 milhões de libras (aproximadamente R$ 2,6 bilhões)
- Enquanto isso, os fundos de ações sofreram com resgates, em média, de 240 milhões de libras (R$ 1,7 bi) no sétimo mês do ano
- De acordo com especialistas, em momentos em que a incerteza toma conta dos mercados, alocar mais recursos em fundos que levam em consideração a sustentabilidade dos modelos de negócios se torna uma forma de se proteger de riscos
Não foi só no Brasil que a pandemia acelerou a preocupação com o ESG, sigla para melhores práticas ambientais, sociais e de governança nos investimentos. No exterior, os fundos globais que seguem essas métricas registraram captação recorde no mês de julho, com a entrada de 362 milhões de libras (aproximadamente R$ 2,6 bilhões). Desde abril, o valor acumulado chega aos 1,2 bilhão de libras (R$ 8,6 bi), quantia maior do que a observada nos últimos cinco anos.
Enquanto isso, os fundos de ações sofreram com resgates, em média, de 240 milhões de libras (R$ 1,7 bi) no sétimo mês do ano. Os dados são do Índice de Fluxos de Fundos (FII, na sigla em inglês) da Calastone, rede global de fundos. De acordo com Daniel Celano, country head da Schroders Brasil, não é a primeira vez que ocorre uma maior migração para o ESG em período de crise.
“Quando falamos de ESG pensamos em empresas que têm maior preocupação com questões sociais, ambientais e de governança, que são geridas para o longo prazo. Logo, tendem a ser companhias mais resilientes em períodos de turbulência”, explica Celano. “Vimos isso na crise de 2008 também”, diz.
Nesses momentos em que a incerteza toma conta dos mercados, alocar mais recursos em fundos que levam em consideração a sustentabilidade dos modelos de negócios se torna uma estratégia de blindagem. “O investidor se protege de tudo: vazamento de dados de clientes, riscos de tomar multa por não tratar direito as questões ambientais e os funcionários e até de perder a força de trabalho”, ressalta o executivo.
Gestoras internacionais apostam em ESG
Segundo os especialistas consultados pelo E-Investidor, os processos ESG estão bem mais consolidados no exterior, principalmente na Europa, o que justifica o recorde de captações de fundos globais do gênero.
“É até difícil destacar um ou outro fundo global ESG, porque todos cumprem esses critérios em maior ou menor grau”, explica Álvaro Gonçalves, CEO da Stratus. “Mas podemos citar casas enormes que estão à frente disso, como Blackrock, Robeco e Schroders.”
Só a Blackrock, por exemplo, possui cerca US$ 100 bilhões (R$ 536,6 bi) em fundos que empregam a temática ESG em seus portfólios e US$ 7,4 trilhões (R$ 39,7 tri) sob gestão. A Robeco também é outra gestora global tradicional que aposta em estratégias de investimento que utiliza os critérios de governança, impacto ambiental e social como parâmetro. Até julho deste ano, a casa tinha £ 144 bilhões nesse tipo de aplicação.
“As ações que cumprem critérios ESG estão subindo mais do que as outras. Consequentemente, os fundos escolhem cada vez mais essas empresas e se beneficiam”, diz Gonçalves. “É difícil você ver hoje uma empresa global que não tenha um projeto forte de sustentabilidade.”
A Schroders, por sua vez, possui R$ 18 bilhões de ativos sob gestão só no Brasil e US$ 662,6 bilhões ao redor do mundo, oferecendo cerca de 60 opções de fundos ESG globais, em três diferentes níveis. O primeiro seria as aplicações com filtros de exclusão, que tira do radar determinados setores seguindo as métricas ESG. O segundo tipo são os integrados, que são levados em consideração os aspectos de governança, social e ambiental dentro da análise do gestor.
A última categoria é dos 100% sustentáveis, em que existe uma equipe focada em ESG que faz parte do processo de decisão de investimentos, junto ao gestor. “A gente sente que a procura por esse tipo de produto tem aumentado, mas ainda tem muito espaço para crescer”, afirma Celano.
Essa também é a visão de Samuel Oliveira, coordenador de fundos da XP. “Em nível global, a gente vê claramente um aumento da procura por esses fundos e, consequentemente, uma maior captação, mas estamos longe de dizer que está no mesmo patamar dos fundos tradicionais.”
Brasil ainda tem opções limitadas
Por aqui, apesar do aumento da preocupação com o ESG, o mercado ainda está engatinhando e o número de gestoras focadas nesses critérios de sustentabilidade empresarial é bem limitado.
“No Brasil, em um universo de cerca de 700 gestoras de investimentos, apenas cinco ou seis estão firmes nessa frente”, declara Oliveira. “Podemos citar a Constellation Asset, Fama Investimentos e JGB.”
Todas as três casas possuem todos os produtos atrelados aos critérios ESG. A Constellation tem hoje cerca de R$ 15 bilhões de ativos sob gestão. “A maior parte dos nossos investidores são estrangeiros. Foi uma demanda também trazida por eles”, explica Florian Bartunek, sócio-fundador e CIO da casa.
De acordo com Oliveira, a principal preocupação quando se fala de ESG, principalmente no Brasil, onde as discussões sobre o tema ainda são incipientes, é a identificação e a regulamentação.
“A pauta é cercada de incertezas. O gestor pode colocar a sigla no nome do fundo do dia para noite e falar que segue os critérios e não tem como certificar”, alerta. “Por isso, que a maioria das estratégias dos fundos ESG lá fora é em ações, por conta da maior transparência das empresas listadas em Bolsa.”
O country head da Schroders Brasil também afirma que o ESG é uma construção. “Não tem como adaptar de um dia para o outro, estamos há 20 anos estudando e reformulando.”
Jenne Andrade, O Estado de São Paulo