segunda-feira, 30 de novembro de 2015

"Nada é por acaso", por Paulo Guedes

O Globo


O turbilhão dos eventos, as gravações, as prisões e o caos aparente revelam, na verdade, uma nova ordem intelegível e benigna em formação


A semana marcou extraordinário êxito dos senadores que se esforçam pela construção de uma Grande Sociedade Aberta em terras brasileiras. A velha política foi fragorosamente derrotada apesar do desavergonhado e constrangedor empenho de seus notórios representantes. As práticas fisiológicas do Legislativo e as tentativas de abafamento das investigações e de influência sobre os julgamentos no Judiciário são a essência dessa velha política. A imunidade parlamentar para proteção da opinião política não poderia ser confundida com a impunidade parlamentar para a obstrução da Justiça.

O turbilhão dos eventos, as gravações, as prisões e o caos aparente revelam, na verdade, uma nova ordem inteligível e benigna em formação. “Não é o acaso que domina o mundo”, registrava Montesquieu em suas “Considerações sobre as causas da grandeza e da decadência dos romanos” (1734). “Os acidentes do acaso acontecem. Mas não é possível evitar fatos que nascem continuamente da natureza das coisas”, alertava o filósofo em “O espírito das leis” (1748).

Em busca da inteligibilidade dos fatos em meio ao caos, o formidável Raymond Aron formula, em “As etapas do pensamento sociológico” (1967), o princípio subjacente às duas citações de Montesquieu: “É importante captar, por trás da sequência aparentemente acidental dos acontecimentos, as causas profundas que os explicam.”

O despertar do Poder Judiciário anuncia novos tempos. O julgamento da História se debruça ante o acúmulo de evidências de corrupção sistêmica. A velha ordem teme as prisões e recua em fuga rumo às sombras. Ergue-se à frente de suas práticas degeneradas a dinâmica de comunicações de uma sociedade aberta em evolução. O fisiologismo dos parlamentares e a cumplicidade do Judiciário tornam-se apostas anacrônicas contra o inevitável aperfeiçoamento de nossas instituições. Ignoram a voz das ruas.

Após décadas de escândalos e roubalheira, a opinião pública já tem a desconcertante percepção de que o establishment trabalha pela impunidade. Mas a vigilância da mídia, a informação em tempo real nas redes sociais e o fervor republicano de uma democracia de massa reforçam um novo Poder Judiciário, consciente de sua independência e suas responsabilidades em busca de nosso aperfeiçoamento institucional.