Começa nesta terça-feira um novo governo, cercado de muita expectativa e de muita incerteza sobre os rumos que Bolsonaro e suas tropas vão imprimir ao País. Que o presidente está mirando em vários alvos ao mesmo tempo, não há a menor dúvida. Às vésperas da posse, porta-vozes formais e informais do governo deixam “vazar” intenções que vão de propostas para a reforma da Previdência ao aumento do prazo de validade da carteira nacional de habilitação (CNH) – reforçando a imagem de um ativismo nem sempre efetivo que caracterizou os dois meses de transição.
Por enquanto, o documento divulgado na semana passada com o roteiro de Bolsonaro para o começo do mandato – ou seja, para os simbólicos 100 primeiros dias –, embora genérico, é o que há de mais estruturado nesse sentido. Pelo menos em termos de alguns princípios que devem reger 2019. Entre as palavras-chave que sobressaem nesse documento estão desregulamentação, desburocratização, simplificação e outras da mesma categoria. Tudo que muita gente quer ouvir, notadamente na área econômica e seu entorno.
Conforme adiantou o novo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, nos primeiros 100 dias serão apresentadas 22 medidas, exatamente com o objetivo de destravar a máquina pública, selecionadas por Bolsonaro entre 50 sugestões recolhidas da equipe. Ou seja, se não houver mudança de rumo, a partir de 1.º de janeiro estaremos entrando num período de desmanche, nas palavras do vice-presidente Hamilton Mourão. Desmanche de peças que foram montadas ao longo de vários governos, algumas por sinal bastante danificadas. O que não se sabe é como elas serão restauradas ou substituídas.
Sinais emitidos por integrantes de alguns ministérios já avançam nessa direção. É o caso clássico da reforma tributária com foco na simplificação, há bom tempo uma das prioridades dos setores empresariais e já encaminhada pelo governo Temer – embora os especialistas do superministério de Paulo Guedes indiquem que estão formatando novas propostas e farão “sua própria” reforma.
Não é preciso ir muito longe para se constatar que medidas tributárias na linha da simplificação são de extrema necessidade. Cobram-se, no Brasil, pelo menos duas dezenas de impostos e contribuições – 13 federais, 3 estaduais e 4 municipais. A carga tributária representa praticamente um terço do PIB, repetindo proporção observada nos países mais ricos, onde parte substantiva do dinheiro arrecadado é redistribuída em forma de serviços essenciais para a população. Pior: a base dessa receita é de impostos indiretos, que recaem com mais peso sobre as faixas de menor renda.
O emaranhado tributário é de tal ordem que a burocracia exigida apenas para pagar impostos nas empresas consome, em média, 474 horas por ano, segundo dados divulgados pela Receita Federal. E, como se pode imaginar, essa tarefa virou uma dor de cabeça crônica especialmente para as pequenas e médias empresas.
Mas se a conveniência de uma simplificação tributária é consenso, o mesmo não se aplica a pelo menos outras duas propostas enquadradas na mesma classificação e recém-anunciadas por integrantes da equipe de Bolsonaro. São elas: licenciamento ambiental automático, defendido pelo presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e dispensa da inspeção diária dos frigoríficos, plataforma da ministra da Agricultura, Tereza Cristina. O mínimo que se pode dizer a respeito dessas ideias é que são polêmicas.
Nos dois casos, tudo indica que se trata de terapia inadequada para diagnósticos corretos. Não há dúvida de que a lentidão na emissão de licenciamento ambiental é causa de insegurança jurídica para empresas e, no extremo, um obstáculo a investimentos. Só um exemplo: para hidrelétricas, o processo leva, em média, nove anos – sendo quase seis anos depois da emissão da licença prévia, exigência para a participação nos leilões de energia.
Os prazos variam, dependendo do tipo de empreendimento, mas o quadro de lentidão é o mesmo. Em relação à dispensa da vistoria diária dos frigoríficos, a razão também é clara, embora não seja explicitada: os recentes episódios de corrupção envolvendo empresas e órgãos públicos mostram, como rezam os ditos populares, que excessos de dificuldades acabam resultando na “venda” de facilidades.
Tanto em um caso como em outro, os problemas apontados são graves, mas não justificam eliminar os controles e sim aprimorá-los. Desregulamentar, desburocratizar e simplificar não significam “deixar rolar”. Estabelecer essa fronteira é um dos grandes e incontáveis desafios para o presidente Bolsonaro e sua equipe.
É JORNALISTA
O Estado de São Paulo