Como o FBI foi usado politicamente para arruinar a imagem de um militar com relevantes serviços prestados à nação
Você pode nunca ter ouvido falar do general aposentado Michael Flynn, mas o surrealismo do que aconteceu a ele desde 2016 deveria interessar a todos, em qualquer lugar do mundo, preocupados com direitos individuais e uso do aparato estatal para perseguição de oponentes políticos. E não estamos falando de uma república de bananas.
Se o que está aparecendo sobre o caso Flynn aconteceu na América, é de perguntar qual o limite hoje para as ações da burocracia estatal em países com tradição não tão sólida de competência e impessoalidade da polícia, Judiciário independente e limites à mão de ferro de governantes com pouco apreço às leis. Se um dos militares mais respeitados e condecorados do país pode ser alvo de perseguição política tão abjeta e com resultados tão eficientes e rápidos contra ele, como o cidadão comum pode se sentir protegido? É uma pergunta legítima.
Tudo começa quando Flynn, eleitor registrado do Partido Democrata que serviu anos ao governo Obama, passa a colaborar para a campanha presidencial de Donald Trump no início de 2016, chegando a ser cogitado para a vaga de vice-presidente na chapa republicana. Flynn conquistou a admiração de Trump ao longo do ano. Logo após a vitória, em novembro, Trump anunciou a escolha do general para o prestigioso cargo de assessor de segurança nacional e sua inclusão no time de transição. Naquele momento, Flynn passou a ter, como qualquer integrante do círculo mais próximo do presidente eleito, um alvo pintado nas costas.
Durante a campanha de 2016, iniciou-se uma estratégia infame, já totalmente desacreditada, de associar Trump ao governo russo, o que propiciou o começo de uma investigação politicamente motivada e coordenada pelo primeiro escalão do FBI, em conluio com membros da administração Obama, para fabricar provas ou evidências para validar as acusações.
Se não há fatos, como diria Nelson Rodrigues, pior para os fatos.
Como parte do trabalho de futuro assessor de segurança nacional do país, em dezembro de 2016 Flynn teve contatos telefônicos com o embaixador russo na época, Sergei Kislyak. Numa das conversas, grampeadas pelos serviços de inteligência, Flynn diz a Kislyak que o futuro governo Trump, que começaria no mês seguinte, poderia rever as sanções que estavam sendo impostas naquele momento por Obama, um erro que custaria muito caro a um general com trinta anos de serviços prestados ao país e sem nenhuma mancha no currículo.
No mês seguinte, o escritório local do FBI em Washington conclui que não há nada de errado nas relações entre a campanha de Trump e o governo russo e emite um documento interno em que se diz que as investigações seriam encerradas. Então, o primeiro escalão do FBI, nos últimos dias de Obama como presidente, entra em campo e diz que a investigação deve continuar, a despeito da conclusão dos investigadores. Assim, é vazado para a imprensa que Flynn havia conversado com Kislyak em dezembro e que ele tinha sugerido que as sanções aos russos seriam revistas.
Dias depois, o diretor-geral do FBI, James Comey, envia agentes para conversar com Flynn na Casa Branca, onde o general trabalhava como membro do time de transição, num procedimento que o próprio Comey acabou admitindo como completamente fora dos protocolos da instituição. Os agentes deliberadamente induziram Flynn a acreditar que o encontro era somente um procedimento burocrático e de rotina, motivado apenas pelo vazamento de suas conversas com Kislyak para a imprensa — feito provavelmente por eles mesmos para provocar o escândalo e a pressão pública pela manutenção das investigações.
Os agentes do FBI tiveram acesso às transcrições das conversas grampeadas e fizeram perguntas a Flynn com a intenção de que caísse em contradição e se incriminasse, mesmo sem ter ideia de que estava sendo investigado e, naquele momento, interrogado, como ficou provado em documentos internos que só agora estão sendo revelados ao público. Flynn deu respostas imprecisas e omitiu informações na conversa, caindo na armadilha.
Empossado em janeiro de 2017, Flynn caiu depois de menos de um mês no cargo. Seu inferno estava só começando.
Em dezembro daquele mesmo ano, o general foi formalmente acusado de mentir para o FBI e ter falado em nome do país antes de ser oficialmente empossado como assessor de segurança nacional, com base numa lei do século 18 raramente utilizada para fundamentar processos. Flynn é ameaçado pelos procuradores de que será preso, assim como membros de sua família passariam a ser alvo de investigações. Aconselhado por seus advogados, de um escritório com ligações muito próximas a Obama, declarou-se culpado, sendo condenado a cinco anos em liberdade condicional.
Há um ano, todo o circo armado pelo Partido Democrata na investigação do pastel de vento que tentava relacionar a campanha de Trump com o governo russo, depois de consumir centenas de milhões de dólares do contribuinte americano, terminou com a formalização de que tudo não passou de uma armação política fabricada para desgastar Trump. Daí ficou evidente também que toda a perseguição ao general Flynn, com a participação do FBI e do próprio escritório de advocacia, era politicamente motivada, e o ex-assessor de segurança nacional caminha para a tardia mas justa e necessária reabilitação de sua imagem.
Os julgamentos de crimes de bruxaria na pequena Salem, Massachusetts, iniciados em 1692, ficaram no ideário popular norte-americano para sempre. Mais de 200 pessoas se sentaram no banco dos réus e 19 foram consideradas culpadas e enforcadas. O termo “caça às bruxas”, muito usado por Trump, parece cada vez menos exagerado agora que novos detalhes sobre o caso Michael Flynn emergem no noticiário. A vergonhosa atuação do FBI, a Polícia Federal americana, serve de alerta para o que acontece quando o Executivo de qualquer país trata o aparato de segurança do Estado como sua milícia particular.
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Alexandre Borges é podcaster e analista político. Seu canal no YouTube Imprensa Livre teve mais de 2 milhões de views no segundo turno da eleição de 2018. É também analista político e colunista da revista Veja, do jornal Gazeta do Povo e autor contratado da Editora Record. Na Rádio Jovem Pan, foi apresentador do programa 3 em 1, líder de audiência no segmento.
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