O número de policiais militares mortos no Estado do Rio em 2018 é o menor dos últimos 24 anos. Levantamento feito pelo GLOBO, com base em dados da Corregedoria da PM, revela que 92 agentes foram assassinados este ano, 43% a menos que em 2017, quando ocorreram 163 homicídios de policiais. Do total de agentes mortos este ano, 24 — ou um quarto — estavam de serviço no momento do crime, 55 de folga e 13 eram reformados.
De acordo com o levantamento, mais da metade dos agentes da ativa assassinados fora de serviço foi vítima de assaltos ou reagiu a uma tentativa de roubo que testemunharam. Quinze desses policiais foram executados em emboscadas ou tiveram seus corpos encontrados com marcas de tiros. Outros oito foram assassinados após brigas ou discussões — dois deles foram mortos por outros policiais. Um PM foi morto por militares do Exército, após furar uma blitz.
Ao todo, 28 PMs — vítimas tanto de tentativas de assaltos quanto de execuções — foram reconhecidos como policiais antes de serem mortos. É o caso, por exemplo, do soldado Patrick Batista Lopes, que estava de folga, em janeiro, quando foi sequestrado e morto por traficantes da Favela da Linha, em São Gonçalo. Os criminosos abordaram Patrick, que estava de carro, e, ao reconhecê-lo como policial, o levaram para dentro da favela. O corpo foi encontrado com 11 tiros, no banco de trás de um veículo na Rodovia RJ-106, em São Gonçalo. A Justiça decretou a prisão de três suspeitos. Um deles está preso.
“Desde o ano passado, mortes de policiais receberam maior visibilidade, dentro e fora da PM. E medidas importantes foram tomadas pelo comando, como cursos para uso de pistolas na folga e de reciclagem para policiais reformados”
Histórias como a do soldado provocaram comoção e uma reação da corporação, que passou a adotar protocolos para reduzir a letalidade de policiais, inclusive promovendo cursos voltados especificamente para esse propósito.
— Desde o ano passado, mortes de policiais receberam maior visibilidade, dentro e fora da PM. E medidas importantes foram tomadas pelo comando, como cursos para utilização de pistolas na folga e de reciclagem para policiais reformados. O maior efetivo nas ruas também impactou na redução das mortes, além de diminuir os indicadores criminais durante a intervenção — afirma o coronel Fabio Cajueiro, da Diretoria de Assistência Social (DAS).
CURSO PARA NÃO MORRER
Em 2018, a PM capacitou mais de 12 mil agentes, ou cerca de um quarto de toda a tropa, em cursos para reduzir a vitimização, como o de Autopreservação Policial — que visa a capacitar policiais sobre como agir na folga e no trajeto até o trabalho — e o de Capacitação de Porte de Arma Velado. Também foi criado o programa Veterano Ativo, com aulas de tiro e de manutenção de armamento para policiais reformados.
Para Robson Rodrigues, coronel da reserva da PM e mestre em antropologia, a queda nos números de policiais mortos é reflexo de políticas internas da corporação e mudanças no comportamento dos agentes nos horários de folga.
— Após a explosão de casos em 2017, as políticas da PM foram mais efetivas para combater a vitimização. Houve uma tomada de consciência sobre o problema. Isso motivou mudanças no comportamento do policial durante as folgas. Por outro lado, é importante ressaltar que operações em favelas são a principal causa de mortes em serviço, o que põe em xeque a efetividade da política de enfrentamento — observa o oficial.
“Houve uma tomada de consciência, e isso motivou mudanças de comportamento do policial nas folgas”
Os PMs assassinados em 2018 têm idade média de 39 anos — o mais novo tinha 23 anos; o mais velho, 68. Dos 79 agentes que estavam na ativa à época do crime, 35 tinham pelo menos dez anos de corporação. Ao todo, 34% dos agentes são sargentos — patente mais comum entre as vítimas, seguida de soldados (25%) e cabos (22). Seis oficiais estavam entre os mortos.
O 41º BPM (Irajá) foi o que teve mais baixas na tropa: cinco policiais da unidade morreram em 2018. A UPP da Rocinha foi a segunda com mais letalidade, com quatro mortos.
Do total de PMs mortos, 45% foram assassinados na capital — a maior parte na Zona Norte. Já a Baixada Fluminense concentrou 29 assassinatos de PMs, ou pouco mais de 30%. Lá, foi morto o oficial de mais alta patente: chefe do serviço reservado do 17º BPM (Ilha do Governador), o major Alan de Luna Freire, de 40 anos, foi executado no dia 27 de novembro, em Nova Iguaçu. Bandidos de moto dispararam 20 tiros de fuzil contra o carro do oficial que seguia para o trabalho. A investigação ainda não foi concluída, mas a PM não tem dúvidas de que Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, chefe do tráfico do Morro do Dendê, na Ilha, está por trás do crime. Pouco antes do ataque, traficantes da favela descobriram que o oficial havia sido responsável por instalar câmeras nos acessos à comunidade para monitorar as atividades do chefe. Por duas vezes este ano, Luna esteve prestes a prender Guarabu, traficante mais antigo no controle de uma favela no Rio. Para capturá-lo, o Disque-Denúncia oferece recompensa de R$ 30 mil.
TRAMA É INVESTIGADA
Policiais da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense também investigam ameaças supostamente feitas ao major pelo ex-PM Antônio Eugênio de Souza Freitas, conhecido como Batoré, braço-direito de Guarabu. Em abril deste ano, Batoré foi condenado a 319 anos de prisão por uma série de crimes na Ilha do Governador.
A polícia suspeita ainda que informações de colegas da vítima podem ter contribuído para o assassinato. O major foi morto no primeiro dia de trabalho após as férias, num carro que vinha sendo usado durante sua ausência pelo sogro. Para os investigadores, os assassinos sabiam o dia exato em que ele voltaria ao batalhão, usando o mesmo veículo. Dois dias depois do crime, uma inspeção encontrou 425 pedras de crack e armas sem numeração oficial em armários de policiais do 17º BPM.
Rafael Soares, O Globo