O ex-juiz Sergio Moro, 46, assumirá o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro inspirado em Giovanni Falcone, o magistrado que levou à condenação centenas de mafiosos na Itália.
Moro tem experiência no enfrentamento com o crime organizado. Comandou um longo processo contra o traficante Fernandinho Beira-Mar.
Em 2008, publicou artigo sobre essa operação, em que cita Falcone e os métodos invasivos de investigação. A escuta telefônica durante um ano e seis meses possibilitou apreender 753 kg de cocaína e 3,6 toneladas de maconha, reunindo provas contra a cúpula do grupo de Beira-Mar.
"Ao contar com um órgão de inteligência financeira [Coaf] e a Polícia Federal, Moro pode executar um trabalho de interesse público jamais realizado no Brasil, pois não lhe faltam experiência e honestidade", diz o desembargador aposentado Wálter Maierovitch, presidente do Instituto Giovanni Falcone.
Segundo o magistrado, Moro tem méritos e sempre foi independente.
"Ele poderá revolucionar na área da segurança pública e da Justiça. Foi-lhe dada carta branca por Bolsonaro. Terá de trombar com poderosos", diz Maierovitch.
Um dos grandes incentivadores da carreira de Moro foi Gilson Dipp, ministro aposentado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e criador das varas especializadas em lavagem de dinheiro.
Dipp lembra que "o Ministério da Justiça não é uma delegacia de polícia ou vara federal". "É preciso que Moro se cerque de pessoas competentes. Ele exercerá um cargo eminentemente político. Vai conviver com pares altamente comprometidos, enfrentar pressões e não tem o comando da situação", avalia.
Moro convidou Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), para chefiar a assessoria legislativa do Ministério da Justiça. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) será comandado por Roberto Leonel, que foi chefe do órgão de inteligência da Receita Federal no Paraná.
Foi Dipp quem indicou Moro para juiz auxiliar da ministra Rosa Weber, no julgamento do mensalão. A experiência no STF (Supremo Tribunal Federal) foi um aprendizado útil para ele.
O juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macêdo Costa, também especializado em lavagem de dinheiro, diz que "Sergio Moro vai trazer para o Ministério da Justiça a expertise da Lava Jato, que teve um juiz vocacionado, reuniu os atores responsáveis pelo combate à corrupção e produziu provas robustas. Ele deverá reproduzir no governo o modelo da vara de Curitiba".
Costa foi responsável pelos processos da primeira etapa do mensalão em Belo Horizonte.
Natural de Maringá (PR), Moro é filho de professores e teve formação católica. Graduou-se em direito pela Universidade Estadual de Maringá e foi estagiário em escritório de advocacia especializado em direito tributário.
É casado com a advogada Rosângela Wolff Moro, sua ex-aluna de direito constitucional na Faculdade de Direito de Curitiba. O casal tem dois filhos, Julia e Vinicius. Moro gosta de ler biografias e livros sobre julgamentos da Suprema Corte dos EUA. Quando podia, ia trabalhar de bicicleta.
Foi aprovado em concurso para juiz aos 24 anos. Começou sua carreira em Cascavel (PR) e Joinville (SC). Já atuava na área criminal quando sua vara em Curitiba foi escolhida para se tornar especializada.
Foi juiz de grandes casos, como Farol da Colina e Banestado, no qual condenou 97 pessoas, entre elas o doleiro Alberto Youssef, que fez sua primeira delação premiada quando o instituto ainda não era previsto em lei.
Como juiz, não gostava de dar entrevistas. Dizia que tudo o que tinha que declarar estava nos autos do processo. Usou esse recurso em 2014, na decisão em que mandou prender 20 executivos de oito empreiteiras.
Moro citou Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), adversários políticos, aos quais atribuiu afirmações sobre "a necessidade do prosseguimento" da Lava Jato.
O então juiz acompanhou no gabinete cada passo daquela diligência. Pedia a servidores para adiar cursos e viagens. Era informado por delegados e procuradores sobre o cumprimento das prisões.
Dias depois, o criminalista Alberto Toron afirmou que "muitas vezes o juiz está à frente do Ministério Público". Toron considerou irregular Moro não deixar os réus citarem nomes de políticos, para evitar que, em razão do foro especial, os processos subissem para o STF.
Ex-corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon diz que Moro é um estrategista. "Ele conduziu a Operação Lava Jato de forma a só chegar ao Supremo ao final, quando a opinião pública já tinha se apossado dela, o que foi desgastante para os ministros."
"Moro sempre soube que os principais motivos do fracasso da Operação Mãos Limpas, na Itália, foram a falta de apoio popular e a crença de que o Judiciário poderia sozinho comandar o combate à corrupção", diz.
Para Gilberto Martins, procurador-geral de Justiça do Paraná, "a imersão de Sergio Moro na política foi um acerto". Ele se reuniu recentemente com o futuro ministro e colegas do Ministério Público para tratar do enfrentamento à corrupção e à violência.
"Acredito que ele promoverá o aperfeiçoamento do sistema judiciário e de sua integração com o Ministério Público, órgãos de segurança e agências internacionais", diz.
Outro promotor, Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, se mostra otimista quanto à aprovação de um pacote anticorrupção por Moro no Congresso. "Moro passará a ser guardião da legalidade do novo governo", diz.
Entre os criminalistas, a imagem de Moro é, previsivelmente, bastante diferente.
"O combate à corrupção só é legítimo se houver respeito irrestrito à Constituição, característica que Moro, como juiz, nunca cultivou", afirma o advogado Luiz Fernando Pacheco.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, defensor de réus do mensalão e da Lava Jato, diz que Moro "foi um juiz absolutamente parcial". "Teve um papel atuante na escolha do presidente que ele agora vem a servir. Ele afastou o principal adversário do presidente eleito [Lula]. É uma lástima. Foi um soco na cara do Judiciário aceitar ser ministro", afirma.
Professor de direito constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano afirma esperar que a formação jurídica do ministro "o leve a ser uma voz de moderação no governo, que mitigue medidas autoritárias já anunciadas".
Se não for bem-sucedido no Executivo, o ex-juiz poderá optar pela advocacia especializada. "Quem não gostaria hoje de ter Sergio Moro como advogado?", pergunta Dipp.
Nessa hipótese, Moro seguiria o caminho de outro personagem que admira: Adam Kaufmann, advogado norte-americano, especialista em crimes do colarinho-branco.
Quando foi promotor em Nova York, Kaufmann auxiliou os colegas brasileiros nos casos Banestado, Farol da Colina e mensalão, além de investigar o ex-prefeito Paulo Maluf.