Em junho, quando o cenário eleitoral ainda estava indefinido, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz deixou discretamente o comando da Secretaria Nacional de Segurança Pública para mergulhar na campanha do capitão da reserva Jair Bolsonaro, visto por muitos naquele momento como um azarão. Neste mês, na segunda-feira dia 26, o agora presidente eleito anunciou num inesperado tuíte que Santos Cruz será o futuro chefe da Secretaria de Governo, um dos dois cargos mais importantes na estrutura da Presidência da República. Caberá ao general gerenciar os ministérios e fazer a interlocução do futuro governo com os grupos da sociedade civil.
Santos Cruz será o terceiro general com um lugar estratégico na próxima configuração do Palácio do Planalto — os outros dois confirmados serão o vice-presidente, Hamilton Mourão, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. Para a Esplanada dos Ministérios, mais um militar foi nomeado nesta sexta-feira (30). Bolsonaro anunciou pelo Twitter – como tem divulgado seu ministério – o diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, para Minas e Energia. É o primeiro nome da Marinha para uma pasta.
A ascensão de Santos Cruz ao coração do poder foi uma surpresa, porque ele havia sido convidado pelo ex-juiz Sergio Moro a voltar à Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Por que Bolsonaro escolheu esse general para ocupar um cargo político como a Secretaria de Governo? Para ex-colegas de caserna, essa dúvida não existe. Santos Cruz se credenciou a um gabinete no Planalto pelo extenso currículo internacional, pela proximidade com o presidente eleito e, sobretudo, porque seu histórico pessoal coincide com o perfil de austeridade e dureza que Bolsonaro idealiza para o governo.
Tido como um linha-dura entre os linhas-duras do Exército, o general é quase uma lenda entre os militares das três Forças, sobretudo entre os mais jovens. “Ele é faca na caveira”, resumiu um militar a uma assessora do governo quando o general retornou ao Brasil, depois de passar dois anos — entre 2013 e 2015 — como chefe da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) na República Democrática do Congo. “Ele não tem medo de matar ou morrer quando está em ação. Sabe que isso faz parte do trabalho. Ele é simplesmente pragmático”, explicou um oficial experiente, que conhece bem a carreira de Santos Cruz.
Com a imagem de homem simples e rigoroso, Santos Cruz viu a fama crescer quando chefiou a tropa internacional da missão de paz da ONU no Haiti, entre 2007 e 2009, num dos períodos mais críticos de um país arrasado pela extrema pobreza, por desastres naturais e por conflitos de grupos políticos e gangues armadas. Num dos momentos mais tensos, a casa onde o general morava foi cercada por uma gangue. Ele sacou uma arma e rechaçou os inimigos a bala. “Quantos morreram?”, perguntou um oficial tempos depois, ao ouvir o relato. “E você acha que eu fui lá fora contar?”, retrucou Santos Cruz.
O episódio foi narrado a ÉPOCA por dois oficiais. Um ex-colega de Exército disse que o general teve de partir para o tudo ou nada porque do outro lado estavam criminosos a serviço de grupos empresariais contrários à presença forte da ONU no Haiti. Seriam integrantes de quadrilhas similares ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no Brasil. Segundo o oficial, esse tipo de embate não é incomum nas ruas de Porto Príncipe. No Congo, onde chefiou uma missão de mais de 20 mil militares de vários países, o general testou sua coragem num grau de risco ainda mais elevado. A situação era tão complicada que, pela primeira vez, a ONU autorizou uma missão de paz a fazer a guerra, caso fosse necessário. E foi isso que aconteceu. Em alguns casos, as tropas de paz tiveram de entrar em combate com grupos armados.
Numa das operações, em maio de 2015, o helicóptero onde estava o general foi atacado a tiros e teve de fazer um pouso forçado. O risco de morte não abalou o comandante. “Essas coisas fazem parte do trabalho. O fato de termos sido atingidos mostrou que estávamos perto do local onde(os grupos armados) se escondiam. O nível de emoção não tem importância”, minimizou Santos Cruz numa entrevista pouco depois de sobreviver ao ataque.
O lado impetuoso do general também pesou em sua decisão de deixar repentinamente a Secretaria de Segurança para se engajar na campanha de Bolsonaro. No comando da Secretaria, Santos Cruz defendia que as tropas militares subissem os morros do Rio de Janeiro, sob intervenção federal, e se necessário partissem para o confronto armado com criminosos, com liberdade inclusive para matar. O ministro da Segurança, Raul Jungmann, discordou, com o argumento de que confrontos de militares nos morros poderiam gerar forte reação. Insatisfeito, Santos Cruz se manteve em silêncio, mas pediu o boné e foi fazer fileira nas hostes de Bolsonaro. “Não me sinto confortável aqui”, desabafara o general a um amigo.
Como secretário de Governo, ocupará um cargo um degrau acima dos demais ministérios da Esplanada. Amigo de Bolsonaro desde que participaram juntos de competições de pentatlo nos anos 80, Santos Cruz será um dos principais conselheiros do presidente eleito. O núcleo de apoio militar a Bolsonaro no Planalto ainda é reforçado por outros dois generais linha-dura: o vice-presidente, Hamilton Mourão, e o futuro ministro do GSI, Augusto Heleno. Mourão e Augusto Heleno se destacaram ao fazer, quando ainda estavam na ativa, duras críticas ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Os dois tornaram pública uma forte insatisfação de setores das Forças Armadas com os governos do PT.
Ex-professor de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Heleno é o militar com maior influência sobre o presidente eleito. “A relação entre eles é de pai para filho”, disse um general da ativa. Da mesma forma que o pupilo, Heleno não tem receio de entrar em polêmicas. Em outubro, com o clima ainda quente por causa das eleições, o general declarou que “direitos humanos é para humanos direitos”. O general Mourão não fica atrás. Durante a campanha, o vice-presidente eleito, sem medo de parecer politicamente incorreto, disse que o Brasil “herdou a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos indígenas e a malandragem dos africanos”.
Um pouco mais distante do Palácio do Planalto, mas ainda assim próximo a Bolsonaro, está o futuro ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Mais contido que os futuros colegas de ministério, o general foi, até recentemente, assessor do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Com tantos generais em postos estratégicos, este é ou não é um governo militar? Para Santos Cruz, não. “Simplesmente são pessoas conhecidas dentro de um ambiente profissional. Não estão representando ali as Forças Armadas. As escolhas foram decisões pessoais. Não pode confundir a escolha de pessoas que são militares da reserva com um governo militar. São coisas completamente distintas”, afirmou.
Outros militares confirmados até agora na Esplanada do governo Bolsonaro são o general Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e o tenente-coronel da reserva e astronauta Marcos Ponte (Ciência e Tecnologia).