Não foi nenhum grande estudioso de redes sociais quem falou, mas um usuário assíduo do Twitter: "O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes".
O usuário é Jair Bolsonaro (PSL). E as afirmações, feitas no discurso de sua diplomação como presidente, em dezembro, dão uma mostra do peso que a plataforma adquiriu no país, pelas mãos do próprio eleito e de outros políticos, magistrados e autoridades.
Na "república do Twitter", a caixa com limite de 280 caracteres virou canal de anúncios oficiais, tretas e até poemas.
Bolsonaro replicou aqui o comportamento do presidente americano, Donald Trump. Na campanha, o brasileiro já usava seu perfil para comunicados. Eleito, passou a publicar lá nomes de futuros ministros e planos do governo.
A rede social do passarinho azul já era habitada por políticos jovens, mas a adesão da "velha guarda" ganhou um impulso nos últimos meses.
O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão (PRTB), por exemplo, criou uma conta em novembro, na trilha de Bolsonaro (único perfil, aliás, que o vice segue).
Mourão posta pílulas de sua agenda, já alfinetou a "mídia tradicional" (por insistir "em criar antagonismos na equipe vencedora do pleito") e publicou um vídeo de feliz Natal.
Em geral ignora ataques, mas às vezes interage com outros usuários. A um seguidor que lhe disse que "vice só atrapalha, talquei?", o militar da reserva respondeu com ironia, replicando a expressão associada a Bolsonaro: "Talquei! Mas esse é um paradigma que queremos quebrar".
Uma das críticas que se faz à escolha da plataforma como meio oficial de comunicação é a possibilidade de as autoridades se blindarem de questões incômodas e reagirem só quando for conveniente.
Por outro lado, há a tal "relação direta" exaltada por Bolsonaro. "Quanto mais o dono do perfil for claro e usar uma linguagem informal, mais o público adora", diz Emmanuel Publio Dias, professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e especialista em marketing político.
"Antes, o Twitter ficava sob o comando de assessores. Eram informações frias. Trump confere relevância à plataforma quando chega e começa a tuitar como um adolescente: dá notícias, demite secretários, xinga inimigos", continua Dias.
No Brasil, personalidades do poder também aprontam as suas na rede social. Tuiteiro desde agosto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) causou burburinho e cometeu gafes durante a campanha eleitoral.
Uma mensagem dele sobre o candidato a presidente ideal, sem citar nomes, foi considerada ambígua --uns acharam que era apoio ao nome de seu partido, o ex-governador Geraldo Alckmin, e outros viram um aceno a Bolsonaro.
FHC precisou fazer um post para deixar claro que se referiu a Alckmin. E escorregou de novo: escreveu o sobrenome do tucano sem o "c" (repetiria o erro mais três vezes e depois teria que se corrigir).
Já perto do segundo turno, voltou-se contra Bolsonaro, ao classificar como inacreditável um candidato à Presidência "pedir às pessoas que se ajustem ao que ele pensa ou pagarão o preço: cadeia ou exílio".
Para o especialista em marketing político Sergio Kobayashi, a chegada ao Twitter de pessoas como FHC, "que já não têm mais a abrangência e o espaço que possuíam quando eram ativos na vida pública", é uma tentativa de "ainda se fazerem presentes".
"É um meio em que os processos são instantâneos e o protagonismo é imediato, além de reverberar fora. Ganha quem souber trabalhar a ferramenta. Nesse aspecto, Bolsonaro é quem faz isso com mais eficiência", diz Kobayashi, que já trabalhou na comunicação do governo paulista e da prefeitura da capital.
O cenário político também não escapa aos comentários do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, outro tuiteiro ativo. "Uauuuuu. Democracia 200%", postou ele como comentário à notícia da proibição de entrada da imprensa no plenário do Congresso em um evento com Bolsonaro, em novembro.
Janot também usou a rede para declarar voto em Fernando Haddad (PT). "Não posso deixar passar barato discurso de intolerância", justificou, cutucando Bolsonaro.
O ex-procurador-geral costuma ainda curtir os posts de Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. O magistrado faz publicações diárias e nada convencionais: divulga versos.
À sua maneira, celebrou, por exemplo, o aniversário da Constituição: "Há 30 anos que a meta é uma fonte de nome Constituição. Banhar-se nela e beber das suas águas é tornar-se um obstetra da luz".
Por meio de "frases com pegada poética", como define, Ayres Britto reflete sobre a vida ("Não existe comida que não fique melhor com uma fatia de queijo por cima. E não existe pessoa que não fique pior com uma fatia de mágoa por dentro") e a política.
Um dia depois do primeiro turno, por exemplo, ele presenteou seus seguidores com esta: "A urna fala: só eu posso dizer quem vai governar o país. A Constituição completa: mas só eu governo quem governa. Só eu governo permanentemente quem governa transitoriamente".