domingo, 13 de abril de 2025
J.R. Guzzo - O farsante juiz Lord Wickfield deve ser melhor que os ministros do STF
Ele não perdoou multas de R$ 20 bi de empresários corruptos, nem anulou suas confissões de culpa. Não condenou a 14 anos de prisão a 'cabeleireira golpista” do batom'
De infâmia em infâmia, o sistema judicial brasileiro construiu nos últimos anos o que a violação serial, sistêmica e mal-intencionada da lei sempre acaba construindo nos regimes totalitários: a cessação dos serviços de fornecimento de justiça por parte do Estado. Mas o Brasil, sendo o Bananistão que geralmente é, foi além disso. Não só privatizou o Poder Judiciário em favor dos magistrados e suas facções políticas. Reinventou-se como uma palhaçada geral.
Nada poderia atestar de forma tão óbvia a comédia a que foi reduzido o Judiciário brasileiro do que a prodigiosa história do juiz de São Paulo que passou no concurso público para a magistratura, deu sentenças durante 30 anos e se aposentou no cargo (salários de fevereiro último: R$ 166 mil) usando, o tempo todo, um nome falso. Na Justiça paulista ele sempre foi o doutor Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, e é nesse nome que estão registrados os milhares de despachos que deu. Na vida real é apenas o José dos Reis, de Águas da Prata.
Agora, com a descoberta da fraude, Lord Wickfield sai dos sagrados anais da Justiça paulista. Em seu lugar, entra o doutor Zé. Sinceramente: dá para levar a sério um sistema que, além das “audiências de custódia”, do flagrante perpétuo do ministro Moraes e da “saidinha” para criminosos, faz o papel de palhaço para um juiz? Nada menos que um juiz, que falsifica o seu próprio nome durante 30 anos — e só foi pego por um descuido que ele mesmo praticou junto aos serviços policiais de identificação?
Por que o juiz que não existe é melhor que os ministros do STF O pior são as perguntas que se poderia fazer em seguida. Tudo bem. O doutor Zé não pode assinar sentenças com o nome de doutor Wickfield. Mas, num plano ideológico-inclusivo, digamos, porque raios ele não teria o direito de se identificar com um barão inglês — se tantos cidadãos que se chamam Sebastião, por exemplo, têm o direito de se identificarem como Jéssica?
O próprio STF, aliás, parece decidido a discutir seriamente se as palavras “pai” e “mãe” devem ou não continuar a aparecer nas certidões de nascimento. A Unicamp acaba de criar cotas para quem se identifica como transgênero.
Mais que tudo, a realidade mostra que o juiz em questão, goste-se ou não dele, foi aprovado limpamente no concurso para a carreira — enquanto o ministro Dias Toffoli levou pau duas vezes seguidas e está no Supremo há 16 anos.
Não perdoou multas de R$ 20 bilhões de empresários corruptos, nem anulou suas confissões de culpa. Não condenou a 14 anos de prisão a “cabeleireira golpista” do batom. Sua mulher não defendeu causas julgadas por ele. Talvez o juiz que não existe seja melhor do que os juízes que existem.
Artigo publicado originalmente no O Estado de São Paulo
J.R. Guzzo - Revista Oeste
Bolsa Família: 7 milhões recebem o benefício há pelo menos 10 anos
O Nordeste - região mais miserável do Brasil e dominada pela quadrilha do Lula-PT - lidera o ranking da dependência de longo prazo, com quase 40% das famílias beneficiárias nessa situação
Dos mais de 20 milhões de famílias inscritas no Bolsa Família em fevereiro de 2025, cerca de 7 milhões recebem o benefício há pelo menos dez anos — o que representa quase 35% do total. O levantamento, divulgado neste domingo, 13, é do site Poder360.
A disparidade regional é marcante. O Nordeste lidera o ranking da dependência de longo prazo, com 38,8% das famílias beneficiárias nessa situação — o equivalente a 3,7 milhões de lares. Na sequência, aparecem o Norte (33,7%), Sul (29,5%), Sudeste (29,1%) e CentroOeste (26,9%).
No recorte estadual, o destaque negativo é Alagoas, onde 42,7% dos inscritos recebem o benefício há pelo menos uma década. Outros quatro Estados nordestinos — Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Maranhão — também ultrapassam os 40% nesse critério.
Já o Distrito Federal, com apenas 3,1% dos beneficiários em situação de dependência longa, apresenta o menor índice nacional, possivelmente reflexo de uma economia local mais robusta.
O paradoxo da assistência: proteção ou acomodação?
Embora o governo federal alegue que a legislação não define limite de tempo para permanência no programa, há iniciativas voltadas à transição dos beneficiários para fora do Bolsa Família, como a chamada “Regra de Proteção” — um mecanismo que permite a manutenção parcial do auxílio por até 24 meses depois do aumento de renda da família.
Contudo, os dados sugerem que esse tipo de política tem sido insuficiente para romper o ciclo de pobreza de milhões de brasileiros.
“A partir de 2022, não apenas aumentou o valor do Bolsa Família como cresceu o número de beneficiados”, observa Rodolpho Tobler, pesquisador do Ibre-FGV, responsável pela Sondagem do Mercado de Trabalho. “Não faz sentido para uma pessoa sair de casa para trabalhar oito horas por dia e ganhar um salário mínimo que, tirando impostos e descontos, é apenas um pouco a mais do que obtém do governo sem fazer esforço.”
Em reportagem publicada na edição 261 da Revista Oeste, o repórter Carlos Cauti mostra como a acomodação de parte considerável da força de trabalho e a predileção por empregos informais - como bicos ou trabalhos informais - em que não há incentivo para melhorar a qualificação - reduzem a capacidade de geração de riqueza no sistema econômico como um todo
“Essa situação também drena recursos dos cofres públicos e não contribui em nada para a arrecadação de Imposto de Renda e Previdência”, observa Cauti. “Por causa do excesso de programas sociais, o Brasil está se tornando mais pobre, menos produtivo e mais atrasado'.
Os recordes do Bolsa Família
A análise por municípios expõe outro dado alarmanete: 576 cidades brasileiras têm metade ou mais de seus beneficiários no programa há dez anos ou mais, o que representa 10,3% do total de municípios do país. Em 2.687 cidades, esse percentual é de 40% ou mais. Em contrapartida, apenas 574 municípios apresentam menos de 10% dos beneficiários nessa condição.
'O custo para o Brasil é gigantesco', explica do economista Gilberto Braga, professor no Ibemec RJ.
É preciso começas a analisar qual é o retorno desses gastos para o país no médio e longo prazo. Está cada vez mais claro que esses programas têm um custo relativo grande. No mínimo está na hora de aperfeiçoá-los'.
Com informações do Poder 360 e Revista Oeste
sábado, 12 de abril de 2025
Trump isenta celulares e computadores de alta nas tarifas
Iniciativa, ainda que provisória, trouxe alívio a gigantes da tecnologia como Apple e Samsung
O governo do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos (EUA) decidiu não taxar smartphones, computadores e outros eletrônicos com as tarifas “recíprocas”. Isto pode suavizar o impacto para os consumidores e beneficiar gigantes da tecnologia como Apple e Samsung, informa a Bloomberg.
Em Nova York, clientes da Apple até correram para as lojas, com o receio do aumento de preços.
A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA publicou isenções, nas quais restringe o alcance das tarifas. A entidade, assim, deixou de fora esses produtos da tarifa de 125% aplicada à China e da tarifa global básica de 10%, em que o Brasil está incluído.
A dispensa vale para smartphones, laptops, discos rígidos, processadores e chips de memória. Tais produtos geralmente não são fabricados nos EUA, e a produção doméstica levaria anos.
Contudo, esse alívio tarifário não é permanente. As isenções vieram de uma diretriz inicial que impedia a sobreposição de tarifas adicionais a setores específicos. Adicionalmente, equipamentos utilizados na fabricação de semicondutores também foram excluídos das novas tarifas de Trump.
Tal iniciativa foi importante para a Taiwan Semiconductor, que anunciou um investimento significativo nos EUA, assim como para outros fabricantes de chips.
O fato de a isenção ser temporária é um indicativo de que os produtos poderão ser alvo de outra tarifa futuramente, embora quase certamente uma taxa mais baixa para a China. Trump prometeu aplicar uma tarifa específica para os semicondutores.
As tarifas setoriais de Trump, até agora, estão em 25%, embora não esteja claro qual será a alíquota aplicada aos semicondutores e produtos relacionados. A Casa Branca não respondeu a pedidos de comentários feitos pela Bloomberg.
Revista Oeste
Facção companheira do STF cancela multas da Receita Federal contra atores da globolixo
A medida foi apoiada pelos ministros Dias Toffoli, André Mendonça, Gilmar Mendes e Nunes Marques; apenas Edson Fachin votou contra o pedido
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu cancelar as multas aplicadas pela Receita Federal contra atores da globolixo, incluindo Deborah Secco, Reynaldo Gianecchini, Mateus Solano e Eliane Giardini.
As penalidades foram decorrentes do recebimento de salários como pessoas jurídicas. A decisão também resultou na liberação de bens bloqueados durante o governo de Jair Bolsonaro, sendo tomada no ambiente virtual do STF.
No julgamento, o ministro Edson Fachin votou contra o pedido, enquanto os ministros Dias Toffoli, André Mendonça, Gilmar Mendes e Nunes Marques apoiaram a anulação das sanções.
O processo permanece sob sigilo.
O advogado tributarista Leonardo Antonelli, que representa alguns dos artistas afetados, está considerando buscar compensação financeira da União pelos danos e despesas legais enfrentados por seus clientes devido às autuações fiscais.
Sob o ex-presidiário Lula, globolixo recebe R$ 300 milhões dos pagadores de impostos
A decisão do STF não é a única que tem favorecido artistas da Globo. A relação financeira entre o governo Lula e a emissora continua crescendo.
Somando 2023 e 2024, a gestão atual já repassou mais de R$ 300 milhões à emissora, segundo dados da Secretaria de Comunicação Social (Secom). Até o início de janeiro, o valor era de R$ 278 milhões.
Esses recursos são públicos — ou seja, saem do bolso dos contribuintes — e são destinados à divulgação de campanhas do governo, como as de vacinação.
A maior parte do dinheiro foi para a TV aberta: R$ 288 milhões entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024.
Em seguida, vêm os repasses para internet (R$ 11 milhões), TV fechada (R$ 9 milhões), rádio (R$ 8 milhões), jornal (R$ 1 milhão) e revista (menos de R$ 300 mil).
Com esse total, o governo Lula já ultrapassou os gastos de toda a gestão Bolsonaro com publicidade na globolixo, que somaram R$ 280 milhões em quatro anos.
Com informações da Revista Oeste
Bolsonaro deve passar por nova cirurgia
Ex-presidente voltou a sentir fortes dores no abdômen, fruto das sequelas do atentado que sofreu em 2018
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deverá passar por uma cirurgia, neste domingo, 23, por causa de um agravamento do quadro de obstrução intestinal. O ex-chefe do Executivo foi internado na sexta-feira 11, no Hospital Rio Grande, em Natal, depois de sentir fortes dores durante um evento.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro decidiu transferi-lo para Brasília em uma unidade de terapia intensiva aérea. A chegada ao Hospital DF Star está prevista para as 22h15 deste sábado, 12.
Desde o atentado que sofreu em 2018, quando levou uma facada do ex-militante do Psol Adélio Bispo, Bolsonaro já passou por cinco cirurgias. Isso resultou em sequelas, como a atual obstrução intestinal.
O ex-presidente Jair Bolsonaro precisou ser hospitalizado, na manhã desta sexta-feira, 11, em razão de fortes dores abdominais. Isso é fruto da tentativa de assassinato que o ex-chefe do Executivo sofreu, em 2018, pelo ex-militante do Psol Adélio Bispo. O vídeo abaixo mostra o Mostrar mais
Bolsonaro comentou a possível ida a Brasília
Claudio Birolini, especialista em reconstrução abdominal do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, chegou a ser consultado para liderar uma possível cirurgia. Gilson Machado, exministro que estava com Bolsonaro quando o ex-presidente passou mal no interior do Rio Grande do Norte, envolveu Birolini na equipe médica.
Em um vídeo gravado no leito hospitalar em Natal, Bolsonaro mencionou a transferência para Brasília para continuar o tratamento e a possibilidade de intervenção cirúrgica. O ex-ministro e atual senador Rogério Marinho (PL-RN), que acompanha de perto o estado de saúde do ex-presidente, comentou que Bolsonaro estava “bem, lúcido, estável, tranquilo”.
Revista Oeste
Arrecadação de impostos do governo federal ultrapassa R$ 1,1 trilhão em 2025 - Imaginem o que faz o 'cartel lula-stf-globolixo' com toda essa grana à mão?
O Estado de São Paulo representa 37,3% de todo o valor
De acordo com o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a arrecadação de impostos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva superou o valor de R$ 1,1 trilhão. Semanalmente, Oeste atualiza quanto de dinheiro foi recolhido pela administração federal.
1,506 followers View profile 228 likes oeste.negocios IMPOSTÔMETRO | 11 de abril de 2025 💰 Confira a quantia arrecadada pelo governo federal, em 2025, até o dia 11 de abril. ASSISTA Oeste Negócios toda segunda-feira, às 20h30, no canal da Revista Oeste no YouTube. #jornalismo #economia #impostos #governo View all 5 comments Add a comment...
Na soma, a associação paulista leva em consideração inúmeros impostos federais. Veja a lista:
1. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide);
2. Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
3. Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF);
4. Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL);
5. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
6. Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf);
7. Imposto de Exportação (IE);
8. Imposto de Importação (II);
9. Imposto sobre Operações Financeiras (IOF);
10. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
11. Imposto de Renda (IR);
12. Imposto Territorial Rural (ITR);
13. Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep);
14. Previdência;
15. Taxas; e
16. Outros.
No ano de 2024, o brasileiro precisou trabalhar cerca de 150 dias para quitar todos os impostos com o Estado. Esse tempo corresponde a mais de 40% de um ano (365 dias).
A unidade federativa responsável por arrecadar mais dinheiro no país é São Paulo, com 37,3% do total, seguido pelo Rio de Janeiro (13,7%) e por Minas Gerais (7%).
Com o valor arrecadado pelo governo federal até o momento, seria possível comprar 2,6 bilhões de cestas básicas. Em notas de R$ 100, essa quantia demandaria 375 containers de 20 pés para serem carregados.
Além disso a cifra renderia 10,1 milhões de anos.
Saiba como funciona a contagem de impostos da ACSP
A base de dados utilizados pela ACSP é da Receita Federal do Brasil, da ZSecretaria do Tesouro Nacional, da Caixa Econômica Federal, do Tribunal de Contas da União e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Revista Oeste
'Nós — A distopia que há mais de 100 anos bate no comunismo e seus filhotes', por Pedro Henrique Alves
Mais do que uma distopia política, como podem notar, esse livro é também uma meditação filosófica profunda sobre o que significa ser humano
Publicado originalmente em 1924, Nós, do russo Iêvgueni Zamiátin, é uma das primeiras distopias modernas da literatura mundial, precedendo obras como Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley, e 1984 (1949), de George Orwell — este último, aliás, declaradamente influenciado pelo autor russo. Escrita em meio ao fervor revolucionário da Rússia pós-1917, a obra é em si mesma uma crítica feroz ao totalitarismo e ao culto da razão absoluta, disfarçados sob a promessa de progresso. Mesmo após mais de cem anos de sua publicação, continua sendo uma das mais completas e afiadas críticas ao utopismo comunista já escritas.
A história se passa em um futuro indefinido, onde a humanidade vive sob o regime do Estado Único, uma sociedade hiperracionalizada e utópica, guiada por uma lógica matemática e uma vigilância total perfeita. Os indivíduos perderam o nome, pois a mera individuação pessoalística, para o Estado, é uma espécie de revolta a ser esmagada; assim, são designados apenas por um letra e três números, como o protagonista D-503, um engenheiro circunspecto responsável pela construção da nave Integral, destinada a levar os valores do Estado a outros planetas.
Zamiátin constrói a partir disso uma realidade onde a liberdade individual é considerada uma doença perigosa a ser suprimida no vestígio primevo de sua aparição na consciência da população. A autonomia e a consciência livre são uma espécie de relíquia bárbara do passado, onde havia desigualdades e explorações múltiplas. Para remediar esse mal do passado, a vida dos cidadãos, os “números”, é rigidamente controlada: eles vivem em casas de vidro, seguem horários exatos para cada atividade e até mesmo o sexo é regulamentado por cupons oficiais. Uma mera conversa pode ser vista como ato de rebeldia.
O que se perde em liberdade é supostamente recebido em ordem e felicidade programada pelo Estado — uma felicidade baseada na ausência de escolhas e mínima autenticidade.
A trama ganha densidade quando D-503 conhece I-330, uma mulher misteriosa e sedutora que introduz o protagonista a um submundo de pensamento livre, emoção e rebelião. É a partir desse encontro que se desenrola o conflito central da obra, isto é, a luta entre razão e emoção, entre o coletivo e o individual, entre a rigidez mecânica e a fluidez do humano. O diário de D-503, que compõe o texto da narrativa, vai aos poucos se desestabilizando — refletindo a deterioração de sua lógica cartesiana diante do surgimento do “eu” real, o eu sem predefinições, sem o determinismo mecânico apregoado como fato incontestável naquele ambiente.
A narrativa de Nós O autor nos conduz por esse processo com maestria estilística: frases truncadas, digressões, repetições e parênteses sugerem a quebra da ordem interna do personagem e, por extensão, do próprio mundo em que ele vive. A realidade social comandada pelo Estado, aquela de controle supremo, se desfaz à medida que aflora em D-503 vontades, desejos, críticas e escolhas — ainda que mínimas — sem a supervisão do Estado. O estilo fragmentado de seu diário, por vezes caótico, não é defeito de roteiro, mas escolha consciente para retratar a crise de identidade e o despertar da consciência.
Nós não é apenas um retrato da URSS nascente — embora essa leitura seja inevitável. Sua crítica vai além do contexto soviético e questiona qualquer sistema que busque esmagar a individualidade em nome de uma suposta perfeição social. A ironia de Zamiátin é afiada, pois, ao satirizar o racionalismo extremo na política, ele nos obriga a confrontar os perigos de uma sociedade onde tudo é previsível, calculável, transparente, onde a ciência alcançou um grau de perfeição imaculada que os próprios defeitos inerentes à humanidade, como a incerteza, a mera tibieza de consciência e a imoralidade mais banal — aspectos inevitáveis de uma equação de liberdade funcional — passam a ser um crime capital. É bom lembrar que o comunismo apregoava que o marxismo era uma ciência, e por isso exata e inevitável.
Mais do que uma distopia política, como podem notar, Nós é também uma meditação filosófica profunda sobre o que significa ser humano.
A busca pelo “eu”, pela alma, pelo amor — mesmo em um mundo que os nega — é o que confere à obra sua força poética e subversiva que até hoje continua atacando com força e constância todo arroubo autoritário. Afinal, se o comunismo é bom em reinventar retóricas e agentes para suas revoluções, ele é péssimo em minorar seus defeitos e consequências implacáveis. No fim, percebe-se que o comunismo totalitário dos soviéticos continua, em maior ou menor grau, em seus filhotes remanescentes — por exemplo, nos neoutópicos, os progressistas identitários; o que faz do texto de Zamiátin ainda mais atualizado e necessário, aliás.
Eu havia lido a obra, pela primeira vez, na primeira metade de 2017, por meio da ótima e luxuosa edição da Aleph, traduzida direto do russo por Gabriela Soares; e reli há duas semanas na igualmente ótima edição da Avis Rara, traduzida do inglês pela Roberta Sartori, com prefácio do próprio George Orwell. Confesso que não encontrei problemas nas referidas edições e nem nas traduções, sendo ambas ótimas escolhas para ler a distopia.
Por fim, Nós é uma leitura exigente, porém recompensadora. Pois sua linguagem ousada e sua visão de futuro continuam, como disse acima, surpreendentemente atuais, ecoando em tempos modernos de algoritmos invasivos, vigilância digital constante e ideologias que suprimem a natureza humana e distorcem a identidade individual. Eugene Zamiátin nos legou uma obra seminal contra o totalitarismo em suas mais variadas formas, mas, em especial, contra o comunismo e suas variantes contemporâneas. É um grito lúcido contra o conformismo e uma celebração corajosa da liberdade de consciência e expressão.
Revista Oeste
sexta-feira, 11 de abril de 2025
Guilherme Fiuza e 'A multidão desértica'
De posse deste decálogo da ressignificação paramétrica dos valores vigentes você está apto, ou apta, ou, melhor dizendo, apte a ser feliz vigentes você está apto, ou apta, ou, melhor dizendo, apte a ser feliz como os cidadões que você mais admira
A USP disse que na manifestação do último domingo na Avenida Paulista tinha 44,9 mil pessoas. Não arredonde para 45 mil porque você estará obrigando cem pessoas a se manifestarem contra a vontade delas. Não abuse da boa vontade dos estatísticos. Mas o importante é assinalar que, a partir do novo parâmetro demográfico estabelecido pelos pesquisadores da USP, uma série de conceitos usados para o dimensionamento das coisas da vida foram ressignificados. Anote as novas métricas:
1. Mar de gente = Meia dúzia de gato pingado.
2. Grito por liberdade = Miado de gato rouco.
3. Verde e amarelo = Cor de burro quando foge.
4. Avenida Paulista = Beco sem saída.
5. Avenida Paulista em dia de evento do Boulos = Rio Nilo asfaltado para o povo desfilar.
6. Estado de Direito = Poesia underground.
7. Manchete de jornal = Nada, não, coisa minha.
8. Democracia = Eu falo e você ouve.
9. Corrupção = Capacidade de amar.
10. Correio = Expresso 2222
De posse deste decálogo da ressignificação paramétrica dos valores vigentes para a vida em sociedade repleta de empatia, inclusão, lisura informacional e diversidade transcendental você está apto, ou apta, ou, melhor dizendo, apte a ser feliz como os cidadões e as cidadoas que você mais admira. Agora pare de reclamar pelos cantos, requisite o seu patrocínio estatal e saia em turnê por um mundo melhor. No máximo 44,9 mil pessoas não vão te compreender.
Guilherme Fiuza - Revista Oeste
'Sieg Moraes', por Tiago Pavinatto - Quando atribui ao inimigo (Musk, Bolsonaro, patriotas etc.) a mera aparência de um nazista, Moraes, na verdade, pretende esconder a sua própria estética essencial em tentar fazer parecer lutar contra ela.
Nunca é demais relembrar o óbvio: o verdadeiro Mal nunca se apresenta como tal; anuncia-se, sempre, como Bem ou qualquer coisa que o valha
“S e Goebbels estivesse vivo e com acesso ao X, nós estaríamos condenados. […] Os nazistas teriam conquistado o mundo”, asseverou Alexandre de Moraes, entre um flash e outro, ao seu entrevistador de extrema esquerda e, de igual forma, nada simpático a Elon Musk, dono da plataforma X.
Nos idos de 1990, o advogado norte-americano Mike Godwin sustentou o seguinte enunciado: “À medida que uma discussão aumenta, é inafastável a probabilidade de surgir uma comparação a Hitler ou ao nazismo. Na dialética, é comum considerar como perdedor da discussão o sujeito que lançou mão dessa comparação”.
Tal enunciado pode até conter algum valor, mas a conclusão dos contendedores dialéticos não mais se sustenta em tempos de fascismos travestidos. Menos ainda quando o império do Estado Democrático de Direito dá lugar àquilo que chamo de Direito Telúrico.
O Direito Telúrico é um não-direito travestido de Direito paralelo ao Direito do Estado. Fundamenta-se no pré-conceito do cidadão medíocre para a aplicação das normas do Direito do Estado, as quais, embora reconhecidas em existência e validade, sob o solipsismo dissimulador da convicção medieval de vingança como justiça, passam a gozar de relativa eficácia e, assim, podem ser descartadas e, mesmo em prejuízo dos próprios direitos e garantias fundamentais, substituídas pela regra telúrica imposta como solução mais justa para cada caso concreto.
Coisa de cangaceiro, ditador, dono de boca… Não é só o cidadão imbecil comum que opera o Direito Telúrico; no Brasil, ele tem adeptos togados, desde as primeiras instâncias até a suprema.
O destino do STF é ‘recivilizar’ o Brasil
Esse destino foi afirmado por seu presidente, o ministro Luís Roberto Barroso, em entrevista ao jornal Valor, do Grupo Globo. A “total recivilização do país”, disse o sumo magistrado em 30 de setembro de 2024, deve ser alcançada com “os julgamentos sobre o 8 de janeiro”. O fardo desse juiz branco foi reafirmado em 14 de novembro do mesmo ano: “Precisamos fazer o caminho de volta à civilidade”, disse em sessão plenária do Tribunal.
Nenhuma novidade, uma vez que o “choque de civilidade” fora promessa feita, em digressão improvisada no decurso da leitura de seu discurso, na solenidade levada a cabo no primeiro aniversário da insurreição de 8 de janeiro de 2023.
O evento de 8 de janeiro de 2024 foi batizado como “Dia da Infâmia”… Qualquer semelhança com o “Dia de Potsdam” não é mera coincidência.
No dia 20 de março de 1933, inclinado a negar, como terror, as práticas dos nazistas, imprimindo o rótulo de terroristas aos verdadeiros inimigos do povo alemão — isto é, qualquer pessoa incompatível com os desígnios daqueles que, legitimamente, administravam as instituições nacionais —, o ministro da Propaganda e Informação do Povo, Joseph Goebbels, realizou um evento espetacular que inventara para a reabertura do Reichstag, cujo incêndio, no final do mês anterior, jamais fora propriamente investigado: “O Dia de Potsdam”.
Ian Kershaw, talvez o mais brilhante biógrafo do nosso tempo, demonstra que a solenidade logrou êxito em promover um “completo distanciamento das bestialidades sórdidas” promovidas contra os inimigos do nacional-socialismo: o nazismo “punha aqui suas melhores roupas e proclamava sua união” (KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 312).
Curiosamente, “O Dia de Potsdam” representaria o triunfo inicial do novo Reich. O evento manteve Hitler à distância das demonstrações de terror e no centro de outro evento espetacular de propaganda.
À incontrolada e sempre impune violência desencadeada pelos bandos nazistas contra adversários e judeus, bastou institucionalizar SA, SS e Stahlhelm como “polícia auxiliar” legitimada diante do alegado aumento da violência dos opositores extremistas. Por essa mesma narrativa, comícios e manifestações deveriam ser reprimidos em qualquer canto dos Estados sob controle nazista, bem como proibidos os seus jornais e, indiscriminadamente, observadas as restrições impostas ao noticiário de outros jornais.
Em resumo, os nazistas “amordaçaram a imprensa, mesmo quando as proibições eram contestadas com sucesso nos tribunais” inferiores, de maneira que, silenciada sobre “essa primeira orgia de violência estatal, Hitler fez o papel de moderado. Sua capacidade de dissimular era indescritível” (Ibidem, p. 305).
Adolf Hitler, líder da Alemanha Nazista, com seguidores em Nuremberg, na Alemanha (1933) | Foto: ShutterstockContrariando a fantasia institucionalmente divulgada, inexistiu, de fato, qualquer necessidade de defesa contra “atos de violência que põem o Estado em risco”. Todavia, demonstra o historiador inglês, “apesar da aparência de legalidade, a usurpação do poder dos Estados pelo Reich era uma clara violação da Constituição. A força e a pressão das próprias organizações nazistas — uma cartada de chantagem política — foram as únicas responsáveis por criar a ‘agitação’ que provocou a alegada restauração da ‘ordem’. […]. Os únicos atos desse tipo eram os dos próprios nazistas” (Ibidem, p. 311).
“As massas em geral são cegas e estúpidas e não sabem o que estão fazendo”, dissera Hitler a Goebbels, que, diante do desafio primacial de oferecer às massas “um programa que seja inalterável, uma fé política que seja inabalável”, promoveu um “renascimento nacional por meio do antimarxismo terrorista baseado na manipulação cínica e doutrinação das massas” (Ibidem, p. 212).
O professor Kershaw fala do mesmo ministro Goebbels invocado pelo ministro Moraes. Contudo, o ministro Moraes parece não compreender o ministro Goebbels da mesma forma que o professor Kershaw.
Voltemos à Praça dos Três Poderes.
Anunciado o desafio de promover o renascimento da civilização no Brasil (desafio assumido reiteradamente pelo chefe do STF), é impossível não lembrar o desafio de promover o renascimento nacional de Goebbels. A coisa toda beira o idêntico quando, no lugar do antimarxismo extremista, Barroso também promove às massas o antibolsonarismo extremista… afinal, em alto e bom som, assumira o presidente do Pretório Excelso brasileiro, no dia 12 de julho de 2023: “Nós derrotamos o bolsonarismo”.
Atribuindo-se a si mesmos o papel de salvadores da pátria, Barroso e Moraes et caterva poderiam render-se autoelogios e se apresentarem como “as forças melhores que afloram à superfície para tirar o poder das mãos do perverso corruptor”; e, por mais inéditas e contestáveis que sejam as suas medidas, forças “que reconhecem uma questão de curvar ou quebrar”.
Acreditava tanto em tais forças, que Hitler assim as descreveu em Mein Kampf — e, nos dizeres de Eric Voegelin, apesar de Mein Kampf ser, “por assim dizer, um monte de lixo” (Hitler e os Alemães. É Realizações, 2008, p. 187), não podemos nos descuidar para o fenômeno popular desse tipo de discurso salvacionista.
No interessante livro Tu Carregas Meu Nome: A Herança dos Filhos de Nazistas Notórios (Record, 2004), os jornalistas Norbert e Stephan Lebert trazem elementos suficientes para demonstrar que o fantasma do nazismo sempre assombrará uma sociedade na qual as pessoas tendem a valorizar mais a questão da mera aparência.
Quando atribui ao inimigo (Musk, Bolsonaro, patriotas etc.) a mera aparência de um nazista, Moraes, na verdade, pretende esconder a sua própria estética essencial em tentar fazer parecer lutar contra ela.
Na esteira da lição do nosso maior constitucionalista vivo, o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “juristocracia e democracia são regimes inconciliáveis”. Diferentemente de um democrata, como ensina o professor Manoel Gonçalves, o juristocrata é um “Savonarola ou Torquemada que vê armas subversivas até em batons femininos” (“Jusristocracia não é democracia”, Conjur., 7 abr. 2025).
Nunca é demais relembrar o óbvio: o verdadeiro Mal nunca se
apresenta como tal; anuncia-se, sempre, como Bem ou qualquer coisa
que o valha. Logo, o juristocrata que se anuncia democrata será,
necessariamente, um mentiroso; será, provavelmente, o avesso do que
diz ser; será, essencialmente, aquilo de que acusa seus opositores.
Tiago Pavinatto - Revista Oeste
'Órfãos de pais vivos', por Cristhyan Costa
Prisões arbitrárias do 8 de janeiro abriram feridas difíceis de cicatrizar nos filhos dos manifestantes
Em julho do ano passado, viralizou nas redes sociais um vídeo no qual os dois filhos menores da cabeleireira Débora dos Santos, de 39 anos, presa pelo 8 de janeiro, imploram pela soltura da mãe. A paulista de Paulínia ficou conhecida por escrever, com batom, a frase “perdeu mané” na estátua A Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nas imagens, Caio e Rafael dizem sentir saudades da mãe e se dirigem ao ministro Alexandre de Moraes. O juiz do STF não se comoveu com o apelo. O recuo do magistrado só veio quase um ano depois da gravação, e em virtude da pressão popular e de veículos de comunicação que não pertencem à chamada grande mídia.
Em meio aos mais de mil presos no protesto na Praça dos Três Poderes, em Brasília, há inúmeros Rafaéis e Caios ainda pouco conhecidos pelos brasileiros. São órfãos de pais vivos, que enfrentam calados um drama pessoal. As decisões do STF, sobretudo as condenações exageradas que ultrapassam dez anos de cadeia, abriram muitas feridas que dificilmente cicatrizarão. Apesar de todo esse cenário desolador, os ministros do STF não indicam apoio sequer a uma redução das penas.
Famílias dilaceradas
Com apenas 5 anos, o filho do gerente de negócios Nelson Junior, de 33, foi alijado da vida de uma criança normal para ter de lidar com os efeitos do brusco rompimento familiar. Durante os 24 meses em que o pai ficou preso por causa da manifestação, o menino desenvolveu uma série de problemas emocionais. Ele, que tinha uma personalidade tranquila, passou a ter crises de ansiedade e choros constantes sempre que lembrava do pai.
O rendimento escolar da criança e o convívio social com os colegas foram afetados. O menino passou a ter dificuldade de aprendizagem. Com a saúde emocional debilitada, desenvolveu uma dermatite vulgar no pescoço — resumidamente, a doença é uma reação da pele a situações de estresse e ansiedade constantes. Os sintomas mais comuns são coceira, vermelhidão, erupções cutâneas e pele ressecada.
Na semana passada, na esteira da comoção do caso Débora, Moraes deu a “meia liberdade” a Junior, que se reencontrou com os parentes. Agora com tornozeleira eletrônica e uma série de medidas restritivas, o homem aguarda o julgamento do tribunal, que ainda não ocorreu. Além do abalo emocional, a família passou a ter dificuldades financeiras depois da prisão de Junior. No tempo em que ele ficou detido, Moraes negou todos os pedidos de liberdade de seus advogados. Conforme a defesa, Junior hoje passa a maior parte do tempo em casa, visto que acabou demitido, enquanto a mulher sai para ganhar dinheiro e pagar as dívidas que se acumularam.
A situação é ainda mais dramática para o filho de 8 anos de Débora Caiado, 43, presa desde 6 de junho do ano passado. O STF a condenou a 14 anos de cadeia. A mulher se encontra, atualmente, na Penitenciária Feminina de Santana (SP). Segundo o pai do menino, Alexandre, a vida da criança “virou de ponta-cabeça”. “Nem ele entende a situação na qual alguém que não fez nada precisa ficar preso”, disse. O menino passou a contar com a ajuda de um psicólogo e uma psicopedagoga para auxiliá-lo na escola, visto que está em fase de alfabetização.
Além do surgimento de perturbações emocionais, como ansiedade, o pai informou que a criança tem CID A09, nomenclatura médica que indica problemas como diarreias e inflamação no estômago e no intestino.
“Era uma criança doce, sem maldade nenhuma”, disse Alexandre. “Só fazia alegria tanto em casa como na escola. Hoje, é triste e fica ansioso para a mãe voltar, para poder dormir com ela.” O homem lamenta o fato de sua mulher não ter sido contemplada com a liberdade por ser mãe de uma criança menor — direito assegurado pelo próprio tribunal a traficantes e até mesmo a Adriana Anselmo, ex-primeira-dama do Estado do Rio de Janeiro, presa na Lava Jato.
“A vida do meu filho tem sido muito difícil”, desabafou o pai. “Temos medo de que ele possa levar essa dor para o resto da vida. O doutor Augusto Cury já dizia que situações assim podem causar muitos traumas na criança.”
O rompimento de laços familiares provocado pelo STF atingiu inclusive filhos mais velhos, como Victor Manoel, de 21 anos, filho da faxineira Edinéia Paes da Silva dos Santos, de 40, condenada a passar os próximos 16 anos no cárcere. Hoje, ela se encontra na Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu (SP). Segundo Simone, tia de Manoel, o jovem se trata com psicólogo. “Está muito revoltado”, contou a irmã de Edinéia. “Ele fica calado e não fala muito.” A tia disse que o rapaz ainda não decidiu fazer alguma faculdade, pela situação da mãe. Desde que a mãe foi detida, ele passou a trabalhar em um posto de gasolina para ajudar o pai a pagar as despesas domésticas. Assim como a maioria dos manifestantes, a mulher acreditava estar indo a um ato pacífico na capital federal.
As irmãs Késia e Luíza Cunha, filhas do empresário Cleriston da Cunha, o Clezão, também tiveram as vidas afetadas pela tinta das canetas dos ministros do STF. Antes da morte do pai na Papuda, em 2023, vítima de um mal súbito e pela falta de atendimento médico solicitado durante meses a Moraes, as jovens vinham se preparando para cursar medicina. Luíza queria ser cirurgiã plástica, enquanto a irmã almejava virar cardiologista. A tragédia com o pai interrompeu o sonho das duas. Desde o falecimento de Clezão, as irmãs passaram a ajudar a mãe, Jane, a cuidar da casa e dos negócios da família. Hoje, depois de recolherem alguns cacos da vida dilacerada pela Justiça, ambas fazem odontologia. Luíza conseguiu pagar a própria faculdade graças ao trabalho de assessora que conseguiu no gabinete da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) neste ano.
Volta à normalidade
A instauração da Comissão da Anistia, em 2002, criou a freguesia da “Bolsa Ditadura”. Há 23 anos, mais de 80 mil pedidos de reconhecimento da condição de anistiado passaram por ali. A maioria deles busca algum tipo de reparo econômico.
Nos últimos 20 anos, os pagadores de impostos custearam R$ 7 bilhões em benefícios. Em alguns casos, a quantia depositada na conta beira os milhões de reais.8 de janeiro Luiz Inácio Lula da Silva Anistia Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Jair Bolsonaro 2 comentários Assine ou cadastre gratuitamente para comentar Os manifestantes do 8 de janeiro não querem dinheiro. Desejam apenas acabar com o sofrimento e retornar para perto da família. Também pedem a volta à normalidade em um Brasil democrático
Cristyan Costa - Revista Oeste
'Biblia & Batom', por Alexandre Garcia
A punição exagerada de manifestantes do 8 de janeiro não vai tirar as dúvidas sobre o sistema eleitoral
O presidente do Supremo, ministro Barroso, tem expressado a crença de que a Corte é querida, por sua defesa da democracia. Desde o início do governo Bolsonaro, o Supremo vem defendendo a democracia, graças à criação do “Inquérito do Fim do Mundo”, como o rotulou o ministro Marco Aurélio Mello, expresidente da Casa, já aposentado. Nem precisou de Ministério Público, como exige a Constituição. Foi um ato de legítima defesa contra os que, nas redes sociais, abusando da garantia constitucional pétrea de livre manifestação do pensamento, ameaçavam com palavras os ministros do Supremo.
Os ofendidos, então, trataram de investigar, denunciar, processar, condenar essas vozes, a despeito da proibição de censura estabelecida na Constituição da qual ministros do Supremo são guardiões. A defesa da democracia deixou-os tão queridos que agora a FAB, além de defender o espaço aéreo brasileiro, passou a garantir o espaço dos ministros do Supremo sempre que quiserem viajar pelos ares brasileiros. Já me deu saudade de rever a bordo de voos regulares os ministros mais antigos, como Gilmar e Fux, que eu encontrava com frequência. Ficou até proibido divulgar a lista de passageiros. Apesar de pessoas públicas, servidores do público, o público pagante não pode saber nem sequer aonde vão. Mas a Corte é muito querida.
Fica ainda mais querida quando o decano, ministro Gilmar, em entrevista, diz que não faz sentido a Câmara discutir anistia. É bom lembrar que a Câmara é outro Poder. Poder político. E os Poderes, diz a Constituição, devem ser harmônicos. Os deputados discutem anistia, e o decano do Supremo afirma que isso não faz sentido. No domingo da manifestação por anistia na Avenida Paulista, o Evangelho escrito por João mostra uma cena de anistia por parte de Jesus, de uma adúltera recém-flagrada. Pela Lei Mosaica, ela deveria ser apedrejada; os fariseus provocaram Jesus, perguntando o que fazer com ela. Jesus respondeu: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Os circunstantes, então, foram sumindo. “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?”, perguntou Jesus, que havia ficado sozinho com a mulher. “Ninguém, Senhor”, ela respondeu. E Jesus: “Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar”.
O ministro Barroso já disse que não dá para não punir, porque os insatisfeitos com resultado de eleição tornarão a pecar contra o patrimônio público e as instituições. Como na Lei Mosaica: olho por olho, dente por dente. Essa posição do presidente do Supremo Tribunal ainda está no Velho Testamento; não entrou na Era Cristã, que recebeu um novo mandamento, aplicado por Jesus à adúltera. Escribas e fariseus achavam que ela deveria ser apedrejada até a morte. Mas descobriram dentro de si que não tinham moral para atirar a primeira pedra. Aqui, se a apuração da eleição fosse bem compreendida por cada eleitor, se houvesse um instrumento que garantisse ao eleitor que seu voto está computado certo; se, havendo quase empate entre candidatos, fosse possível fazer auditoria, como tentou o PSDB na reeleição de Dilma, não haveria a dúvida, a insatisfação, a catarse. A ameaça da Lei de Moisés não baniu o adultério; a punição exagerada de manifestantes do 8 de janeiro não vai tirar as dúvidas sobre o sistema eleitoral.
Barroso defende punições exemplares, mas críticos dizem que repressão não elimina dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A decisiva atualidade do Evangelho daquele domingo é que hoje os que já tiveram pecado — e foram perdoados pela anistia de 1979 — são os que estão atirando a primeira pedra quando gritam “sem anistia!”.
Hugo Motta Bíblia 8 de janeiro Luís Roberto Barroso
Supremo Tribunal Federal (STF)
1 comentário
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Farisaísmo, hipocrisia. Mas tudo é amor. O Supremo é popular porque
garante a democracia. A prisão para ensinar os antidemocratas é mais
didática que uma anistia que vai induzi-los a pecar de novo, armados
de perigosos batons e de Bíblias que ficam pregando maus exemplos
de Jesus com a pecadora.
Alexandre Garcia - Revista Oeste
'Os Gigolôs da Anistia', por Augusto Nunes
Os perdoados de 1979 inventaram a 'perseguição reflexa'
E m 4 de fevereiro de 2023, ao ser contemplada com a quinta Bolsa Ditadura, Dilma Rousseff estabeleceu um recorde inacessível aos demais brasileiros (quase 90 mil) socorridos por indenizações e mesadas distribuídas pela Comissão de Anistia federal e suas ramificações estaduais. Meses antes, ainda no governo Bolsonaro, a reivindicação fora rejeitada depois da descoberta de que a pedinte já era bolsista no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Animada com a volta de Lula ao poder, Dilma recorreu ao Tribunal Regional Federal de Brasília. E o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho botou na cabeça que a requerente merecia ao menos mais R$ 400 mil pelo que lhe fizeram (não pelo que ela fez) há mais de 50 anos.
Excluída da multidão de quase 40 novos ministros, uma Dilma decepcionada não desconfiou que viveria um ano de sonho. Ao garantir a quinta bolsa, a mineira sovina e rabugenta apenas abrandou a carranca. Mas até esboçou um sorriso ao saber, em março de 2023, que o padrinho resolvera indicá-la para a presidência do Banco do Brics. O Brasil jamais será para amadores. Sem a anistia em 1979, uma terrorista de folga não teria sido ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente da República. Se não fosse anistiada, a jovem assaltante de bancos não viraria presidente de banco já setentona.
Dilma Rousseff e Vladimir Putin, presidente da Rússia | Foto: Reprodução/Redes sociaisNeste março, um acerto entre Lula e o companheiro Vladimir Putin prolongou por mais cinco anos o vidaço de Dilma em Xangai, cidade chinesa que hospeda a sede do banco. Fora os penduricalhos, ela ganha cerca de R$ 400 mil por mês. Ficam por conta do banco despesas com moradia, deslocamentos terrestres ou aéreos (na primeira classe), criadagem de luxo e assessores que lhe permitem ser fluente apenas em dilmês. A monoglota sem remédio diz alguma coisa no subdialeto que pariu, o intérprete a tiracolo traduz o mistério em alguma língua de gente. Dilma só precisa fingir que dirige o banco administrado por economistas de verdade. Nenhum deles escaparia da demissão imediata, por decisão unânime dos que efetivamente mandam na sigla, caso dissesse durante uma reunião do Brics que trinta por cento não é trinta por cento, é trinta por cento de trinta por cento.
Nesta semana, sites estatizados confirmaram que a banqueira de picadeiro resolveu usar parte do tempo que tem de sobra para intrometer-se em assuntos do país que só não destruiu de vez por falta de tempo. “DILMA É CONTRÁRIA À ANISTIA”, noticiaram nesta semana sites companheiros. “DOS OUTROS”, deveriam ter acrescentado os jornalistas. Decididamente, os perdoados não perdoam. Como os napoleões de hospício que acharam possível derrubar o governo militar com revólveres calibre 22 furtados dos pais, as joanas d’arcs de cabaré enxergam perigosas fascistas em moças que lutam com batom ou golpistas dispostos a matar ou morrer em vendedores de algodão-doce, pipoca ou sorvete, sexagenários enfermos e mendigos que estavam zanzando no lugar errado.
Aos olhos dos gigolôs da anistia de 1979, os participantes do golpe que não houve merecem todos os infernos. Quem não é devoto de Lula não tem direito sequer à liberdade. Já a fila que há mais de 30 anos avança do lado esquerdo não pode diminuir. As comissões da anistia continuam a reunir-se regularmente para distribuir dinheiro. Já faz tempo que filhos de “perseguidos políticos” herdam as mesadas dos pais. A novidade deste 2025 é o crescimento do número de vítimas de “perseguição reflexa”.
No glossário dos caçadores de dinheiro fácil, isso acontece quando “perseguições políticas sofridas por terceiro se refletem na vida do requerente”. As turbulências enfrentadas pelo avô revolucionário perturbaram a tranquilidade mental do neto? O prejudicado agora marmanjo que procure a comissão de anistia mais próxima.
Os netos de Dilma são dois. Não parece fácil ter uma avó assim. Não custa nada consultar algum especialista em perseguição. \
Direta ou reflexa.
Augusto Nunes, Revista Oeste
'O PT e a Praga', escreve Sílvio Navarro
Dois anos depois do retorno de Lula ao poder, casos de corrupção voltam a dominar as manchetes, desta vez sem a fiscalização do Ministério Público, do Tribunal de Contas nem da Polícia Federal
Q uando o petista Lula da Silva bradou ao recuperar a faixa de presidente da República, na virada de 2023, que “o Brasil voltou”, a velha mídia festejou, os mais lúcidos ficaram com medo, o mercado deu de ombros, mas ainda era cedo para tirar conclusões. Dois anos e alguns meses depois, é possível compreender quem, de fato, retornou às engrenagens de Brasília: a praga da corrupção. A semana foi marcada pela queda do ministro Juscelino Filho (MA) do Ministério das Comunicações.
Lula foi obrigado a demiti-lo depois de dezenas de manchetes sobre desvios de conduta e, provavelmente, de dinheiro, porque a Procuradoria-Geral da República apresentou uma denúncia formal. Ele não será investigado por usar o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a um leilão de cavalos, nem por ter enviado chips de celular para a terra ianomâmi (que não tem antenas) — escândalos que vieram à tona em fevereiro de 2023. Mas por ter usado suas emendas na Câmara dos Deputados para obras fantasmas na cidade de Vitorino Freire, no Maranhão, onde sua irmã é prefeita.
Suspeito de corrupção, Juscelino Filho terá seu caso analisado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Flávio Dino, do Maranhão, um dos padrinhos políticos do deputado. O União Brasil, partido do agora ex-ministro, indicou seu substituto: o deputado Pedro Lucas, que passa a administrar um orçamento de R$ 3 bilhões em telecomunicações, radiodifusão e serviços postais. Lucas é um jovem deputado do Maranhão, que Flávio Dino também apadrinhou quando era governador do Estado.
Outra notícia causou alarme na terça-feira, 8. O jornal O Estado de S. Paulo revelou que o governo Lula, inclusive com a força da caneta do presidente, repassa dinheiro para uma entidade internacional chamada Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI). Trata-se de um montante de mais de R$ 700 milhões, fatiados em 21 contratos, com 19 órgãos estatais. A OEI é responsável por parte da organização de eventos como a COP30, a conferência do clima que vai acontecer em Belém (PA), e a reunião do G20, realizada no ano passado. Essa entidade contratou a primeira-dama, Janja da Silva, como uma espécie de garota-propaganda da COP — o cargo dela é de coordenadora da “Rede Ibero-Americana para a Inclusão e a Igualdade”.
A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, com o secretário-geral da OEI, o espanhol Mariano Jabonero, na reunião do G20 | Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
O gabinete da liderança da oposição na Câmara estranhou e resolveu investigar esses contratos. Por se tratar de uma entidade privada internacional, a OEI escapa das regras impostas pela Lei de Licitações brasileira; logo, passou a subcontratar empresas sem concorrência. Mais: uma cláusula nos contratos permite que a OEI cobre uma “taxa de administração” de 10% do valor, que sai dos cofres públicos. Qual é o destino desse dinheiro? Não se sabe, talvez nunca se saberá.
Os clientes preferenciais da entidade são os ministérios chefiados pelo PT: Casa Civil — onde fica uma área destinada aos negócios da COP —, Secretaria-Geral da Presidência, a pasta da Igualdade Racial e o Ministério da Educação. Neste último caso, o número 2 da pasta, Leonardo Barchini, joga nas duas pontas: no ministério e na OEI.
A conferência do clima no Pará ainda não aconteceu, mas já está cercada de suspeitas. Uma delas é a construção de um hotel cinco estrelas, com mais de 400 suítes e infraestrutura de ponta, para receber líderes internacionais. Foi um presente de Lula para a família Barbalho: o pai, Jader, e os filhos Hélder (governador do Pará) e Jader Filho (ministro das Cidades), além do primo Igor Normando, prefeito de Belém, todos são apoiadores do presidente.
Parte do dinheiro para erguer o hotel, uma bolada de R$ 200 milhões, saiu do caixa da usina Itaipu Binacional, na fronteira gaúcha com o Paraguai. De novo, o mesmo problema: Itaipu não é fiscalizada por nenhum órgão, já que o Tribunal de Contas da União (TCU) é impedido de atuar, por causa da dupla paternidade da hidrelétrica. O Supremo Tribunal Federal (STF) deu respaldo a isso em 2020, mas pediu a criação de um comitê de finanças entre os dois países, o que nunca saiu do papel. Questionada sobre um investimento milionário a tantos quilômetros de distância, a direção de Itaipu respondeu que é uma “missão socioambiental”
Itaipu foi tema de capa da edição 261 de Oeste. A segunda maior hidrelétrica do mundo — a maior é Três Gargantas, na China — é um reduto do PT. Os contratos assinados pelo petista Enio Verri, que opera numa zona cinzenta de fiscalização, são uma farra: repasses ao MST, ONGs ligadas ao partido e programas que conseguem a mágica de entregar mais bolas do que o número de crianças beneficiadas em favelas, por exemplo. Compõem o Conselho de Administração, que se reúne a cada dois meses, os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Esther Dweck (Gestão e Inovação), Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e a secretária de finanças do PT, Gleide Andrade. Por que a tesoureira faz parte da direção de Itaipu se ela cuida do caixa da sigla? Não é novidade: o tesoureiro João Vaccari Neto também tinha uma cadeira no conselho até ser preso pela Lava Jato porque cobrava “pixulecos” (propina) de empreiteiros.
O cupim se espalha
Além de Itaipu, há pelo menos dois grandes focos de picaretagens acontecendo em Brasília. O primeiro é o Ministério da Cultura, comandado pela cantora Margareth Menezes. A Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara vai ouvi-la na semana que vem.
Margareth recebeu R$ 640 mil para fazer shows em Fortaleza e Salvador, pagos pelas respectivas prefeituras — ou seja, dinheiro público —, o que colide com as regras para o cargo de ministro de Estado. Além disso, surgiram denúncias de que a pasta ajudou candidatos de esquerda, usando verba do Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC), nas eleições municipais de 2024. O caso está no gabinete do ministro Augusto Nardes, do TCU.
Outra infestação acontece no Ministério das Mulheres, de Cida Gonçalves, também da cota de Janja na Esplanada. Alvo de denúncias de assédio, Cida teria negociado com uma de suas auxiliares, Carmen Foro, um cargo na COP30 e verba para que “sobrevivesse” no Pará, inclusive buscando dinheiro fora do país. Prometeu, ainda, viabilizar a eleição da assessora para deputada no ano que vem.
Já caíram no esquecimento dos brasileiros os malfeitos de Nísia Trindade na Saúde, depois de transferir R$ 55 milhões em recursos à cidade de Cabo Frio (RJ) um mês antes de seu filho, que é músico, ser nomeado secretário municipal.
Na época, o Ministério Público, que atua junto do TCU, afirmou: “A nomeação se mostra controversa e passível de questionamento, no momento que ela se deu após a liberação de ‘gorda’ verba pelo ministério dirigido pela mãe do nomeado, em uma espécie de ‘toma lá, dá cá’, prática velha conhecida da política nacional”. Muita gente tampouco ainda se lembra da contratação de uma ONG que sumiu com marmitas, ao custo de R$ 5,6 milhões do Ministério do Desenvolvimento Social, do petista Wellington Dias, ex-governador do Piauí.
A entidade beneficiada é comandada por um ex-assessor do deputado petista Nilto Tatto, cuja família inteira atua na franja sul da cidade de São Paulo. Todos os irmãos são políticos: Nilto, Arselino, Jilmar e Ênio. O roteiro é sempre o mesmo: o recurso sai do ministério do PT com a rubrica de um programa social, aparece uma ONG no meio do caminho, o responsável por ela é assessor do PT, e o dinheiro desaparece — a marmita, obviamente, nunca existiu.
Resta ainda o Arrozão, que por pouco não virou um escândalo aumentativo em 2024, como Mensalão e Petrolão. À época, Lula decidiu importar toneladas de arroz “agulhinha”, que seria embalado com o selo do governo para chegar ao supermercado mais barato do que as marcas tradicionais. A justificativa era o risco de desabastecimento por causa da tragédia decorrente das chuvas no Rio Grande do Sul. Os produtores avisaram que não era necessário, porque mais de 80% da safra fora colhida, o suficiente para atender o país. Mesmo assim, Lula insistiu no leilão. A imprensa, contudo, verificou que o vencedor do certame fajuto era um pequeno empório em Macapá (AP), incapaz de armazenar e cuidar da logística de distribuição de 150 mil toneladas do cereal.
Mais um problema: o lançamento do programa Pé-de-Meia, uma mesada prometida para estudantes, mas sem reserva prévia orçamentária, o que se configuraria em nova pedalada fiscal petista. A oposição no Congresso agiu rápido, e o TCU pegou o trambique no pulo.
O combate à corrupção não faz parte da agenda da gestão petista. Em fevereiro, em entrevista à revista Veja, o ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho, deixou isso claro: “Politizar o combate à corrupção não é caminho saudável”. Ou seja, nos governos do PT, sempre que a roubalheira é exposta, a desculpa é que há um fim político para desgastar a legenda.
Nessa entrevista, o ministro é questionado sobre o papel da CGU, que deveria estar atenta ao que está acontecendo no governo Lula. Ele cita, contudo, a sua real missão: “Descobrimos a fraude na carteira de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro, que levou à prisão do [exajudante de ordens] Mauro Cid. Depois, a Polícia Federal aprofundou as investigações e chegamos ao detalhamento da tentativa de golpe de Estado e ao plano de assassinato do presidente — toda essa loucura. É um trabalho histórico que começou aqui”.
A fala é uma confissão de que a estrutura do governo sempre foi usada para municiar o gabinete do ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal, numa perseguição infindável contra Bolsonaro e seus aliados, mesmo dois anos depois de deixar o poder.
No STF, aliás, o crime de corrupção é coisa do passado. Semanalmente, o ministro Dias Toffoli encontra algum resquício da Lava Jato que ainda não foi anulado e passa uma borracha em confissões de desvios que um dia já chacoalharam o país. O fato é que, se no Brasil do governo Lula 3 tivesse uma operação como a Lava Jato, ou ao menos a Polícia Federal e o Ministério Público independentes, a Usina de Itaipu, por exemplo, seria um novo Petrolão. É o roteiro de sempre quando o PT passa muito tempo no poder.
Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, ministros do STF, presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Paulo Gonet, procurador-geral da República, em Brasília | Foto: Marcelo Camargo/Agência BrasilSílvio Navarro - Revista Oeste
'A pedra no sapato de Alexandre de Moraes', por Ana Paula Henkel
O ministro pode em breve se ver barrado em solo americano, com seu prestígio reduzido a uma nota de rodapé apagada
A lexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, forjou um reinado com artimanhas dignas dos tiranos mais sombrios da história.
Acusado de torcer a lei para pulverizar inimigos políticos e rasgar a Constituição que jurou defender, seu trono balança sobre areia movediça. Sua cruzada de lawfare — alvejando aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro com prisões, bloqueios nas redes sociais e até o apagão de plataformas inteiras — o transformou num pária para muitos brasileiros. Mas foi nos Estados Unidos, com sua máquina jurídica implacável, que Moraes escorregou numa armadilha que nem seu ar de intocável, tão comum em entrevistas e bravatas fora dos autos, pode desfazer. Do Capitólio aos tribunais federais, a América traçou uma linha vermelha, e o nome de Moraes está cravado nela em letras garrafais.
A resposta americana ao que se passa no Brasil não é um leve franzir de testa ou um tapinha de advertência. É um rugido que ecoa alto e claro. A ordem de Moraes em 2024 para suspender plataformas como o X, interrompendo milhões de usuários e ameaçando a liberdade de expressão global, ateou fogo em Washington — especialmente depois que os Arquivos do Twitter Brasil expuseram um prefácio indigesto do que estava por vir.
Parlamentares, farejando um vírus de censura que poderia invadir suas costas, revidaram com fúria. Em fevereiro de 2025, a Comissão de Justiça da Câmara aprovou a “Lei Não aos Censores em Nossas Costas” (“No Censors in our Shores Act”) com um apoio bipartidário raro na polarizada Washington, mirando figuras como Moraes que ousam amordaçar os direitos da Primeira Emenda.
O projeto, empunhado por soldados da liberdade como o congressista Rich McCormick, não é um convite ao diálogo — é uma sentença de deportação e banimento dos EUA. Moraes, que se imaginava reinando sobre o discurso direto de Brasília, pode em breve se ver barrado em solo americano, com seu prestígio reduzido a uma nota de rodapé apagada.
E não é apenas o Congresso Americano que não se limita a puxões de orelha simbólicos. A Lei Global Magnitsky, um martelo implacável contra violadores de direitos humanos, está na mesa, com Moraes como alvo principal. Seu currículo — dezenas de indiciamentos desde 2023, prisões sem justificativa, contas bancárias bloqueadas e multas por posts nas redes — parece um roteiro de ditador, não o diário de um juiz. Senadores e deputados americanos, indignados com o que já chamam de “uma vingança judicial para manipular as eleições de 2026” no Brasil, pressionam por sanções que podem congelar os bens de Moraes, proibir suas viagens e marcá-lo como um pária internacional. A mensagem do Atlântico mais ao norte é cristalina: a América não tolera tiranos disfarçados de toga, e o reinado de Moraes podem estar com os dias contados.
Uma jogada vil Porém, o verdadeiro barril de pólvora é o caso de Filipe Martins, exassessor de Bolsonaro, cuja perseguição expôs o maior erro de Moraes — e abriu o caminho mais claro para desmascará-lo na América. Preso por seis meses em 2024, Martins foi acusado de um suposto “complô golpista” com base numa farsa: ele teria fugido para os EUA com Bolsonaro em dezembro de 2022. A defesa apresentou provas incontestáveis — recibos de restaurantes, registros de viagem, documentos variados — de que ele nunca saiu do Brasil, mas Moraes o manteve atrás das grades, supostamente para arrancar uma confissão à força.
O caso explodiu nesta semana em Tampa, na Flórida, onde os advogados de Martins cravaram uma vitória demolidora. Na quartafeira, 9 de abril, um juiz federal na Flórida aprovou o processo de Filipe Martins contra o Departamento de Segurança Interna e a Alfândega, desencadeando uma caçada para descobrir quem falsificou o nome de Martins no sistema de imigração americano.
Esse registro forjado, alegando uma entrada ilegal nos EUA, foi o alicerce da prisão decretada por Moraes — uma jogada vil que agora rui sob o escrutínio americano.
O processo em Tampa é uma bomba-relógio: falsificar registros de imigração nos EUA não é um deslize qualquer — é um crime federal ligado à segurança nacional. Sob o presidente Donald Trump e o czar da fronteira Tom Homan, essa é uma linha vermelha que ninguém cruza impune. Com a postura de tolerância zero e integridade das fronteiras da atual administração, qualquer rastro das possíveis digitais de Moraes — ou de quem quer que tenha agido a seu mando — será exposto. Multas pesadas, prisão ou até mandados internacionais não são apenas ameaças; são possibilidades que o Departamento de Justiça está pronto para executar. A luz da justiça americana está acesa, mirando os segredos de quem agiu nas sombras.
A máscara de herói vira cinzas
Moraes teme a verdade, e isso está escancarado. No mesmo dia da audiência que iniciou o processo para esclarecer a fraude usada para justificar a prisão ilegal de Martins, ele se afundou ainda mais. Que celular — provas que poderiam pulverizar ainda mais as acusações de “golpe”. Como se não bastasse, nesta mesma semana, num surto de obsessão para apagar Filipe Martins da existência, Moraes multou-o em R$ 20 mil por aparecer em silêncio num vídeo postado no Instagram de seu advogado, doutor Sebastião Coelho, em 2024, citando uma “violação” de sua inconstitucional proibição de redes sociais, imposta a Martins e a dezenas de outras vítimas.
Desembargador Sebastião Coelho - Filipe Martins comparecendo ao Fórum de Ponta Grossa - PR. Rotina das segundasfeiras, imposta pelo Ministro Alexandre de Moraes! View all 5,345 comments Add a comment...
Os defensores de Moraes ainda tentam vender a fábula de que ele é o guardião do Brasil, brandindo o 8 de janeiro e a “defesa das eleições” de 2022 como troféus. Mas ponha isso na balança com violações constitucionais, supressão de provas e agora uma possível fraude num sistema americano, e a máscara de herói vira cinzas. Os EUA não engolem essa: Moraes não protege a democracia — ele a estrangula. Com a “Lei Não aos Censores” correndo para votação, sanções Magnitsky ganhando força e o caso de Martins em Tampa desenterrando camadas de mentiras, a reação americana é uma onda colossal se erguendo no horizonte.
Parlamentares redigem resoluções, tribunais cavam pela verdade, e o governo Trump enfrenta pressão para golpear com firmeza. Moraes quis posar de imperador, mas cutucou uma nação que não se curva a covardes com ares de valentão.
E, então, há o toque final risível do retrato da semana: a recente sessão de fotos de Moraes para a revista The New Yorker, um espetáculo grotesco de desespero narcisista. Desfilando como um astro de rock em fim de carreira, ele tentou posar sério, com olhares de quem finge ignorar a tempestade que se arma contra ele. Mas as imagens, encharcadas de autoidolatria, não foram um trunfo — foram um fiasco, uma máscara de apreensão mal disfarçada.
O pasquim de extrema esquerda, que já bajulou Kamala Harris como a messias de 2024 e gênio político supremo, agora tenta vender Moraes como o próximo guru da justiça global, como se um ensaio brilhoso pudesse apagar sua trilha de abusos. Dá para levar a sério? Só quem acha que capas de revista reescrevem a história. Se Moraes achou que uma sessão bajuladora na revista The New Yorker blindaria seu legado de inconstitucionalidades ou amoleceria os ânimos dos ianques, errou feio — e o tombo promete ser épico. Não há barbárie que resista para sempre ao peso da verdade.
Enquanto Moraes se pavoneava diante do espelho, parlamentares americanos afiavam canetas contra tiranos e censores, juízes sérios assinavam ordens para investigações de verdade, e os falcões da fronteira de Tom Homan miravam seus alvos, onde quer que estivessem.
Apesar da maquiagem para as fotos, a realidade “cara lavada” de Alexandre de Moraes pode vir sem visto, com sanções econômicas e, quem sabe, uma ficha criminal federal na América. A pedra no sapato de Moraes não é só Martins ou a Justiça americana; é a verdade, dançando com graça rumo ao centro do palco, onde ele não terá como fugir dos holofotes.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste