Nas eleições legislativas desta terça-feira nos Estados Unidos, que podem decidir os rumos dos últimos dois anos do mandato do presidente Donald Trump, os eleitores locais, que em 2016 foram decisivos para a vitória do republicano no estado, tendem a ser novamente cruciais. O paradoxo é que, com os bolsos cheios, voltaram sua preocupação para questões sociais e tendem a votar de novo nos democratas, como faziam historicamente.
— A vida das pessoas está boa, todos têm emprego. E, agora, não importa só a economia. Não queremos mais governantes com um discurso que incentiva o ódio — afirmou a webdesigner Debby Ward, de 56 anos, que mora em Carnegie, subúrbio de Pittsburgh.
Pesquisas indicam que a avaliação de Debby pode ser a dominante. Não apenas na área metropolitana de Pittsburgh, onde moram 2,4 milhões de pessoas, como em todo o chamado Cinturão da Ferrugem — região que sofre com o declínio industrial americano, via sua população encolher a cada ano e sentia-se esquecida pelos governantes. Agora, por diversos motivos, os estados de Pensilvânia, Ohio, Michigan, Indiana, Wisconsin, Virgínia Ocidental e uma parte de Nova York parecem ter deixado a crise para trás.
Há dois anos, Trump e a democrata Hillary Clinton concentraram a fase final das campanhas no Cinturão da Ferrugem. A estratégia surpreendeu especialistas, que imaginavam que ambos deveriam estar nos “estados-pêndulo”, que a cada eleição escolhem um partido, como a Flórida.
Na apuração, a estratégia dos candidatos foi explicada. Trump teve vitórias apertadas em estados antes tido como fiéis aos democratas, o que o ajudou a chegar à Casa Branca. Por apenas 68 mil votos, por exemplo, ele conquistou todos os 20 delegados do colégio eleitoral da Pensilvânia, um peso considerável na sua luta pelos 270 delegados necessários para a vitória.
No total, os estados do Cinturão da Ferrugem deram 80 votos a Trump no Colégio Eleitoral, um em cada quatro obtidos pelos republicano, que ao final conseguiu contabilizar 306 votos na instância que formalmente elege o presidente americano. Essa força surpreendeu, pois a região era considerada um feudo democrata, devido à forte influência dos sindicatos.
A vantagem de dois anos atrás não deve se repetir agora, quando serão renovados os 435 deputados, 35 dos 100 senadores e 36 dos 50 governadores, além de diversos cargos locais por todo o país. Em jogo, está a maioria republicana na Câmara e no Senado.
— Em vários estados do Cinturão da Ferrugem as disputas estão muito apertadas, mas vemos que os democratas devem se sair melhor que em 2016 — afirmou ao GLOBO Robert Schmuhl, professor de Ciências Políticas da Universidade Notre Dame, no estado de Indiana.
Placas de “contrata-se” estão por todos os lados na região de Pittsburgh. Há anúncios de novos empreendimentos, inclusive indústrias. Prédios são erguidos para escritórios e residências, indicando que a população voltou, e com poder aquisitivo. Parte disso se deve à estratégia adotada por essas regiões de investir em inovação. Assim, a siderurgia cedeu espaço aos setores de alta tecnologia, medicamentos e produtos químicos. As políticas de Donald Trump turbinaram um crescimento econômico que já vinha dos anos de Barack Obama.
— Não podemos esquecer que há poucos anos estávamos em uma crise sem fim, e hoje voltamos a andar de cabeça erguida. Não é só o Steelers que nos dá orgulho — afirmou James Bailey, metalúrgico de 62 anos e morador de Beaver, referindo-se ao Pittsburgh Steelers, time local que é o recordista em títulos nacionais de futebol americano. — Trump ajudou a reerguer nossa região.
Mas não é só isso que importa. A região sentiu na pele o resultado da polarização política, e seus moradores creditam isso, em parte, ao discurso agressivo do presidente. No sábado retrasado, Pittsburgh foi palco de uma chacina, quando um atirador matou 11 pessoas em uma sinagoga. A tragédia ajudou a pavimentar o discurso de que não são apenas os empregos que importam na hora de votar.
— Foi muito mais fácil para mim agora conseguir estágio do que para a minha irmã mais velha. Mas prefiro não ter emprego a ser assediada. Não poderia votar em um partido que ajudou a acobertar assediadores — afirmou a estudante June Carthy, de 21 anos. — Vejo que muitas mulheres que optaram por Trump agora estão engajadas pelos democratas.
Distritos redesenhados
A posição de Carthy explica porque o democrata Conor Lamb está na dianteira do rival republicano Keith Rothfus na disputa pela vaga de deputado federal pelo 17º distrito da Pensilvânia, que abrange o Norte de Pittsburgh e condados vizinhos. Nas pesquisas, o democrata tem 12 pontos de vantagem sobre o republicano.
Os dois já estão no Congresso e portanto concorrem à reeleição, mas como neste ano os distritos eleitorais foram redesenhados, agora disputarão a mesma vaga. Em 2016, Rothfus venceu no então 12º distrito eleitoral do estado, onde Trump também foi vitorioso. Já Lamb foi eleito no começo do ano para um mandato tampão pelo antigo 18º distrito, que foi fundido com o de Rothfus.
No estado, esse redesenho ajudou os democratas, que também são beneficiados por um número recorde de mulheres concorrendo a diversos cargos, dando vantagem ao partido na mobilização feminina impulsionada pelo Me Too, o movimento contra o assédio sexual.
A retórica divisiva de Trump — pela qual muitos também responsabilizam o envio de pacotes-bomba a lideranças democratas por um eleitor republicano radicalizado, no mês passado — e a mobilização das mulheres no campo democrata tendem a fazer a diferença mesmo com a bonança econômica.
Como estas eleições legislativas se tornaram um referendo sobre Trump, os candidatos do seu partido podem ser punidos, contaminados pela alta rejeição ao presidente na região. Resta saber o que falará mais alto, o medo ou o bolso:
— As eleições no Cinturão da Ferrugem serão muito importantes, particularmente nos subúrbios das regiões metropolitanas, que em 2016 foram com Trump. Agora estão divididos — disse ao GLOBO Clifford Young, do instituto de pesquisas Ipsos. — Há uma tendência de mais votos em democratas, mas depende muito do comparecimento dos eleitores de minorias, mulheres e jovens. Se mais pessoas forem votar, melhor para a oposição a Trump.
Henrique Gomes Batista, O Globo