quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Mais gente quer Brexit agora do que na época do referendo

Os britânicos se arrependeram terrivelmente do resultado da votação de 2016, querem uma segunda chance, perceberam que vão se lascar, acham uma loucura perder as vantagens da União Europeia e enfrentar o mundo por conta própria.
O que tem de errado nas afirmações acima?
Bem, certamente muita gente acredita nelas. Ainda mais porque a esmagadora maioria dos influencers acha isso.
A divisão política profunda também produziu um Parlamento cheio de movimentos contraditórios e indecisivos, uma primeira-ministra – Theresa May – despachada para casa e um primeiro-ministro – Boris Johnson – com mãos e pés amarrados.
Sem contar que as manifestações contra o Brexit são muito mais animadas, coloridas e criativas.
O único problema são os fatos. A maior pesquisa sobre o tema desde o referendo mostra que 54% dos britânicos querem que o reino saia de vez.
Isso não significa que todos apoiem o Brexit. Na verdade, o número caiu dois pontos em relação ao resultado da votação, para 50%.
Mas a proporção dos que querem continuar na União Europeia diminuiu mais, para 42%. Uma queda de seis pontos.
A agonia política obviamente pesa. Depois de três anos e três meses, muita gente não aguenta mais.
Já que a coisa tem que acontecer, que aconteça logo, é o raciocínio.
Para que isso se materialize, Boris Johnson tem praticamente até amanhã para dar uma de Houdini e cortar as correntes nas quais foi enrolado pelos grupos parlamentares divergentes.
Se não chegar à reunião de cúpula da União Europeia com um pré-acordo acertado, vai ter que pedir uma prorrogação do prazo, no próximo dia 31.
Provavelmente, também vai ter que pedir o chapéu, de uma maneira ou de outra, já que apostou todo seu futuro político em cumprir a promessa de entregar o Brexit, por bem, via um acordo, ou por mal, através da saída a seco.
É realmente uma operação só para mágicos políticos.
São nada menos do que cinco forças políticas diferentes que precisam concordar com a proposta atual, envolvendo as enormes complicações sobre fronteiras e barreiras comerciais na Irlanda do Norte, o pedacinho de território irlandês integrado ao Reino Unido.
Como sempre, as divergências mais importantes são internas. A corrente contra o Brexit no próprio Partido Conservador é brava e está inconformada com o modus operandi brutal que Boris usou para enfrentá-la.
Imaginem só, o partido do governo envolvido numa briga de foice…
Mas Boris também tem que convencer os eternos rivais da Irlanda do Norte (ainda, e talvez para sempre, divididos entre católicos e protestantes) e até um país independente, a República da Irlanda.
Sem contar os dirigentes da União Europeia, em especial “os que contam”, Alemanha e França, para os quais a Grã-Bretanha precisa ser punida até o fim dos tempos para servir como exemplo de todos os males advindos da decisão impensável, para eles, de cair fora.
A favor de um acordo, pesam as perspectivas altamente negativas de uma saída a seco. O que a Itália faria com os 120 milhões de garrafas de Prosecco que vende por ano aos britânicos? E os 770 mil carros alemães? As exportações francesas de 45 bilhões de dólares?
Como já foi dito, existem ótimos argumentos para continuar na União Europeia e outros tantos para sair dela.
Mas muito poucos para romper na marra, como num divórcio litigioso, em que as duas partes saem machucadas.
Mesmo se fizer malabarismos quase inacreditáveis e chegar amanhã com uma proposta. Boris ainda tem que passar pelo crivo do Parlamento, obviamente.
Será no sábado. A sessão está sendo chamada de Super Sábado.
Para quem gosta de emoções políticas, mesmo depois de três anos de enrolação, é melhor do que o Super Bowl.

Vilma Gryzinski, Veja