O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, lamenta que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) tenha tentado envolver os ministros da Corte em supostos favorecimentos ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. “Temos um Poder Judiciário respeitável. Não é um tapinha nas costas que vai alterar qualquer coisa”, afirmou. No último dia 10, Toffoli recebeu Delcídio em seu gabinete no Tribunal Superior Eleitoral, mas garante que nada foi dito sobre a Lava-Jato.
Como foi o dia anterior à prisão do senador Delcídio Amaral?
O senhor concordou de pronto com a prisão?
Mostrando as provas, não havia como ter divergência.
O senhor ouviu as gravações?
Eu li, já tinham algumas transcritas, e ele relatou a questão. Por volta de cinco horas, depois da sessão, fomos todos ao gabinete dele, e ele, então, explicou tudo para os quatro colegas: o Celso de Mello, o Gilmar Mendes, a Cármen Lúcia e eu.
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Qual foi a reação dos ministros?
De choque, de tristeza. É uma situação inimaginável, de uma desfaçatez inimaginável. Não quero aqui fazer nenhum prejulgamento, mas é grave você se intrometer a atrapalhar uma investigação, e foi o que ocorreu.
O que foi discutido na reunião no gabinete do ministro Teori?
Discutimos o caso e chegamos à conclusão de que era caso de flagrância. Depois, chegamos à conclusão de que era realmente o caso de prisão. Discutimos se íamos fazer uma sessão no mesmo dia. Mas a sessão seria aberta e, se fosse no mesmo dia, o caso se tornaria público e poderia prejudicar as diligências, inclusive a prisão. Então o ministro Teori sugeriu fazer uma decisão ad referendum (decisão sujeita à aprovação posterior). E eu disse que, no dia seguinte cedo, faríamos uma sessão extraordinária (para referendar a decisão), quando as diligências já estivessem cumpridas.
Qual ponto impressionou mais os ministros do STF?
Impactou o fato de que o (banqueiro) André Esteves tinha um rascunho com as anotações pessoais de Cerveró sobre o que ele falaria na delação premiada. Ou seja, ele teve acesso à cela onde está o Cerveró. Isso é uma intimidação para a Justiça. Como ressaltou o procurador-geral da República, esse tipo de vazamento tem que ser apurado.
Como o senhor avalia o fato de Delcídio ter planejado a fuga de Cerveró?
Hoje está demonstrado que ninguém consegue fugir. O mundo hoje é muito pequeno. O PC Farias (ex-tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor) tentou fugir e foi capturado. O mesmo aconteceu com o (ex-banqueiro Salvatore) Cacciola e o (médico Roger) Abdelmassih. E agora, o (ex-diretor do Banco do Brasil Henrique) Pizzolato foi capturado, mesmo estando em um país no qual ele tinha a nacionalidade. As pessoas que imaginam que é possível fugir para se furtar ao cumprimento de uma prisão estão equivocadas.
O senhor não acha estranho que Delcídio mantenha o mandato estando preso?
Como a prisão é cautelar, ele não perde os direitos políticos. É uma situação muito constrangedora. Mas o Judiciário não age por conta própria. Tem que haver um pedido para examinarmos o caso.
A decisão do Senado de referendar a prisão surpreendeu o STF?
Qualquer decisão estaria dentro da competência constitucional do Senado. Não me cabe fazer juízo de valor sobre essa decisão. Pela Constituição, a decisão do Senado é política, de avaliar se seria uma prisão abusiva ou não. E o Senado, pelo resultado, entendeu que era justificada a prisão.
É a primeira vez que o STF manda prender em flagrante um parlamentar no exercício do mandato. Isso demonstra maior vontade do tribunal de punir poderosos?
Criou-se uma lenda urbana de que, no passado, não se julgava nem políticos, nem pessoas poderosas no Brasil. Isso é uma falácia. É que, antes, os parlamentares tinham uma imunidade formal. Para serem processados, era preciso ter a autorização da Câmara ou do Senado. Foi a Emenda Constitucional 35, de dezembro de 2001, que autorizou o andamento desses processos. Então, de lá para cá é que o Supremo pode investigar e julgar esses casos. Isso tem que ficar muito claro. Quero fazer uma defesa da história do Supremo. Não existe um Supremo do passado, que não julgava, e um do presente, que é melhor. Era um bloqueio constitucional que impedia essas investigações.
Em 1999, o então deputado Remi Trinta foi preso em flagrante por racismo. Depois, a Câmara o liberou da prisão. Agora, o senador Delcídio Amaral foi preso e não foi liberado por seus pares. O senhor enxerga nisso uma evolução do Parlamento?
Eu não vou fazer juízo de valor. A decisão do Parlamento é soberana em relação a relaxar ou não o flagrante. Se foi a melhor decisão política ou não, quem tem que avaliar é a sociedade.
O Senado cogitou tomar a decisão por voto secreto. Depois, votou-se pelo voto aberto. O senhor concorda com essa medida?
Sem fazer juízo de valor, eu sempre acho a transparência extremamente positiva, saber quem votou e de que forma.
Na sessão da Segunda Turma, que referendou as prisões, ficou clara a indignação dos ministros diante das declarações de Delcídio de que teria acesso aos ministros do STF e poderia garantir um habeas corpus a Cerveró. Qual a sua avaliação?
Todos nós estamos sujeitos a isso. Eu, por exemplo, recebo advogados, recebo partes, recebo parlamentares. Faz parte da convivência. É bom lembrar também que o juiz do interior convive com réus em uma cidade pequena. Ele pode ir a uma cerimônia religiosa, e o padre ou o pastor ter algum problema com a Justiça. Ou ele vai à padaria, e o padeiro está sendo despejado e tem uma ação com ele. O importante é saber que o juiz é formado e talhado para ouvir pedidos. Tanto quem entra com uma ação, quanto quem responde a uma ação pede algo ao juiz. E o juiz decide de acordo com o ordenamento jurídico.
Mas há diferença entre fazer um pedido e contar vantagem por ter influência sobre os ministros...
Esse é o ônus do cargo, infelizmente. É triste ver isso. É isso que choca. O ministro Teori, o ministro Gilmar e eu não conversamos com a pessoa sobre esse tema. Nunca o senador Delcídio abordou eventual habeas corpus comigo. Mas nas gravações ele falava: “olha, possivelmente vamos conseguir”.
Mas pode virar um problema se o habeas corpus for concedido, porque as pessoas poderiam ter dúvida sobre a conduta dos ministros.
Pode criar um constrangimento, porque pode ficar a ideia de que houve ali algo errado, quando não houve. Mas um juiz não pode se intimidar com isso. Não pode haver constrangimento em decidir de acordo com a lei quando é para se conceder um habeas corpus.
Como o senhor classifica a atitude de alguém que garante que o STF vai tomar determinada decisão?
Isso acontece com todos nós. Acontece com juiz de primeira instância, de tribunal de Justiça, de tribunal regional, de tribunais superiores. Nós temos que mudar nossa cultura, tem que acabar com isso. Temos um Poder Judiciário extremamente respeitável. Não é um tapinha nas costas que vai alterar qualquer coisa. A vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade dos vencimentos são a garantia da independência do juiz. Mas, infelizmente, existem vendilhões do templo.
Eu verifiquei que o senhor recebeu o senador Delcídio em audiência no dia 10. Os senhores conversaram sobre algum assunto da Lava-Jato?
Não. Ele não comentou nada sobre esse caso. Ele tratou de um caso de vereadores que estavam sendo cassados no Mato Grosso do Sul e veio com o advogado do caso. Parece que eles perderam a ação depois. Eu divulgo a minha agenda na internet. Outros ministros também divulgam. Às vezes a pessoa pede agenda, você coloca lá, e a pessoa sai dizendo: “eu estive lá e falei isso com o ministro”, mas não está falando a verdade.
O senhor já pensou em gravar essas conversas, para se proteger de acusações depois?
Não, porque a gente tem que partir da boa-fé das pessoas, e não de que elas vão mentir depois.
Nas audiência que concede a parlamentares e advogados em seu gabinete o senhor já ouviu algum pedido com conotação espúria?
Não, nunca. Muitos encontros que tenho com parlamentares são para falar de projetos de lei. Nós tivemos uma interface muito grande agora a respeito das reformas políticas, com senadores e deputados. E muitas vezes nós temos reuniões com parlamentares que são investigados no STF. Só que eles estão no exercício do mandato, têm o voto popular e não estão condenados. Não é porque tem uma investigação que eu, como presidente do TSE, vou deixar de dialogar sobre a reforma política, sobre as necessidades da Justiça Eleitoral, sobre o sistema eleitoral. Nessas conversas, por exemplo, eu defendi a necessidade de diminuição do prazo das campanhas, e a reforma política foi aprovada com esse conteúdo.
Há 35 parlamentares e um ministro investigados no STF por conta da Lava-Jato, incluindo o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o da Câmara, Eduardo Cunha. Isso dificulta o diálogo institucional?
O país não pode parar. Temos agora discussão a respeito da lei orçamentária. O Judiciário encaminha, através da presidência do STF, o plano de orçamento do Judiciário, e, obviamente, há diálogos sobre o orçamento da União. Mas isso não inviabiliza que, se houver prova concreta e necessidade de se condenar, que se condene. Quantos parlamentares já não foram condenados pelo STF? Foram vários. Isso não altera a necessidade do diálogo institucional.
Os políticos investigados na Lava-Jato procuraram o senhor para falar dos inquéritos?
Nunca para falar diretamente da Lava-Jato. Falamos de outros assuntos. Por exemplo, da reforma política. Não se pode deixar de ter diálogo.
Não há constrangimento em falar com um investigado do STF, mesmo que seja sobre outro assunto?
Eles são respeitosos. Nunca tive nenhuma dificuldade de relacionamento com eles.