sábado, 29 de dezembro de 2018

Registro de arma sobe 280%; Bolsonaro promete decreto para facilitar posse

Total de licenças emitidas pela 

Polícia Federal para ter 

equipamento em casa ou no local 

do trabalho foi de 33 mil no ano 

passado, ante 8,7 mil em 2009; 

presidente eleito diz que é preciso

 flexibilizar regras sob argumento 

do direito da legítima defesa



ctv-nrr-viggiani
Instrutor de tiro já notou aumento na procura  Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
SÃO PAULO E BRASÍLIA - O presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse neste sábado, 29, que pretende “garantir”, por decreto, a posse de arma de fogo para cidadãos sem antecedentes criminais, além de tornar o registro do equipamento definitivo. Especialistas questionam a mudança por decreto sem aval do Congresso, uma vez que afetaria o Estatuto do Desarmamento, lei de 2003. Na prática, todo cidadão pode pedir a posse à Polícia Federal, se cumpridos alguns requisitos, como ficha criminal limpa e exames de aptidão. O total de registros tem crescido: o salto foi de 280% de 2009 a 2017, chegando a 33 mil licenças no País.
Ao anunciar a medida no Twitter, Bolsonaro não detalhou o decreto que está em planejamento. Duas horas após a publicação, ele voltou à rede social para dizer que “a expansão temporal será de intermediação do Executivo, entretanto outras formas de aperfeiçoamento dependem também do Congresso Nacional, cabendo o envolvimento de todos os interessados”. Já tramitam no Congresso projetos que tentam revogar o estatuto.
A lei prevê regras para a concessão da posse, caracterizada pela possibilidade de permanência da arma na casa do proprietário ou no estabelecimento comercial. O candidato deve se submeter a exames de aptidão psicológica e capacidade técnica, além de apresentar a razão da efetiva necessidade, “expondo fatos e circunstâncias que justifiquem”, explica a PF. Defensores da liberação de armas reclamam da subjetividade desses critérios. 
Ao Estado, o futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno Ribeiro, disse que o decreto deverá manter as exigências legais, como não ter antecedentes, fazer exame de vista e seguir as regras de registro. “A posse será facultada para quem se submeter às exigências, será mais fácil ter a posse, para o cidadão de bem, que nas regras de hoje”, disse. “É lógico que ninguém vai vender arma na esquina.” 
A decisão de Bolsonaro de manter a facilitação para posse de arma foi tomada após conversa com o futuro ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro. O argumento do futuro governo é garantir a legítima defesa aos cidadãos. Segundo dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, em 2009 a quantidade de registros era de 8.679. Até o ano anterior, ainda vigorava o prazo, previsto pelo Estatuto, de registro de quem já tinha armas irregularmente. O número subiu ano a ano, até atingir pico de 36,8 mil licenças em 2015. 
Também preocupa especialistas o número crescente de registros concedidos pelo Exército a atiradores esportivos. Mudanças nas normas de obtenção e transporte dos equipamentos atraíram milhares de interessados em obter arma e que encontravam dificuldade de obter a liberação via PF. 
Para o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, esse fenômeno está ligado à onda de descrença da população, com a escalada da violência urbana. “Em situações estáveis, onde o Estado funciona, as pessoas não veem necessidade de ter arma, até porque ela contribui para que a violência aumente”, diz. “É um mito que a arma de fogo é um bom instrumento de defesa.” O risco, para especialistas, é que a facilitação da posse eleve ainda a circulação de armas ilegais.

Expectativa

Despachante e instrutor de armamento há quatro anos, Guilherme Dias diz que a demanda aumentou nos últimos meses, após a eleição. “Muita gente acha que, por ele (Bolsonaro) ter ganhado e ser atirador, vai conceder porte.” Ele conta que hoje atende de sete a oito pedidos de registro por mês. Em 2015, esse número não passava de três.
Pelo serviço, que inclui todos os trâmites exigidos – como valor da arma, treinamento, exames e taxas–, ele cobra cerca de R$ 6 mil a R$ 8 mil. Segundo ele, desde 2017 o interesse tem crescido, após a permissão do porte de arma para atiradores esportivos do local de treino até a residência. 
“Este ano aumentou muito (a procura), está movimentado mesmo”, concorda o instrutor e advogado, Mario Viggiani Neto. Para ele, uma mudança na lei deve manter a exigência de provas de capacitação psicológica e de manuseio da arma. “Quem nunca pegou arma não adianta fazer a prova, que não passa. Tem de ter o básico, saber as regras de segurança, como se usa, como se municia. É como uma autoescola.”
O vigilante Danilo Alves, de 28 anos, obteve a posse legal em 2015. “O motivo foi a insegurança pública que a gente vive nesse País. Sempre tive receio de sofrer alguma invasão residencial. Uma arma traz um conforto psicológico.” /PRISCILA MENGUE, FABIO LEITE, MARCO ANTÔNIO CARVALHO, CRISTIAN FAVERO e LEONENCIO NOSSA

 O Estado de S.Paulo