— Para mim, o papel mais importante da minha mãe foi como modelo de mulher independente, com ideias próprias, livre — diz Sônia, de 76 anos, filha de Elisa. — Eu sempre digo que eu já nasci livre, porque a maioria das mulheres da minha geração se sentia culpada de trabalhar e deixar os filhos em casa e, se quisessem ser independentes, tinham que romper com uma série de tabus. A mamãe já fez isso por mim.
Elisa foi uma das fundadoras, em 1949, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que é hoje ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Foi de autoria dela, ao lado da colega pesquisadora Neusa Margem — outra pioneira na área —, o primeiro estudo científico publicado pela instituição, apenas um ano depois de sua fundação. A então jovem física se tornou, nessa época, chefe da Divisão de Emulsões Nuclerares do CBPF, cargo que ocupou até 1964.
Ela teve dois filhos: Sônia, que também é física, e Roberto, que é médico cirurgião. Além dos filhos, Elisa deixa cinco netas e nove bisnetos. Ela estava prestes a ganhar seu primeiro trineto, com nascimento previsto para fevereiro.
— Minha mãe foi exemplo para uma cadeia de mulheres independentes. Ela influenciou não só os filhos, mas também as netas. Minhas três filhas são professoras universitárias, por exemplo — conta Sônia.
Família conservadora
Todas essas consquistas vieram apesar do conservadorismo do pai de Elisa, Juvenal Moreira Maia, que defendia que a principal "carreira" de uma mulher deveria ser o casamento.
— A família do meu avô era muito tradicional, e minha avó era aquela dona de casa clássica. Achavam que a mulher tinha que tocar piano e se preparar para o casamento — diz Sônia.
A grande virada para Elisa, conta a filha, foi ter estudado na Escola Paulo de Frontin, ainda no ensino fundamental. Com uma parcela significativa de professores progressistas e que a incentivavam a seguir carreira nas ciências, ela ganhou confiança para se matricular no curso universitário.
— Ela chegou a pensar em fazer Engenharia, mas se apaixonou por Física no colégio. Ela se convenceu de que Fisica era uma carreira possível — conta a filha.
Luta contra sexismo
Sônia se lembra, no entanto, de ouvir a mãe contar um episódio de sexismo sofrido por ela no dia em que levou para a escola seu primeiro dever de casa de Física feito — com todas as questões corretamente resolvidas.
— O professor perguntou se ela tinha um irmão ou um pai que fosse bom em Física. Não acreditou que ela tinha capacidade de fazer tudo sozinha. Mas ela, de pronto, respondeu que, se ele tivesse dúvida, era para chamá-la para resolver as questões no quadro. Ele ficou envergonhado e, a partir daí, passou a chamá-la para ser sua auxiliar, ajudando os colegas que tinham dificuldade — diz Sônia.
Além de ter seguido carreira na ciência numa época em que as mulheres eram excluídas dessa área, Elisa enfrentou outros tipos de preconceito, como o fato de ter se separado num período anterior à Lei do Divórcio.
Aos 18 anos, ainda durante a graduação, ela se casou com um antigo professor, o biólogo Oswaldo Frota-Pessoa, com quem teve seus dois filhos. Mas se separou do marido em 1951, e passou a viver com o também físico Jayme Tiomno, com quem ficou até o fim da vida.
O divórcio só seria legalizado no Brasil em 1977.
Perseguição durante a ditadura
Em 1969, quando Elisa dava aulas na Universidade de São Paulo (USP), ela foi aposentada compulsoriamente pelo regime militar. O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) havia sido decretado apenas um ano antes.
— Ela não tinha nenhuma atividade política, mas tinha ideias políticas. Representava uma força nova na universidade, e as forças mais retrógradas se opunham. Era uma perseguição devido à renovação que minha mãe e seus colegas estavam causando — afirma Sônia.
Elisa trabalhou também fora do país, em universidades da Europa e dos Estados Unidos, além de contribuir para a formação de muitos de físicos brasileiros.
— Até 20 dias atrás, mamãe estava andando bem, estava ativa, com uma qualidade de vida excelente. Ela teve uma vida boa — avalia a filha.
Elisa trabalhou os 70 anos de idade, quando foi obrigada a se aposentar.
O velório da cientista ocorre neste sábado, dia 29, das 11h às 18h, na capela 2 do Cemitério Vertical da Penitência, no Caju, Zona Norte. A cremação, que reunirá apenas a família, será no domingo, 30.
Clarissa Pains, O Globo