quinta-feira, 26 de abril de 2018

O que os delatores da Odebrecht disseram de Lula, e o STF tirou de Moro

João Pedroso de Campos, Veja


A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (24) tirar das mãos do juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato em Curitiba, os trechos das delações premiadas de executivos da Odebrecht com relatos que incriminam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Três dos cinco ministros do colegiado entenderam que os fatos ali narrados não têm relação com o esquema de corrupção na Petrobras e, portanto, não devem ficar no braço paranaense da Lava Jato.
O petista é réu em duas ações penais sob responsabilidade do magistrado que envolvem supostas propinas pagas pela empreiteira. Com a decisão do colegiado de enviar as delações à Justiça Federal de São Paulo, os processos ficam “esvaziados”, sem os depoimentos e provas apresentados pelos delatores.
Em uma das ações, Lula é réu por supostamente ter recebido 1 milhão de reais em propina de Odebrecht, OAS e Schahin por meio das reformas no Sítio Santa Bárbara, em Atibaia, frequentado pelo petista e sua família. O outro processo trata do suposto pagamento de 12,9 milhões de reais em vantagens indevidas pela Odebrecht ao ex-presidente por meio das compras de um terreno que abrigaria o Instituto Lula, em São Paulo, e de uma cobertura vizinha à de Lula em São Bernardo do Campo (SP).
Veja abaixo os relatos que, com a decisão do STF, saem da alçada de Moro e vão à Justiça Federal paulista:

Processo sobre sítio em Atibaia

Segundo Léo Pinheiro, Lula pediu a ele que cuidasse da reforma do “seu” sítio em Atibaia. A propriedade está registrada em nome de um sócio de Fábio Luís da Silva, filho do ex-presidente

Emílio Odebrecht

Relata que o pedido para que a Odebrecht assumisse as obras no sítio de Atibaia foi feito ao executivo Alexandrino Alencar pela ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, que pretendia fazer uma “surpresa” a Lula quando ele deixasse a Presidência da República, no fim de 2010. As reformas na propriedade já estavam em curso, mas, conforme o empresário, Marisa estava preocupada com a lentidão da obra. A conversa entre Alexandrino e ela aconteceu, segundo Odebrecht, em um aniversário de Lula naquele ano.
Emílio Odebrecht conta ter autorizado a execução da obra e pedido a Alexandrino Alencar que orientasse o diretor da Odebrecht em São Paulo, Carlos Armando Paschoal, a conduzir o trabalho. “Eu disse [a Alexandrino]: ‘você vai verificar com nosso diretor de São Paulo, fale em meu nome, diga pra identificar uma pessoa, não quero envolver a Odebrecht, que seja alguém que ele destaque e esse alguém contrate pessoas de fora pra ver o que é aquilo e me diga inclusive qual é o valor’”. O executivo teria informado que, em uma primeira estimativa, a obra custaria 500.000 reais, valor que, de acordo com Emílio Odebrecht, ficou “até um pouco superior a 700.000 reais”.
Odebrecht afirma que, apesar do pedido da mulher do petista para que ele não ficasse sabendo da obra, resolveu comentar o assunto com o então presidente em uma reunião no Palácio do Planalto, no penúltimo dia de mandato de Lula. “E aí eu disse ‘olhe, chefe, o senhor vai ter uma surpresa. Nós vamos garantir o prazo que nós tínhamos dado naquele programa lá do sítio’. Ele não fez nenhum comentário, mas também não botou nenhuma surpresa, eu entendi já não ser mais surpresa, ele já estava sabendo”, contou o delator. “Ficou pronto, se não me engano, no dia 10 ou 15 de janeiro”, diz Odebrecht.

Alexandrino Alencar

Confirma ter recebido o pedido de Marisa Letícia Lula da Silva para que a empreiteira assumisse as obras no sítio Santa Bárbara, já que ela entendia que as obras tocadas por uma equipe contratada pelo pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, estavam lentas. O delator cita como interlocutor indicado pela ex-primeira-dama o ex-assessor especial da Presidência Rogério Aurélio Pimentel.
Alexandrino revela como a empreiteira adotou procedimentos para não deixar rastros de que havia executado a obra do sítio para Lula: “Em função da sensibilidade do processo, nenhum dos nossos funcionários usou macacão da Odebrecht e as compras de materiais foram feitas na região, todas com dinheiro vivo”, diz. O executivo conta que dona Marisa chegou a vistoriar as obras do sítio de Atibaia.
Segundo Alexandrino Alencar, o valor final da reforma do sítio foi de 1 milhão de reais. Para justificar os investimentos, a empresa contratada pela empreiteira para fazer a obra emitiu notas fiscais falsas no nome de Fernando Bittar, um dos proprietários formais do sítio, para simular o pagamento dos custos da obra. A manobra foi realizada, segundo Alexandrino, a pedido do advogado de Lula Roberto Teixeira: “Em março de 2011, eu recebo uma ligação do advogado Roberto Teixeira, advogado da família Lula, pedindo que eu fosse até o escritório dele. Fui lá e ele estava preocupado como é que poderia aparecer essa obra sem vínculo com os proprietários do sítio (Fernando Bittar)”, narra Alexandrino.

Carlos Armando Paschoal

Diz ter recebido de Alexandrino Alencar uma solicitação para “ajudar na reforma de uma casa que seria do ex-presidente Lula”. A tarefa foi passada ao engenheiro Emyr Diniz Costa, que deveria contratar outro profissional para tocar as obras pedidas por Alexandrino. “O Emyr assim fez e, na semana subsequente, volta até mim e me relata que o tal do apoio não é uma coisa muito simples, que é mais que um simples apoio, era botar gente, ia ter um custo estimado aí de uns 500.000 reais”, afirma.
Conforme Carlos Armando Paschoal, a estimativa de custo foi feita pelo engenheiro Frederico Barbosa, escolhido por Costa Diniz para conduzir as reformas. O executivo diz ter encaminhado o pedido de Alexandrino Alencar internamente como “assunto muito importante e de interesse da holding”.

Emyr Diniz Costa

Confirma ter sido orientado por Carlos Armando Paschoal a procurar um engenheiro “de confiança” para tocar as obras no sítio. Relata que escolheu Frederico Barbosa para a tarefa e lhe passou o telefone de Rogério Aurélio Pimentel, ex-assessor de Lula, para que os dois tratassem entre si da condução da reforma.
Segundo Emyr Diniz Costa, as obras solicitadas por Aurélio consistiam em “uma pequena casa para alojamento de seguranças do presidente da República, a construção de uma edícula de quatro suítes próxima à casa principal do sítio, a construção de duas áreas de depósito, uma que seria usada para quarto de empregada e a outra pra adega do então presidente, a construção de uma sauna perto da piscina e o conserto de um vazamento da piscina e a expansão de uma parte da piscina. Teve também a conclusão de um campo de futebol society de grama, construir o alambrado, grama, essas coisas”. Conforme Diniz Costa, o ex-assessor de Lula ainda havia feito outros pedidos, como um pomar e a ampliação dos lagos do sítio, mas não foi possível atendê-los porque o prazo exigido para a conclusão da obra era de apenas 30 dias. O engenheiro afirma que Aurélio consultava Marisa Letícia quando havia dúvidas.
Diniz diz que estimou os custos em 500.000 reais e Carlos Armando Paschoal autorizou a despesa. O dinheiro saiu do departamento de propinas da Odebrecht e foi recebido pelo próprio Emyr Costa, mediante apresentação de uma senha fornecida por uma funcionária do setor. “Comprei um cofre, coloquei dentro de um armário na minha sala e, semanalmente, eu separava 100.000 reais, colocava em um envelope pardo fechado, entregava ao Frederico, que entregava ao Aurélio para fazer os pagamentos”, relata o engenheiro, que disse ter recebido mais 200.000 reais, da mesma forma, para o custeio da obra.
O engenheiro confirma ainda o relato de Alexandrino Alencar a respeito da reunião no escritório de Roberto Teixeira, para “explicar como foi construída a reforma” e “bolar uma forma de regularizar essa construção de forma que não parecesse que essa obra foi feita para benefício do ex-presidente Lula nem tampouco pela construtora Odebrecht”.

Processo sobre Instituto Lula e cobertura

Sérgio Moro ordena sequestro de apartamento que seria de Lula O Edificio Hill House, em São Bernardo do Campo (SP), onde mora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
O Edificio Hill House, em São Bernardo do Campo (SP), onde mora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress)

Marcelo Odebrecht

O empreiteiro relata que, no final de 2010, combinou com o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci que “reservaria” 35 milhões de reais da conta de propinas que mantinha com ele e deixaria o valor à disposição do “projeto político” de Lula para depois que ele deixasse a Presidência. Era a “conta Amigo”, segundo Marcelo Odebrecht, uma referência ao codinome do petista no departamento de propinas da empreiteira.
Neste mesmo ano, foi procurado pelo pecuarista José Carlos Bumlai e pelo presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, que lhe consultaram sobre a possibilidade de a Odebrecht comprar um terreno onde seria construída a sede do instituto que leva o nome do ex-presidente.
“Bumlai e Okamotto vieram falar comigo sobre o interesse que eles tinham de adquirir um terreno que seria a futura sede do instituto Lula. Queriam saber se a gente poderia adquirir esse terreno para depois doar pro instituto. Eu disse pra eles que ‘ok’, eu já tinha provisionado o valor com o Palocci, desde que Palocci aceitasse descontar eu podia comprar e depois doava”, diz Odebrecht.
Segundo o empreiteiro, a compra do terreno, por 12,4 milhões de reais, foi feita primeiramente pela DAG Construtora, de Demerval Gusmão, um amigo seu de longa data. O ex-presidente, no entanto, vetou a construção do instituto no local e o imóvel foi descartado. Conforme Marcelo Odebrecht, a Odebrecht Realizações Imobiliárias comprou o terreno da DAG para ressarci-la e, quando o vendeu, o valor voltou à conta de propinas destinada ao “projeto político” de Lula.

Alexandrino Alencar


Diz não ter participado das tratativas para a compra do terreno onde seria erguido o Instituto Lula, mas que sabe que o imóvel foi escolhido por José Carlos Bumlai e o advogado Roberto Teixeira e Marcelo Odebrecht decidiu comprá-lo, utilizando a DAG Construtora. “Esse imóvel teria custado algo em torno de 12 milhões de dólares. Foi feita a aquisição e eu soube através do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, que tanto o presidente quanto a ex-primeira-dama Marisa Letícia teriam ido ao imóvel, não acharam adequado para as finalidades do instituto e desistiram do imóvel”.