O governo Jair Bolsonaro, entre tantas indagações e perplexidades, oferece ao menos uma certeza: veio para mudar. Se triunfará, é outra história, que começa daqui a dois dias.
Não lhe falta lastro popular: segundo o Ibope, inicia-se sob as expectativas otimistas de nada menos que 75% da população.
Não é pouco – e é surpreendente, já que se elegeu com 59% dos votos válidos, o que significa que ou as urnas se equivocaram ou 16% dos que votaram no PT mudaram de ideia dois meses após o segundo turno, não obstante o radicalismo que marcou a campanha.
Como não há registro físico dos votos, nunca se saberá.
O que importa é que o anseio por mudança, que começou a se exteriorizar em 2013, numa sucessão de gigantescas manifestações de rua em todo o país – e que desaguou, em 2016, no impeachment de Dilma Roussef -, foi por ele capitalizado.
As mesmas multidões voltaram a se manifestar em sua campanha, sobretudo após o atentado de que foi vítima.
O fenômeno Bolsonaro não é obra individual. Ele tornou-se estuário do clamor popular por ruptura com a (des)ordem vigente, que o impeachment não aplacou. Ao contrário, intensificou.
Michel Temer, o estepe de Dilma, mesmo conseguindo a façanha de fazer com que o país parasse de piorar, não serenou o quadro. Entrega um país um pouco melhor que o que recebeu, mas, no plano moral, manteve o padrão, exposto pela Lava Jato.
Ele e Dilma, entre outros companheiros da parceria PT-MDB, devem se reencontrar em breve nos tribunais.
Desde a retomada do poder pelos civis, a partir de 1985, o país passou a seguir uma agenda de fundamentação esquerdista, em conluio com o mais deslavado fisiologismo, levado ao paroxismo a partir dos governos do PT. Não podia dar certo – e não deu.
A soma de corrupção com gestão temerária tornou-se insustentável e levou o país à ruína. À exceção do breve interstício do Plano Real, que o PT liquidou, o país patinou, entre um governo e outro, na instabilidade econômica, política, social e institucional.
A Lava Jato submeteu os três Poderes a um strip-tease moral sem precedentes. O saldo é eloquente: 14 milhões de desempregados, déficit orçamentário de R$ 150 bilhões, mais de 60 mil homicídios anuais, índice de guerra civil. Entre outras coisas.
O resultado foi a eleição de alguém que, ao longo de todo esse processo, foi o contraponto ideológico mais veemente aos sucessivos governos, com ênfase aos do PT. A princípio, era uma voz periférica, a bradar da tribuna do baixo clero da Câmara, sem audiência do grande público, ao qual só chegava de forma caricatural, nos momentos (não poucos) em que se excedia em sua retórica.
Gradualmente, porém, com a deterioração da cúpula política, passou a ser ouvido, valendo-se da intermediação das redes sociais, já que a mídia convencional o ignorou até onde pôde.
Importa dizer que a sociedade, em sua maioria, viu (e vê) nele um corpo estranho ao ecossistema político vigente, e em condições de mudá-lo. A montagem ministerial, não obstante controvérsias pontuais, foi bem avaliada, segundo o Ibope.
Os próprios adversários já admitem que não será fácil reverter o processo que se inicia. José Dirceu previu que “a Era Bolsonaro será longa”. E Fernando Haddad já declarou que o projeto liberal do novo governo “pode dar certo”. Admitir, porém, não significa se conformar.
O PT retoma sua maior habilidade: a de força predadora. Fará (já está fazendo) oposição sistemática.
Terá, porém, contra si a Lava Jato robustecida, cujo símbolo, Sérgio Moro, deixa a modesta primeira instância de Curitiba para assumir a cabine de comando do Ministério da Justiça.
O Brasil que se inicia, mesclando tecnocratas, militares, políticos e neófitos, terá múltiplos desafios e enfrentará turbulências. Terá de aprender a trocar o pneu com o carro andando.
De tédio, com certeza, não padeceremos. Apertem o cinto – a viagem vai começar.
Ruy Fabiano é jornalista
Com Blog do Noblat, Veja