sexta-feira, 25 de abril de 2025

'Tempo (rei) é dinheiro', por Guilherme Fiuza

Se Gilberto Gil e sus plateias não se importam com esse bailado soturno entre verbas públicas e interesses particulares, o TCU deveria se importar


Gilberto Gil e Margareth Menezes, ministra da Cultura | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Um relatório preliminar do Tribunal de Contas da União apontou práticas do governo federal que são “nocivas à integridade e à sustentabilidade do regime fiscal brasileiro”. São mecanismos, segundo o TCU, que “contornam as regras fiscais” e dispõem do dinheiro público sem a devida observância das normas de controle orçamentário.

Essa análise ainda está em processo, mas seria interessante os técnicos aproveitarem para verificar alguns episódios bem visíveis de aplicação do dinheiro público com critérios duvidosos — como tem sido o caso dos Correios. Recentemente foi noticiado que a estatal, em meio à crise, gastou R$ 38 milhões em patrocínios. 

Desse total, R$ 6 milhões foram apenas para exibir sua marca no festival Lollapalooza. Outros R$ 4 milhões foram para a turnê Tempo Rei, de Gilberto Gil. O noticiário também dá conta de que a empresa registra um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões em 2025. 


Os Correios investiram R$ 4 milhões na turnê Tempo Rei, de Gilberto Gil | Foto: Divulgação 

Aí surgiu a notícia de que a rede hospitalar suspendeu atendimentos pelo plano dos Correios, por falta de pagamentos. “Um calote 25/04/2025, 12:16 Tempo (rei) é dinheiro - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-266/tempo-rei-e-dinheiro/ 2/6 milionário”, estampou a Veja em manchete. 

A que ministério os Correios estão subordinados? Ao Ministério das Comunicações, onde denúncias de corrupção levaram à demissão do titular, Juscelino Filho. Desde 2023 surgiam na imprensa notícias pouco abonadoras sobre Juscelino. Numa delas, constatava-se que o ministro dera um cargo na diretoria dos Correios a um afilhado do senador que empregara no Congresso um sócio de Juscelino. 

Em meio à crise da demissão do ministro das Comunicações, o TCU recebeu de parlamentares um pedido de investigação dos critérios para aprovação dos R$ 4 milhões para a turnê de Gilberto Gil — patrocínio direto, sem o mecanismo das leis de incentivo. O cantor é um dos conhecidos apoiadores incondicionais de Lula — desses que mantiveram o endosso, mesmo no auge da Lava Jato. 

Vale lembrar que Lula tirou os Correios do programa de privatizações — que vinha saneando a empresa para passagem à iniciativa privada — e incumbiu Juscelino Filho da tarefa de “melhorar a imagem” da empresa. Os Correios passaram do azul para o vermelho, “melhorando a imagem” com patrocínios milionários a aliados políticos do presidente. E o ministro terminou denunciado pela ProcuradoriaGeral da República por desvio de emendas parlamentares e organização criminosa. 


Ministro Juscelino Filho, na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) - Foto: Joédson Alves/Agência Brasil 

Se Gilberto Gil e suas plateias não se importam com esse bailado soturno entre verbas públicas e interesses particulares, o TCU deveria se importar. Nessa festa, alguém tem que tomar as dores do contribuinte — especialmente os que ficaram sem atendimento de saúde por causa do calote dos Correios. “Gente estúpida, gente hipócrita”, diria o poeta.

Guilherme Fiuza - Revista Oeste