Quem achava que a despedida de Adriana Lima da passarela da Victoria’s Secretfoi o lance mais dramático do último desfile da marca não sabe a realidade do mundo do varejo de hoje. Nem das muitas batalhas da guerra cultural.
Mal secaram as lágrimas de emoção da modelo baiana em seu desfile de aposentadoria – na provecta idade de 37 anos –, e começaram a voar penas para todo lado.
E não eram das asas que enfeitam as modelos mais destacadas do desfile anual que deixa homens do mundo inteiro em estado de alta ansiedade.
A executiva-chefe, Jan Singer, foi demitida por não corresponder às expectativas quase impossíveis: segurar o sangramento nas 1.170 lojas de calcinhas, sutiãs e outras coisinhas sensuais em todo o mundo, um negócio espantosamente bem sucedido pelos produtos e a decoração de boudoir quando foi lançado, mas hoje afetado pela concorrência mais quente, as vendas online e mudanças comportamentais.
Nesse último capítulo, obviamente, figura o centro fundamental do modelo de negócios da empresa: colocar as mulheres com os corpos mais espetaculares do mundo das modelos – pelo menos 1,75 metro de altura, menos de 50 quilos e máximo de 90 de quadris – rebolando de calcinha e sutiã, com enfeites, plumas, brilhos e “empatia”.
Ao contrário dos desfiles de moda convencionais, onde as modelos são sérias e inatingíveis, o evento da Victoria’s Secret incentiva as beldades a dar tchauzinho, mandar beijos e interagir com o público.
Com isso, uma geração de modelos brasileiras, descontraídas além de lindas, com aquele jeitinho de andar que as outras passaram a imitar, fez fama e fortuna.
Gisele Bündchen começou aos 19 anos, em 1999, e aposentou as asas em 2006, depois de praticamente virar a “cara” da marca – e os seios, naturalmente, projetados pelos sutiãs cobertos por pedras preciosas, outro lance genial de marketing.
Alessandra Ambrosio fez o último desfile no ano passado, aos 36 anos, praticamente um espanto nesse mundo. Agora foi a vez de Adriana Lima, outro prodígio de sobrevivência.
Famosas ou estreantes, todas tiveram que passar pelo teste da forma, lapidada com disciplina militar e vontade de ferro, muitas vezes poucos meses depois de darem a luz.
É claro que colocar jovens seminuas, com seus corpos de perfeição quase sobrenatural orgulhosamente exibidos, é uma ideia que encontra alguns problemas no mundo atual, em especial nos Estados Unidos.
Só para lembrar: o concurso Miss América decidiu em junho que não fará mais o desfile de maiô ou biquíni. “Não vamos mais julgar as candidatas pela aparência física”, disse a direção.
E as candidatas vão fazer o quê? Vestibular? Qual a lógica de um concurso de miss que pula o pedaço da “aparência física”?
Julgar mulheres pela aparência física tem sido um hábito da humanidade desde que o pobre Páris foi obrigado a escolher a mais bela entre Hera, Atenas e Afrodite.
A ganhadora obviamente fez o jogo mais sujo: prometeu a ele não a responsável pela redação nota mil no Enem, mas a mulher mais deslumbrante do mundo. Seguiu-se a Guerra de Tróia, um dos mitos fundadores da civilização ocidental.
A qual, no momento, não anda muito favorável ao exibicionismo feminino, mesmo quando voluntário e bem remunerado, não produto da objetificação das despoderadas.
Isso se forem mulheres com cromossomos sexuais do tipo XX. Se tiver um Y no meio, é quase obrigatório que sejam mostradas ao mundo em toda a sua glória.
Foi uma discussão do tipo que encrencou outro executivo da Victoria’s Secret, o diretor de marketing Ed Razek. Numa entrevista à Vogue, ele disse em tom algo exasperado que a marca construiu um mundo de fantasia com características específicas, sem espaço para modelos plus size – todo mundo sabe o que significa – e outras novidades
“Vivem perguntando por que vocês não põem um manequim número 50? Ou número 60? Não deviam ter transexuais no show? Não e não. Acho que não. O show é uma fantasia, é um especial de entretenimento de 42 minutos. É único no mundo. Qualquer competidor pegaria na hora.”
Não é preciso nem dizer que já tem abaixo-assinado pedindo a cabeça de Ed Razek. Inclusive por usar a palavra “transexual” em lugar da politicamente correta “transgênero”.
A Victoria’s Secret pertence à L Brands, conglomerado sediado em Columbus, Ohio, um dos lugares menos trepidantes do mundo. O dono é Les Wexner, um homenzinho frugal de 81 anos – só perde para Warren Buffett como bilionário mais velhos na ativa.
Abrir e fechar lojas é um processo natural para Wexner. Atualmente, está fechando a rede Henri Bendel.
Ele entende a concorrência das compras online, mas segue uma filosofia simples. Quem compra no mundo digital está procurando algo específico. Quem vai a lojas físicas acaba surpreendido por alguma coisa quem nem sabia que queria comprar.
Calcinhas e sutiãs cheios de laços, rendas, fendas e outros frufrus estão ficando superados? O mercado mudou e Lex Wexner não viu? O mundo será um lugar melhor sem o desfile anual das diabinhas chamadas de Angels? Ou um desfile inteiramente feito por modelos trans vai reposicionar a marca, entre outros atributos?
Aguardem respostas no desfile do ano que vem.
Vilma Gryzinski, Veja