“Eu gostaria de acreditar em Deus para Lhe agradecer, mas eu só acredito em Billy Wilder. Então, muito obrigado, senhor Wilder.”
Foi assim que Fernando Trueba discursou ao receber o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1994. No dia seguinte, ele recebeu um telefonema. “Fernando, aqui fala Deus”, disse Billy Wilder.
Quase 18 anos depois, Michel Hazanavicius prestou sua homenagem ao receber o Oscar de melhor filme por “O Artista”. “Quero agradecer a três pessoas. Agradeço a Billy Wilder, agradeço a Billy Wilder e agradeço a Billy Wilder.”
Todos têm direito à sua versão da Santíssima Trindade.
Billy Wilder nasceu na Áustria em 1906. Fugiu do Nazismo e escapou do Holocausto. O mesmo não ocorreu com muitos de seus parentes judeus, incluindo sua mãe.
Em 1934, ele foi ao consulado americano no México na tentativa de imigrar. Estava preocupado. Fugira às pressas de Berlim para evitar ser preso e carregara consigo poucos documentos. O cônsul perguntou-lhe o que fazia e respondeu que era roteirista. Obteve o visto com a recomendação: “Escreva alguns bons filmes”.
Eram tempos em que a Alemanha perseguia minorias e os EUA acolhiam imigrantes.
Billy Wilder não decepcionou. O imigrante que aprendeu inglês já adulto se tornou o talvez melhor roteirista da história do cinema americano. Ele foi um dos autores do clássico “Ninotchka”, dirigido por Ernst Lubitsch, a quem admirava pela elegância inesperada com que contava suas histórias.
Poucos anos depois, passou a dirigir seus roteiros e deixou-nos filmes memoráveis pela carpintaria surpreendente e diálogos inesquecíveis. Em seu escritório, havia uma frase emoldurada: “Como Lubitsch faria?”.
Foi o responsável pelo melhor noir, “Pacto de Sangue”, assim como pela sacrossanta comédia, “Quanto Mais Quente Melhor”. “Stalag 17” é uma vingança bem-humorada ao pesadelo das prisões na Segunda Guerra. Deixou-nos ainda “Testemunha de Acusação”, “A Montanha dos Sete Abutres” e “Se meu Apartamento Falasse”. Seu Dom Quixote é o trágico “Sunset Boulevard”.
Billy Wilder transformou o luto decorrente da opressão em entretenimento para os vivos, adaptando para o cinema o prazer do melhor teatro. A sua generosidade encontrou virtudes nos pecadores cotidianos, permitindo-nos rir de nós mesmos. Ele retribuiu em arte o que recebera em violência.
Rever seus filmes lava a alma nesta época de ânimos exaltados, em que sobram inquisidores à procura de demônios e faltam santos que concedam a graça aos diferentes.
Pena que Billy Wilder não tenha conhecido o Barão de Itararé. Depois de ser sequestrado e tomar uma surra em 1934, escreveu na porta da Redação do seu jornal: “Entre sem bater”.
Folha de São Paulo