sábado, 1 de dezembro de 2018

Nelson Motta: "Brinco que minha vocação era ser o Facebook, porque eu vivia de curtir e compartilhar"

O jornalista e compositor Nelson Motta fez duas cirurgias na coluna e teve de reaprender a andar Foto: Leo Martins / Agência O Globo
O jornalista e compositor Nelson Motta fez duas cirurgias na coluna e teve de reaprender a andar Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Nunca tive uma vocação específica para o jornalismo. Eu era estudante de design, mas as aulas do Zuenir Ventura sobre comunicação e linguagem eram tão maravilhosas que fui fazer estágio no Jornal do Brasil . Três meses depois, fui contratado e larguei a faculdade. Então começou assim, digamos, por acaso. Fui trabalhar com jornalismo cultural no Caderno B. Logo ganhei minha coluna diária no Última Hora com o Samuel Wainer, onde escrevíamos sobre juventude, cinema, televisão e cultura. Eu tinha 22 anos. Mas meu amor não correspondido pela música me tornou especialista em jornalismo cultural musical. Foi a maneira que encontrei de me manter ligado à música sem ser um músico instrumentista. Eu era, ao mesmo tempo, jornalista e compositor. Como letrista, ganhei um festival com Dori Caymmi.

Logo no início, decidi que nunca perderia um amigo por nenhuma notícia e cumpro a promessa até hoje. Considero que meus leitores foram beneficiados porque, como eu convivia entre os dois campos, tinha acesso a informações em primeira mão.
Minha experiência como crítico e jornalista me ajudou muito a me inventar como produtor musical. Comecei com trilhas de novelas e logo já estava produzindo discos da Elis Regina. Cansado da indústria corporativa, abracei uma nova carreira com a boate Dancin’ Days, que nasceu de um retumbante fracasso. O festival de música de Saquarema de 1976 me levou à falência. Sua repercussão na imprensa, no entanto, fez com que a imobiliária dona do Shopping da Gávea me convidasse para fazer o que quisesse naquele espaço. Na década de 70, pouca gente sabia o que era um shopping. Eles bancaram todos os gastos. Montamos uma discoteca em duas semanas. Virei empresário da noite. Eu queria ser produtor de festivais de rock, mas isso era algo perigosíssimo no Brasil da ditadura. Tudo eles achavam que era reunião de subversivos. Mas, lá dentro da Dancin’ Days, valia tudo. Era uma ilha de liberdade, no meio de um clima péssimo em volta.
Nelson Motta, o segundo da direita para a esquerda, assiste à interpretação de “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, por Cynara e Cybele no III Festival Internacional da Canção, em 1968 Foto: Arquivo Globo
Nelson Motta, o segundo da direita para a esquerda, assiste à interpretação de “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, por Cynara e Cybele no III Festival Internacional da Canção, em 1968 Foto: Arquivo Globo

Até os meus 40 anos, eu praticamente vivia na noite. Ia dormir às 7 da manhã todo dia. Com meus 40 anos, não sei exatamente por que, troquei a noite pelo dia e passei a acordar às 7 da manhã para caminhar no calçadão de Copacabana. Voltei ao jornalismo. Morei quatro anos na Itália, onde escrevia para alguns jornais e trabalhava na Globo internacional, produzindo e vendendo programas de música.
Quando voltei ao Brasil, em 1987, não tinha casa, trabalho, namorada, nada. Era um recomeço. Reencontrei Marisa Monte e produzi os primeiros shows e o primeiro disco dela, o que foi uma virada em minha vida e na da Marisa principalmente. Usei tudo que tinha aprendido como crítico de música e produtor de discos comerciais e fiz tudo como achava que deveria ser, mas que nunca tinha feito em gravadoras.
Dirigi a temporada do Djavan e uma turnê mundial da Gal Costa nos Estados Unidos, no Japão, na Europa e na América Latina. Tomei um certo gosto pela direção de shows. Mas logo depois veio o Collor, e fui morar nos Estados Unidos. Voltei ao jornalismo pelas mãos do Lucas Mendes e do Paulo Francis, ganhei uma coluna no Estado de S. Paulo , fiz curso de comentarista internacional e fiquei nove anos nos EUA. Produzi alguns discos gospel com o coral Mount Moriah, do Harlem. E de novo voltei ao Brasil, em 2000. Minha filha Nina havia terminado os estudos e queria ser atriz no Brasil. Meu primeiro neto havia nascido e meus pais estavam velhinhos. Não fazia mais sentido ficar lá.
Foi em Nova York que virei escritor profissional. Meu primeiro livro foi um guia cultural da cidade, uma sugestão do Zuenir Ventura. Logo em seguida, queria escrever uma biografia do Tim Maia, mas não havia quem autorizasse legalmente após sua morte. Fiquei frustrado e pensei: por que não misturar as histórias do Tim com histórias que vivi com Elis Regina, Roberto Carlos, João Gilberto, Caetano Veloso, todos os meus amigos de uma vida? E assim nasceu o Noites tropicais , meu maior sucesso literário.
Esse foi o momento mais marcante da minha carreira jornalística. Noites tropicais tem uma linguagem pessoal. São memórias, mas é jornalismo também. A partir de então, passei a escrever praticamente um livro por ano. Escrevi três romances, entre eles O canto da sereia , que virou uma minissérie maravilhosa. Mas o livro do Tim Maia virou um musical de sucesso que ficou três anos em cartaz. Gostei de escrever, de estar no mundo da fantasia. Fui chamado para escrever sobre Elis Regina, uma peça luxuosa. Em seguida veio o Wilson Simonal, um tema polêmico, mas com uma produção incrível. Recentemente, escrevi Dancin’ Days , o musical que mais me dá alegria em fazer.
Agora voltei para a televisão. Sempre estive presente nas telas entre idas e vindas. Meu novo programa, Em casa com Nelson Motta , é uma soma de todas as minhas vivências, amizades, testemunhos, minha experiência de jornalista. A ideia é mostrar personagens de um jeito coloquial, com trechos de músicas e filmes. E isso é feito dentro de minha casa. Havia dito que nunca abriria as portas para nenhuma revista, mas assim como a Dancin’ Days surgiu de um fracasso, esse programa nasceu porque, há um ano e meio, fiz duas cirurgias na coluna e fiquei três meses sem andar.
Foi um processo penoso. Precisei aprender a andar de novo. Meus fisioterapeutas e minhas filhas foram muito importantes nesse momento. Agora meu neto de 20 anos mora comigo e eu também tenho meu gato, Max, de 10 anos. Logo que voltei do hospital, eu não andava, mas continuei gravando minha coluna do Jornal da Globo em casa. Recebi tantas mensagens de pessoas elogiando que pensei: vamos manter. E, mesmo depois que me recuperei, continuamos gravando em casa. Foi assim que surgiu a ideia do programa.
Posso dizer que esse é meu emprego dos sonhos. Hoje em dia, eu não aceitaria nada que tivesse de fazer todos os dias. Vivo da minha dispersão — assim, nunca fico entediado. Estou sempre mudando de linguagem. Em televisão, há muita gente. Já escrever é um processo solitário. Eu adoro essas participações, mas cada uma de seu jeito.
Eu tenho uma carreira de carreiras. E, para isso, é preciso certa coragem. É isso que me coloca para a frente, é o desafio de uma nova linguagem. Fico entusiasmado, vivo disso. Meu pai dizia que quem recebeu mais tem de dar mais. Desde a caridade até a amizade, relações de trabalho, em tudo. Eu me considero um privilegiado, um sortudo. Recebi muito da vida e tento dar o máximo possível. E a melhor forma é compartilhar isso com as pessoas.
Sempre brinco que minha vocação era ser o Facebook, porque eu vivia de curtir e compartilhar. Em minhas colunas de jornal, a vida inteira, eu procurava artistas novos e recomendava as novidades. Tudo que eu curtia, eu compartilhava com as pessoas. E vou continuar curtindo e compartilhando.

Nelson Motta em depoimento a Larissa Infante, Epoca