Rachado e fragilizado pelas investigações da Lava-Jato contra o seu principal líder, o PT inicia o período pós-impeachment buscando um discurso contundente para se opor ao governo do presidente Michel Temer. Mas a tarefa se torna ainda mais complexa dado o embate interno que tende a se acirrar já nos próximos dias. Enquanto as correntes de esquerda querem a troca imediata da direção, o campo majoritário tenta postergar mudanças. Esses grupos de esquerda têm alertado para o risco de quebra de unidade interna. Existe inclusive a possibilidade de debandada com a criação de um novo partido.
— Pior do que perder o poder, é perder o discurso. Isso é o que mata — resume um parlamentar da ala mais à esquerda da legenda.
Entre os deputados, fala-se em manter denúncia do “golpe” e criticas à agenda do governo Temer, como a reforma da Previdência. Já o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro, voz crítica ao campo majoritário, também acredita que o partido, aliado a outros grupos de esquerda, precisa encontrar uma linha de atuação:
— O discurso tem que ser construído porque ele vai se debruçar sobre um cenário completamente novo.
As discussões sobre como sair dessa encruzilhada serão iniciadas em reunião da Executiva da legenda, sexta-feira, em São Paulo. Com a missão de apaziguar as diferenças, Lula foi convidado para participar do encontro. A esperança é que o principal nome da legenda entre em cena mais uma vez para evitar um racha. No entanto, muitas das decisões do ex-presidente durante o período de derrocada do governo Dilma Rousseff são contestadas internamente. Um dos “erros” atribuídos a Lula foi a ideia de escalar Temer como responsável pela articulação política de Dilma, em abril do ano passado. No posto, o peemedebista e seus aliados tiveram acesso ao mapa de todos os cargos de confiança do governo, que, neste ano, seria usado nas negociações para aprovar o impeachment na Câmara.
Lula também aguardava o final do processo de impeachment para saber como passará a atuar. A ideia de seus auxiliares é separar as atividades políticas do ex-presidente das do instituto que leva o seu nome. Uma das alternativas é o ex-presidente voltar a ter uma sala na sede nacional do PT em São Paulo. A outra é ele montar um escritório político para poder articular a sua candidatura. O martelo deve ser batido nos próximos dias.
Um novo revés para o PT deve acontecer nos próximos meses com a condenação de Lula na Operação Lava-Jato. Petistas acreditam que o ex-presidente não terá chance de defesa em um processo que classificam como político. Se uma eventual condenação do juiz Sérgio Moro for confirmada na segunda instância, Lula seria enquadrado na Lei da Ficha Limpa e a legenda perderia o seu único nome para a disputa eleitoral de 2018.
— O partido não formou outras lideranças porque o Lula não permitiu. Isso foi um erro — lamenta um cacique.
As possibilidades de renovação são escassas. Dentre os poucos nomes que sobreviveram aos escândalos e que se fortaleceram na luta contra o impeachment, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo poderia ser uma opção, mas ele mesmo rechaça.
— Eu já abdiquei de seguir uma carreira política, não vou mais disputar eleições. Já cumpri na política o que gostaria de ter cumprido — disse Cardozo, que depois da quarentena irá trabalhar no escritório de advocacia de Marco Aurélio de Carvalho, especializado em direito empresarial.
Talvez a fase mais importante de adequação do PT na oposição, afirmam dirigentes, seja fazer uma autocrítica profunda, expondo os erros da legenda durante os mais de 13 anos de governo.
— Tem que fazer uma autocrítica, pensar os motivos pelos quais a gente fez as mesmas escolhas políticas que sempre condenamos — contou um petista.
As diferenças internas aparecem na hora de definir o tom da autocrítica. A Mensagem, segunda maior força interna, defende uma reformulação completa da legenda.
— O PT precisa se repensar para continuar. Se houvesse o mínimo de razoabilidade, o PT faria uma grande renovação. Mas não vejo isso no horizonte atual — afirma o ex-ministro Cardozo, da Mensagem.
Mesmo integrantes da CNB, a corrente majoritária que comanda o partido, reconhecem que o PT vai precisar de um “chacoalhão” e de uma grande mudança para esse novo período.
Tarso Genro, um dos principais líderes da Mensagem, é pessimista com relação às mudanças que podem ser implantadas pelo atual campo majoritário, que não promoveu alterações na forma de atuação mesmo depois do mensalão, em 2005.
— A atual hegemonia está cristalizada numa burocracia que foi profundamente inoperante em momentos de crise. São pessoas dedicadas, sérias, nenhuma delas tem qualquer mancha moral, mas viveram uma situação de estabilidade burocrática no partido que não lhes dá autoridade para capitanear uma renovação.
A mensagem tenta arregimentar dissidentes entre os integrantes da CNB para antecipar as eleições internas, previstas para novembro de 2017.
— A primeira coisa que o PT tem que fazer é reestruturar completamente a sua direção. Fazer um exame crítico do que ocorreu na sua relação com o governo Dilma e um exame sobre como setores do PT se deixaram envolver nas práticas tradicionais de financiamento das campanhas. Se o PT não fizer isso, não é que vai acabar, mas vai se tornar apenas mais um partido tradicional — avalia Genro.
Nas últimas semanas, episódios que ampliaram as divisões internas se sucederam. A rejeição do apoio à proposta de Dilma Rousseff de defender um plebiscito sobre novas eleições esquentou o clima na última reunião da Executiva e aumentou queixas de abandono por parte do núcleo mais próximo da presidente.
Para os aliados de Dilma, os dirigentes do PT se dividiram em três comportamentos distintos durante o impeachment: defesa aguerrida por parte de uma minoria; pragmatismo de acreditar que, para a sigla, seria menos danoso que a presidente saísse e que o PT se organizasse na oposição para chegar à eleição de 2018 com chances de retomar o poder; e uma atitude puramente fisiológica, de garantir espaços na máquina sem preocupações com o significado disso para a sobrevida do partido. Entre esses últimos estariam quadros alvejados pela Lava-Jato e que colocaram na conta da presidente a culpa pela amplitude da operação.
A atuação do presidente da legenda, Rui Falcão, foi classificada como “errática” por defensores de Dilma. O PT não garantiu recursos à defesa, que contou com pareceres feitos voluntariamente por advogados. Já Lula teve um comportamento considerado “pendular”, com aproximações e afastamentos.
Falcão negou qualquer afastamento do partido de Dilma e minimizou o risco de ruptura interna.
— Sobre esse risco de ruptura, acho que são mais pronunciamentos de alerta. Mas não creio que qualquer tendência do PT, qualquer militante, esteja disposto a cindir um partido que durante 36 anos foi capaz de conduzir tantas mudanças importantes no país. A experiência anterior da esquerda brasileira, de cisões diante da primeira divergência, nos leva a ter uma pratica de convivência com as diferenças — disse Falcão, no último dia 23, após reunião da Executiva do partido.