domingo, 1 de abril de 2018

Cinquenta anos após morte de Martin Luther King...

Henrique Gomes Batista, O Globo


SELMA, MONTGOMERY, BIRMINGHAM, MEMPHIS, LITTLE ROCK e FERGUSON, EUA - Os passos de Martin Luther King continuam sendo renovados por negros em todos os Estados Unidos. Por pessoas como Daniel Henry, estudante de 21 anos, que foi de Houston (Texas) a Selma (Alabama) refazer a travessia da Ponte Edmund Pettus, palco da luta pelo voto livre, marcada pela liderança do líder assassinado em 4 de abril de 1968. O ato do universitário não é apenas uma homenagem, mas o reconhecimento de que o sonho do dr. King, como é chamado, está longe de ser uma realidade: os americanos ainda convivem com graves problemas raciais.

— Temos o dever de continuar a luta iniciada por eles. Os negros ainda são discriminados. A luta dos direitos civis está longe do fim — disse Henry, que, com uma bandeira Pan-Africana, liderou a travessia do grupo de 30 estudantes, que havia encarado mil quilômetros de ônibus refazendo a rota dos direitos civis e que em sua marcha entoavam: “O que queremos? Justiça! Quando? Agora!”.

O racismo não está definido em lei como na época da luta de Luther King, mas segue enraizado no cotidiano, na falta de oportunidades e nos bolsos dos negros americanos. A segregação silenciosa é notada de qualquer ângulo que se olhe: há mais negros que brancos nas cadeias, a pobreza os castiga com o triplo da força que aflige os descendentes de europeus e — apesar de Barack Obama ter chegado à Casa Branca — a política nacional não reflete a demografia nos postos de comando do país. Os Estados Unidos continuam sendo injustos com um quinhão importante de sua população.

— A situação piorou nas escolas — disse Lecia Brooks, diretora de divulgação do Southern Poverty Law Center, uma das principais organizações de direito dos negros e que mantém o Museu dos Direitos Civis em Montgomery.


Luther King na varanda do Lorraine Motel, com Jesse Jackson, na vésperade sua morte - AP/3-4-1968

A cidade é a capital do estado do Alabama, e foi o ponto final da marcha iniciada em Selma pelo direito ao voto, além do local do boicote de mais de um ano ao transporte público, entre 1955 e 1956, em protesto contra a lei que dava aos brancos a primazia para se sentar nos assentos dos ônibus.

— Aqui, no Alabama, praticamente só negros frequentam as escolas públicas, que perderam qualidade. Os brancos vão a escolas particulares ou aprendem em casa. Na Califórnia, a qualidade do ensino das escolas frequentadas pelos negros é pior que a média nacional dos anos 60.

A garçonete Latoya Williams, de 33 anos, afirma que Selma está longe do modelo que o local de uma luta histórica deveria ser: quase não há negros sócios do Country Club, quase não havia brancos no jubileu dos 50 anos da travessia histórica da ponte, comemorado em março de 2015.

— Há os que não me cumprimentam, mas dão “bom dia” a outros brancos — disse ela, que tem esperanças de que a nova geração seja mais justa. — O racismo é silencioso, mas segue presente.

Luther King, pastor da Igreja Batista, foi o líder mais conhecido do movimento pelos direitos civis dos negros americanos, entre os anos 1950 e 60. Com um discurso poderoso de fé, amor e pacifismo — mas pregando a desobediência civil —, recebeu o Nobel da Paz em 1964. Foi assassinado quando tinha 39 anos, em Memphis, no estado do Tennessee, onde apoiava a greve dos negros do serviço de saneamento da cidade. Sua morte é cercada de mistério. James Earl Ray confessou e foi condenado a 99 anos de prisão, mas sempre houve rumores de uma suposta conspiração de racistas e do próprio governo. Como líder, viu cair leis de segregação em escolas, nos transportes, aderiu ao boicote à Guerra do Vietnã e fez o clássico discurso “Eu tenho um sonho” na Marcha a Washington, em 1963.

— Quando era pequeno, toda a vez que minha mãe me levava ao médico, sonhava em ser atendido por um médico negro. Ora, eu vivi para ver um presidente negro — conta Jake Williams, que participou da marcha que atravessou a ponte de Selma quando tinha 13 anos. — O voto é a chave de tudo. Essa é a nossa força.

Sociedade dividida

A economia, contudo, é uma das fraquezas. Segundo o Censo, em 2016 havia 22,7% de negros vivendo abaixo da linha da pobreza, contra apenas 7,8% de brancos não hispânicos. O salário médio anual de uma família negra era de US$ 38.555, muito abaixo da média nacional (US$ 57.617) e de todos os grandes grupos sociais, como latinos, asiáticos, indígenas e, claro, brancos (US$ 80.720).

— É muito bom ver a luta e as conquistas, mas a pobreza é a pior forma de segregação. As leis fazem a gente pensar que todos somos iguais, mas um negro tem muito menos oportunidades — afirmou Connie Grayson, que visitava o Museu Nacional dos Direitos Civis, em Memphis.