O general da reserva Hamilton Mourão, que assumirá a Vice-Presidência da República com a posse de Jair Bolsonaro nesta terça (1º), sugere que o novo governo alivie a carga de impostos da indústria brasileira antes de submetê-la à abertura comercial proposta pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em entrevista à Folha, ele disse na sexta (28) que a reforma tributária é necessária para reduzir custos das empresas nacionais e ajudá-las a competir com produtos estrangeiros, cujas tarifas de importação serão reduzidas se Guedes levar adiante seus planos.
Mourão abriu a agenda para empresários e dirigentes de associações setoriais durante os preparativos para a posse do novo governo. Encerrada a transição, ficou sem missão definida na estrutura do governo, mas manteve a disposição de atuar como interlocutor do meio empresarial.
Ele afirma ter recrutado especialistas de várias áreas para assessorá-lo no cargo e recorre a um jargão militar para descrever o grupo como um "dispositivo de expectativa" na retaguarda, pronto para entrar em ação se for chamado pelo presidente.
Mourão disse que não está preocupado com o caso do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro cujas transações financeiras despertaram suspeitas e são investigadas pelo Ministério Público do Rio.
Papel no governo
Estou com uma equipe capacitada, pronta. À medida que o presidente for necessitando de alguns trabalhos, ele poderá me acionar. É isso que a gente está aguardando acontecer.
É o que em linguagem militar se chama dispositivo de expectativa. Você vai defender uma área e não sabe por onde o inimigo vai avançar com sua força maior. Então, lança à frente uma tropa de menor efetivo e concentra na retaguarda a força principal, capacitando-a para atender qualquer incidente que ocorra.
Não vou citar nomes. Mas trouxe gente do Itamaraty, das Forças Armadas, gente que veio aí da vida civil normal. Cada um com sua capacidade. Somando essas capacidades, dá um todo muito bom.
Relação com empresários
A turma me procura para apresentar as demandas, necessidades. O que faço é encaminhar para os ministros respectivos para ver o que podem atender. Atuo mais como um facilitador das coisas.
Não há dificuldade no diálogo com a equipe econômica. Eles têm conversado com quem de direito. O que ocorre são visões distintas das soluções para os problemas. Aos poucos isso vai se ajustando.
Abertura comercial
O governo entende perfeitamente que ela não pode ser feita na base do choque. Necessita uma graduação, uma segurança maior. Na minha visão, temos que arrumar a casa primeiro. Depois que arrumar a casa, a gente abre a porta.
Precisa acertar primeiro a questão tributária, que é parcela do custo Brasil. Aí teremos espaço para iniciar uma abertura, e as nossas indústrias poderão ter preço competitivo com as que vêm de fora e que não sofrem esse aperto.
Reforma da Previdência
Vamos ter que fazer uma campanha de convencimento dos parlamentares e da população para explicar as mudanças. A equipe econômica ainda não apresentou as suas armas. Quando revelar sua proposta é que a gente vai ver realmente o verdadeiro diálogo. Por enquanto, é só ensaio.
Será melhor uma votação única [em vez de fatiar a reforma como Bolsonaro chegou a sugerir]. Melhor uma batalha grande do que muitas batalhas.
Articulação política
Não vamos entregar cargo e dar mesada para que o cara aprove isso aí. O presidente tem conversado com todas as bancadas. Vem fazendo um trabalho de formiguinha.
A negociação pode girar em torno do que chamo de alta motivação. A baixa motivação é você conceder alguma coisa. A alta motivação é cooptar os nossos parlamentares para a necessidade dessas reformas, mostrando que eles também sairão engrandecidos por fazer parte desse processo.
EUA e China
As críticas [à aproximação de Bolsonaro com os Estados Unidos] partem de setores conhecidos pelo antiamericanismo infantil. Este governo tem uma visão altamente positiva dos valores da democracia americana. Mas até agora não houve nenhum movimento no sentido de deixar o Brasil pendurado nos EUA.
Você tem visto declarações esparsas, mas nada concertado. O presidente vai sentar com o comitê de relações internacionais, o ministro da Defesa, o ministro das Relações Exteriores, o pessoal de comércio exterior. Aí vamos definir a estratégia mais coerente. O que há, por enquanto, é só papo de botequim.
Cuba, Venezuela e Nicarágua
Não vejo problema [no veto à participação dos três países na posse de Bolsonaro]. Mas é muito mimimi. É um desgaste inútil, uma discussão estéril. Até porque essa turma está devendo para a gente. Estão devendo dinheiro para a gente. São os reis do calote.
Fabrício Queiroz
Queiroz falou o que foi falado e morre aí. O problema agora é da investigação que está sendo feita. Para mim é passado. O presidente disse que fez um empréstimo a ele. Queiroz diz que recebeu e pagou em dez vezes. Para mim, assunto encerrado. Nenhuma preocupação. Se Queiroz tivesse dito que não tinha recebido o empréstimo, aí era problema.