O caminho de Clint Eastwood até seus 90 anos, o que acontece agora, foi tortuoso. Da infância errante nos anos da Depressão à figuração em Hollywood. Da oficina de talentos da Universal aos pequenos papéis e desses a um papel central na série “Rahwhide”, em 1959. Não tinha cara de ir muito longe —alto, cabelos cor de areia e tímido, ele mesmo não se via como o tipo certo para o estrelato. A época pedia morenos, mandões, românticos.
Sergio Leone não viu as coisas assim. Com a ida à Itália e “Por um Punhado de Dólares”, de 1964, Clint tornou popular o caubói silencioso e durão, que chega a um lugar mudo e, aventuras depois, vai
embora calado como chegou.
embora calado como chegou.
O sucesso popular chegou aos 34 anos e consagrou o tipo do estranho sem nome em cujo rosto parecia que o sol batia sempre forte. Mas, para todos os efeitos, era ainda um galãzinho do “western spaghetti”, um gênero popularesco, definitivamente menor, de um intruso no Velho Oeste como Leone.
Mesmo o fato de um diretor estabelecido como Don Siegel o escalar em “Meu Nome É Coogan”, de 1968, e depois ao lado de Shirley MacLaine em “Os Abutres Têm Fome” não parecia credenciar o ator a altos voos, haja vista outros trabalhos em filmes menores, como “A Marca da Forca” e “Os Guerreiros Pilantras” ou simplesmente fracassados, como “Os Aventureiros do Ouro”.
O sucesso como Harry, o Sujo, de “Perseguidor Implacável”, de 1971, com o mesmo Siegel, não ajudou em nada o reconhecimento dos méritos, no entanto óbvios, de sua estreia na direção com “Perversa Paixão”, de 1971. Ao contrário, houve uma identificação leviana entre Harry Callahan, o detetive agressivo e capaz de infringir a lei para chegar à justiça, e o ator que fazia o papel.
O que veio depois foi uma sucessão vertiginosa de altos e baixos. “O Estranho Sem Nome”, de 1973, e “Josey Wales, o Fora da Lei”, de 1976, o firmaram no mundo já moribundo do faroeste, enquanto o tipo do tira valentão e com grande senso de dever se firmava em policiais como “Escalado para Morrer” ou “Rota Suicida”. Em contraste, os filmes em que fez o personagem de Philo Bedoe, o caminhoneiro que tinha por companheiro um orangotango, pareciam levar o ator a uma rota, digamos, suicida.
Os anos 1980 mudam tudo. Apesar de filmes menores, “Raposa de Fogo”, de 1982, à frente, “Bronco Billy”, que dirige em 1980, aparece como uma reflexão profunda o bastante para alertar seus críticos. A história do vendedor de calçados de Nova Jersey que decide virar caubói num circo do Velho Oeste é uma reflexão sobre o deslocamento, a passagem do tempo, a liberdade e o faroeste forte o bastante para tornar ao menos perdoáveis suas incursões reacionárias ao mundo da guerra —fria ou não.
E de certa forma já anuncia a fase luminosa que começa com “Bird”, de 1988, segue com “Coração de Caçador”, de 1990, que impressionam mesmo fracassando na bilheteria e se firma de vez com a obra-prima “Os Imperdoáveis”, de 1990.
Clint chegava aos 56 anos em plena maturidade artística, de bem com a Warner, bem-sucedido com sua Malpaso. O que viria daí por diante seria um coleção de obras-primas, algumas incontornáveis, como “Um Mundo Perfeito”, de 1993, “As Pontes de Madison”, de 1995, “Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal”, de 1997, “Sobre Meninos e Lobos”, de 2003, “Menina de Ouro”, de 2004, “Cartas de Iwo Jima” e
“Conquista da Honra”, ambos também de 2004, “Gran Torino”, de 2008, culminando, dez anos depois, com “A Mula”, de 2018, sua última aparição como ator até aqui, e “O Caso Richard Jewell”, do ano passado.
“Conquista da Honra”, ambos também de 2004, “Gran Torino”, de 2008, culminando, dez anos depois, com “A Mula”, de 2018, sua última aparição como ator até aqui, e “O Caso Richard Jewell”, do ano passado.
Num cinema cada vez mais tomado pela rapidez alucinada e quase sempre inconsequente, Clint impôs em todos esses anos um cinema de tempos longos, tensos, envolventes. Num tempo em que os orçamentos explodem, afirmou um cinema econômico. Numa era de “celebridades”, soube evitar os holofotes.
Como o caubói taciturno de seus filmes com Leone, e ao contrário do irascível Harry que criou sua outra face como ator, dirige discretamente, evita atritos, respeita seus atores. Sobretudo, preserva a independência, faz os filmes que quer e, mais do que tudo, sabe o que quer. Não é uma má maneira de chegar aos 90 anos em Hollywood.
Inácio Araujo, Folha de São Paulo