A crise econômica, o agravamento da situação fiscal do país e os desdobramentos da Operação Lava-Jato estão balançando o mercado de construção civil — sobretudo na área de infraestrutura — e já resultam em encolhimento do setor. De janeiro a outubro, 125 empresas do segmento tiveram a falência decretada pela Justiça. É mais que o dobro do volume registrado em igual período de 2014, de 60 casos, segundo dados do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (Inre). O alto óbito é consequência de um também robusto aumento no número de corporações que recorreram à recuperação judicial, numa tentativa de reestruturar o negócio e preservar as operações em meio à turbulência da economia. No total, 304 empresas de construção civil pediram proteção à Justiça, contra 165 nos primeiros dez meses do ano passado, um salto de 84%.
— A situação econômica crítica do país tem levado a muitos pedidos de recuperação judicial. A paralisação de grandes obras e a falta de financiamento no mercado financeiro fazem com que as grandes empreiteiras entrem com o pedido de recuperação — diz Carlos Henrique Abrão, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que também é conselheiro e fundador do Inre. — Isso causa um efeito boliche. Sem pagar os fornecedores, geralmente empresas menores, estes entram em situação falimentar.
O que se vê hoje, argumenta Abrão, é a falência de um maior número de empresas menores. E, segundo ele, “ainda não há luz no fim do túnel.”
A fatia de empresas do setor de construção pedindo proteção judicial ou em falência é bem superior à média da economia como um todo. De janeiro a outubro, o número de falências cresceu 17%. Em pedidos de recuperação judicial, o aumento foi de 40,6%, segundo a Boa Vista SCPC. A companhia de serviço de proteção ao crédito argumenta que a crise econômica e os custos elevados dificultam a geração de caixa, comprometendo a solvência das empresas. Sem perspectiva de mudança a curto prazo, a Boa Vista SCPC prevê que os indicadores de falências continuarão em alta, podendo apresentar este ano o maior crescimento da série, iniciada em 2005.
É consenso entre especialistas, dirigentes de classe e empresários que a parada no setor de infraestrutura e os atrasos e cortes de pagamentos feitos pelo governo são a principal ameaça à saúde financeira das companhias de construção. Também a Lava-Jato, que compromete as maiores corporações do setor no país, tem forte impacto na diminuição do volume de investimentos, projetos e negócios na área.
— Com os grandes desse mercado fora de combate devido à Lava-Jato, o freio em investimento vem em cascata. Trava o processo de concessões e cria também um problema de compliance, afugentando investidores estrangeiros — conta uma fonte do setor. — Não existe um plano “B”. As empresas vão reduzindo custos e equipes para atravessar a crise. Com isso, muitas vão desaparecer.
Grandes empresas como OAS e Galvão Engenharia, investigadas pela Lava-Jato, entraram em recuperação judicial. Mas isso também ocorreu com outras que nada têm a ver com a operação da Polícia Federal.
A advogada Juliana Bumachar, especializada em recuperação de empresas, admite uma alta significativa nas consultas feitas ao escritório por companhias que avaliam pedir proteção à Justiça.
— O que se vê agora são empresas que, pelo comprometimento de caixa, já não são mais elegíveis a um processo de recuperação judicial — diz Juliana. — A recuperação pressupõe que a empresa possa manter sua atividade de forma a ter recursos para honrar gastos regulares e o cumprimento do plano de reestruturação. Do contrário, melhor liquidar ativos.
Impacto em credibilidade e crédito
A especialista avalia que mais empresas vão engrossar as estatísticas de pedidos de proteção judicial:
— Há empresas de diversas áreas tentando vender ativos para escapar ou fazer frente a uma recuperação judicial. Mas o mercado está difícil para quem compra ou vende ativos. A insegurança econômica e jurídica travou a atuação dos investidores nacionais e estrangeiros.
Para recorrer à recuperação, as empresas precisam ter condições de operar com um mínimo de saúde financeira, diz Luís Claudio Montoro, especialista em recuperação judicial do Insper:
— A recuperação judicial foca em proteger a atividade empresarial. Tal e qual um remédio, ela ataca a parte ruim, que é a crise, mas afeta também a parte boa. Há impacto em credibilidade, acesso a crédito e investimento, levando à queda em participação de mercado.
Para Montoro, 2016 será um ano de postura conservadora para os empresários, que devem avaliar inclusive a viabilidade da atividade foco de seus negócios:
— Tem empresas perdendo o prazo para buscar uma negociação saudável com seus fornecedores porque estão tentando sucessivas alternativas, sem resultado. O empresário deve estar atento.
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), minimiza o efeito da Lava-Jato e diz que empresas de pequeno e médio porte atravessam problemas, principalmente, por falta de pagamento:
— Quem entrou em recuperação é porque deixou de ter receita. Não há como não receber e manter o fluxo de caixa tendo de arcar com pagamento de impostos, salários e outros compromissos, sem contar a alta do juro e o crédito mais restrito.
Efeito cascata no setor imobiliário
O Rio Grande do Sul é um dos estados que mais sofre com problemas de pagamentos no segmento de construção de estradas e pavimentação. Dentre as 80 empresas gaúchas que atuam na área de rodovias e infraestrutura, 15 entraram em recuperação judicial este ano, conta Ricardo Portella, presidente do Sindicato da Construção Pesada do Rio Grande Sul (Sicepot-RS):
— O governo do estado está numa situação falimentar, com dívidas ainda de 2014 a pagar. Os contratos com o governo federal, principalmente com o Dnit, estão com pagamentos atrasados em até 120 dias. Não há como operar com juro alto, insumos mais caros e sem caixa.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) soma hoje perto de R$ 2,5 bilhões em valores a pagar. Em nota, o órgão informou que parte desta soma será quitada em dezembro. E ressaltou que os pagamentos são efetuados de acordo com a disponibilidade de recursos oriundos do Tesouro Nacional.
No mercado imobiliário, a situação não é diferente. Olivar Vitale, conselheiro jurídico do Sinduscon-SP, conta que o caixa das construtoras vem sofrendo com a alta dos juros no financiamento à produção, que já alcançam 12% ao ano, quase o dobro do praticado entre 2006 e 2013.
Em muitos casos, para evitar a retomada dos empreendimentos pelos bancos por falta de pagamento dos financiamentos, as construtoras pedem recuperação judicial, conta o presidente da Corporate Consulting, Luís Alberto Paiva. Isso, explica ele, afeta toda a cadeia:
— Os fornecedores menores pedem falência direto. Acredito que essa situação difícil deve durar por mais três anos.