Em um mandado de segurança impetrado pelo senador Lasier Martins (PSD-RS), o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, por medida liminar, que a eleição para os cargos da Mesa Diretora do Senado, que ocorrerá no dia 1.º de fevereiro de 2019, seja feita por meio de voto aberto dos senadores.
O próprio Senado Federal adotou mais de uma vez a sistemática da votação aberta para a eleição dos cargos da Mesa Diretora. O problema é que não cabe ao Poder Judiciário determinar – especialmente pela via monocrática, isto é, pela vontade um único ministro do STF – o funcionamento interno de outro Poder. Como marco fundamental do Estado brasileiro, a Constituição assegura o princípio da separação dos Poderes.
A decisão do ministro Marco Aurélio afronta o Regimento Interno do Senado, que, no art. 291, assegura que a votação será secreta nas eleições, por determinação do plenário e em algumas situações específicas, como exoneração do procurador-geral da República ou perda de mandato de algum senador.
A jurisprudência da Suprema Corte é pacífica no sentido de que as normas de caráter regimental do Congresso se qualificam como matéria interna corporis, sobre as quais compete exclusivamente ao Legislativo deliberar. A interpretação dessas normas deve ser feita exclusivamente no âmbito do Parlamento, sendo vedada sua apreciação pelo Poder Judiciário. Em respeito à separação e à autonomia dos Poderes, os atos interna corporisestão imunes ao controle judicial.
O problema da liminar, portanto, não está no fato de determinar que a votação seja aberta. Ela pode ser aberta ou fechada. Mas a forma de votação está na dependência exclusiva de uma deliberação do próprio Senado. Há previsão expressa no Regimento Interno da Casa de votação fechada para eleições. O equívoco da decisão do ministro Marco Aurélio reside na interferência indevida do Judiciário sobre outro Poder, agravado pelo fato de ser uma decisão monocrática contrária à própria essência colegiada do Supremo Tribunal Federal.
Ao dar a ordem liminar, o ministro Marco Aurélio disse que a publicidade das deliberações do Parlamento é a regra e que só poderia ser afastada em situações excepcionais. Não há dúvida de que a publicidade é a regra para os atos do Estado, seja qual for o Poder. No entanto, não compete ao Judiciário determinar quais são os casos excepcionais nos quais uma votação do Legislativo poderá ser secreta. Tal determinação deve ser feita pelo próprio Congresso, seja por meio do Regimento Interno da Câmara ou do Senado, seja por meio de deliberação do plenário, conforme consta no próprio art. 291 do Regimento Interno do Senado.
A votação aberta para a escolha da Mesa Diretora pode dificultar a ocorrência de algumas bizarrices, como a de alçar o senador Renan Calheiros à presidência da Casa. Após a renovação excepcional que as urnas promoveram nas cadeiras do Senado, seria uma aberração que o notório senador alagoano, com currículo e práticas políticas sobejamente conhecidos e acintosamente distantes do que se espera do novo Congresso, seja eleito mais uma vez presidente da Casa.
No entanto, o risco de uma escolha tão desacertada para a presidência do Senado não torna o Judiciário apto a se intrometer na definição sobre o modo como transcorrerá a votação da Mesa Diretora no dia 1.º de fevereiro de 2019. Cabe ao Senado a responsabilidade de definir a modalidade de votação e de escolher bem sua Mesa Diretora. O controle desses atos não é feito pelo Judiciário, e sim pela população, quando vai às urnas. A Constituição proíbe proposta de emenda constitucional tendente a abolir a separação dos Poderes. Como dizer, portanto, que um juiz respeita a Constituição quando, monocraticamente, fragiliza essa separação? Causa muitos danos ao País a ideia de que a atividade política deve ser tutelada incondicionalmente pelo Poder Judiciário. O desrespeito ao âmbito de cada Poder desprestigia a Constituição e afronta a democracia.