"Strike” de Toffoli
No recesso branco da semana passada, o Supremo fez um “strike” ao libertar condenados que, há tempos, são arroz de festa e símbolos no noticiário da corrupção. Aplainou, assim, o caminho para o habeas corpus (HC) a favor do ex-presidente Lula na próxima quarta-feira e para a revisão da prisão em segunda instância mais adiante.
O procurador e ex-senador Demóstenes Torres, uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso, foi cassado, condenado e estava inelegível até 2023, mas obteve uma liminar para disputar as eleições deste ano. Um espanto!
O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, conhecidíssimo há décadas por suspeitas de corrupção e tráfico de influência, ganhou um HC para sair da cadeia de Benfica e curtir sua condenação no lar, doce lar, da Barra da Tijuca, sem tornozeleira. Uma mudança e tanto.
Na quarta-feira, o (ainda) deputado Paulo Maluf, que frequenta o noticiário policial desde os anos 1980 e foi condenado por crimes de quando era prefeito de São Paulo – de 1993 a 1996! –, passou mal de madrugada e ganhou um presentão no início da tarde: um HC para sair da Papuda, pegar uma UTI móvel e pousar anteontem na sua mansão dos Jardins, em São Paulo. Também sem tornozeleira.
Picciani, 62, tirou um câncer e tem sequelas importantes. Maluf, 86, tem problemas cardíacos e diabetes. Mas por que eles estavam presos nessas condições? Porque usaram de seus cargos, de suas fortunas ou de uma infinidade de recursos para não serem presos quando deveriam ter sido. Agora, quando são, alegam que não podem mais ser...
Por trás das decisões a favor de Demóstenes, Picciani e Maluf, o mesmo ministro, com a mesma caneta: José Antonio Dias Toffoli, que não tinha doutorado nem mestrado, tinha levado duas bombas para juiz e só virou ministro da mais alta corte porque Lula quis. Ex-advogado do PT e advogado geral da União no governo Lula, ele pode até ser uma boa figura, mas lhe faltavam predicados para o Supremo.
Nos HCs de Picciani e Maluf, Toffoli foi contra a posição do relator da Lava Jato, Edson Fachin. Especificamente no de Maluf, foi além: desautorizou uma decisão em sentido contrário dada em dezembro por Fachin, o que não chega a ser inédito, mas também está longe de ser trivial. Fachin mandou prender Maluf, Toffoli mandou soltar três meses depois.
Essa onda de bondades de Toffoli gerou projeções. A primeira é sobre o HC preventivo que pode livrar Lula da prisão na quarta-feira. Decisão difícil: o réu é Lula, a prisão em segunda instância passou por 6 a 5 em 2016, há pressões de todos os lados e 1,5 mil juízes e procuradores entregam manifesto amanhã à corte na linha de Sérgio Moro: contra a mudança.
Ao beneficiar Demóstenes, Picciani e Maluf, o ex-advogado do PT Dias Toffoli estava aplainando o terreno para amenizar o impacto de uma decisão pró Lula? Sem falar que ele é da segunda turma do STF, que livrou o líder do governo, Romero Jucá, e o empresário Jorge Gerdau no inquérito da operação Zelotes. Em seu voto, Toffoli acusou a denúncia da PGR de tentativa de “criminalizar a política”.
A outra projeção é sobre o STF após setembro, quando Toffoli substituirá Cármen Lúcia na presidência, num momento crucial para a Lava Jato e para políticos com mandato, do PT, PSDB, PMDB, PP, PTB.... Aliás, o mesmo Toffoli tinha pedido vistas do fim do foro privilegiado e o tema voltará à pauta em maio.
O foco estava em Cármen, Gilmar, Barroso e Rosa Weber, mas é Toffoli quem agora atrai todos os holofotes, a meses das eleições e quando está em jogo o destino do padrinho Lula. Audácia o ministro mostrou que tem. Até ao assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, apesar de tudo.