sábado, 29 de dezembro de 2018

Conselheiro de Bolsonaro, general Heleno vai enfrentar uma nova guerra. Oficial de currículo invejável é conhecido por suas duras opiniões, que lhe custaram a chance de chefiar o Exército

Decano do grupo de militares que cercou o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro em sua vitoriosa campanha à Presidência, Augusto Heleno Ribeiro Pereira odeia ser chamado de eminência parda do mandatário que assumirá no dia 1º.
Nega ser político, mas politicamente virou o conselheiro-chefe da corte bolsonarista, sendo indicado para ocupar o GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Retrato do general Heleno, que vai ocupar o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no governo Bolsonaro
Retrato do general Heleno, que vai ocupar o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no governo Bolsonaro - Ariel Severino
Membro mais influente fora do círculo familiar de Bolsonaro, Heleno rejeita ser um Golbery do Couto e Silva, general das sombras que mandava e desmandava no fim dos anos 1970 e começo dos 1980, na ditadura militar.
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Aqui ele tem razão: sua visão política sempre foi dita à luz do dia, o que teve um preço. Ele passou pelo Gabinete Militar de Fernando Collor, mas sua carreira decolou numa gestão que abominava, a de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em 2002, assumiu o estratégico Centro de Comunicação Social do Exército. Em 2004, assumiu como primeiro comandante brasileiro de uma missão de paz das Nações Unidas, no Haiti.
Para críticos, o Brasil fez o serviço sujo de tentar estabilizar a ilha para os americanos. Para o Exército, a ação capacitou os 36 mil soldados que passaram pelos 13 anos de missão de forma única.
Heleno, criticado pelo uso da força em ações como a caçada ao líder criminoso Dread Wilme, em 2005, voltou para o Brasil laureado. Desembarcou no gabinete do comandante do Exército e, dois anos depois, assumiu o prestigioso Comando da Amazônia.
O curitibano tornou-se o mais notório líder militar na redemocratização. Sua vida como oficial superior, apesar de ele ter sido formado na ditadura, ocorreu após 1985.
Tudo indicava que ele viraria o comandante da Força, mas a língua ferina o abateu. Em palestra no Clube Militar do Rio em 2008, chamou a política indigenista de Lula de lamentável e caótica, em meio à discussão sobre a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol (RR), a que se opunha.
O desgaste o levou à burocrática Divisão de Ciência e Tecnologia no ano seguinte —posto que desprezava e que lhe rendeu uma reprimenda do Tribunal de Contas da União por contratos considerados irregulares.
Com apenas 63 anos e com as quatro estrelas do topo da hierarquia no ombro, passou à reserva em 2011. Foi impedido pelo então ministro da Defesa, Nelson Jobim, de proferir uma palestra final na qual defenderia que o golpe de 1964 salvou o país do comunismo.
Apesar dessa crença, de resto compartilhada pela cúpula do bolsonarismo, Heleno não é um saudosista da ditadura e nunca advogou intervenção militar, como fez em 2017 o agora vice-presidente, general Hamilton Mourão.
Ainda assim, explicitando as nuances das relações entre militares graduados, Heleno apoiou Mourão no episódio.
Na reserva, assessorou o Comitê Olímpico Brasileiro e passou a dar palestras sobre segurança e defesa.
E falava sobre política. Passou a criticar abertamente os governos petistas, e sua voz amplificada pelos canais dos clubes de oficiais da reserva reverberou. Tanto que alguns desses grupos começaram a divulgar, pela internet, a intenção de lançar Heleno à Presidência.
O impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 o aproximou de Bolsonaro. Eles eram velhos conhecidos: Heleno foi o treinador do então cadete conhecido como "Cavalão" na equipe de pentatlo moderno da Academia Militar das Agulhas Negras.
Heleno é entusiasta da visão militar da ocupação da Amazônia para conter o que considera infiltrações estrangeiras, discurso adotado por Bolsonaro. Já em 14 de setembro de 2015, o então deputado federal postou no Twitter a foto de um almoço com Heleno.
O militar, que em público sempre rejeitou a ideia de concorrer, resolveu que poderia auxiliar o ex-cadete e talvez se lançar ao Senado.
A partir de setembro de 2017, grupos começaram a discutir o plano de governo de Bolsonaro. Se a parte econômica era guiada por Paulo Guedes, o comando era de Heleno. Seu currículo e os então 70 anos (agora 71) lhe deram precedência hierárquica.
Filho de um professor do Exército, foi primeiro da classe na arma da cavalaria da escola de oficiais, Heleno sempre gostou de comandar.
Seus desafetos dizem que, por trás do discurso apolítico, há um voraz apetite por poder e controle.
O general ocupou espaços e é um dos poucos que fazem calar os loquazes filhos do eleito em discussões. É viciado em comunicação: conta que recebe de 500 a 700 mensagens diárias pelo WhatsApp.
Na campanha, Heleno ocupou-se também de um plano de segurança que espelha sua experiência no Haiti.
Foi, com Guedes e Onyx Lorenzoni (Casa Civil), um dos primeiros a ser nomeado para o ministério ainda na campanha —no caso para a Defesa. Acabou no GSI para ficar mais próximo do núcleo decisório do governo.
Bolsonaro atribuiu a ele a indicação do novo titular da Defesa, também general da reserva Fernando Azevedo e Silva. Heleno desconversa.
O ministro é um nacionalista como visões desenvolvimentistas, mas defendeu a venda da aviação civil da Embraer para a Boeing e agradou empresários paulistas no primeiro grande encontro com o candidato, em agosto.
Auxiliares não duvidam de que ele será ouvido quando a equipe liberal de Guedes fizer propostas impopulares.
Os entrechoques deverão vir daí e também do relacionamento com outro general de quatro estrelas da reserva em evidência: o vice Mourão.
Heleno era a escolha de Bolsonaro para o cargo, mas uma picuinha eleitoral do PRP, partido ao qual filiou-se em abril deste ano, lhe tirou a legenda.
Com isso, Bolsonaro pediu ajuda ao único aliado, o PRTB, que lhe deu o polêmico Mourão —cujo linguajar é menos diplomático do que o usado hoje por Heleno.
Durante a campanha, foi o general que aplacou a ira da família de Bolsonaro contra a tentativa de protagonismo que Mourão ensaiou após o atentado que tirou o candidato da campanha de rua.
Como o vice, Heleno é muito mais articulado do que o novo presidente ao expor ideias. Seu contato com a mídia, em que pese criticá-la sempre que possível e até responsabilizá-la pelo atentado, sempre foi franco e irrestrito.
Essa proximidade de perfil e o gosto pelo comando sugerem arestas futuras na corte. Amigos de Heleno dizem que ele sabe que não teve voto, então irá jogar pelas regras. O ar de Brasília colocará à prova a fama de que a relação entre ele e Bolsonaro é inoxidável.

Igor Gielow, Folha de São Paulo