sexta-feira, 10 de abril de 2020

"Em quem confiar agora?", por Vilma Gryzinski


Veículos militares e soldados foram acionados para retirar caixões de cemitério de Bergamo, no norte da Itália, e levá-los para cidades vizinhas durante pandemia de coronavírus - 18/03/2020  Sergio Agazzi.Fotogramma/VEJA

Em que país você preferiria estar agora? 
O primeiro critério, evidentemente, seria a sobrevivência imediata. 
Isso exclui os países que sempre estiveram no topo da lista da maioria das pessoas no tempo em que existiam viagens turísticas. 
Em termos de clima, belezas naturais, patrimônio cultural, comida, vinhos, padrão de vida e atmosfera em geral, não há países melhores que Itália, Espanha e França, os mais visitados e os mais duramente golpeados. 
O início da epidemia na Europa também coincidiu com o fim da temporada de esqui nos idílicos recantos alpinos. 
Uma cidadezinha feita praticamente só de consoantes, Ischgl, na Áustria, tornou-se um dos maiores centros irradiadores da epidemia, não pelo esqui, mas pela ferveção das baladas chiques. 
Um dos motivos para o novo vírus ganhar fama de “doença de rico” foi essa origem elitista. 
O governador do estado mexicano de Puebla, Miguel Barbosa, chegou a dizer: “Se vocês são ricos, correm riscos. Nós, pobres, somos imunes”. 
Se alguém acha impossível bater o recorde de sandices, o México é uma das provas de que existe um estoque inesgotável dessa mercadoria.
É melhor fugir dos ricos e dos doidos? 
A China, onde tudo começou, tem um dos mais baixos índices de mortalidade: dois para cada 1 milhão de habitantes. 
Nesta semana, pela primeira vez, não registrou uma única morte pelo vírus. 
Mas alguém responderia China à pergunta inicial? Dificilmente. 
Um dos principais fatores talvez seja a falta de confiança nas informações das autoridades. 
Confiar nas instituições é um traço cultural que está na lista de duas das mais intrigantes experiências do momento: a da Alemanha e a da Suécia. 
Seguindo o manual da eficiência, a Alemanha está fazendo tudo pelo figurino, com isolamento social, exames em massa propiciados por uma ampla rede de laboratórios e adesão disciplinada da população. 
No meio da semana, tinha um índice de 22 mortes por 1 milhão de habitantes (na Espanha, o pior caso europeu, eram 297; na Itália, 283; na França, 158). 
A Suécia, a exceção que todo mundo quer saber no que vai dar, estava com 59. 
Comparativamente, bem acima dos vizinhos nórdicos como a Noruega (15) e a Dinamarca (35), mas o resultado final só poderá ser visto mais à frente, quando será testada a tese sueca de que é contraprodutivo tentar represar a epidemia de supetão. 
O cientista político dinamarquês Gert Tinggaard credita os números controlados mais à confiança social, medida por uma única pergunta: “De modo geral, você acha que dá para confiar na maioria das pessoas ou que cautela nunca é demais?”. 
Numa escala de 1 a 10, todos os países nórdicos ficaram acima de 6. 
O resultado coincide com o índice de confiança nas instituições. 
A Dinamarca ocupa o primeiro lugar, com 87 pontos de um total de 100. A Alemanha, o nono, com 80 pontos. 
O Brasil, a 106ª posição, com 35 pontos.
A peste viral pôs o planeta num triturador e está chacoalhando tudo. “Espalho a terra como um mapa diante de mim. 
Em nenhum lugar de sua superfície posso colocar o dedo e dizer ‘aqui existe segurança’”, escreveu Mary Shelley em O Último Homem, uma das muitas obras artísticas lembradas agora pelos dons proféticos. 
Mas tem coisas que não mudam.

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