quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Irregularidades em recibos de aluguel podem complicar situação de Lula na Lava-Jato

O Globo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante Congresso do PT em São Paulo (Foto: Leonardo Benassatto/Reuters)


Se a perícia apontar irregularidades nos recibos de aluguel apresentados à Justiça a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode se complicar. Apresentados na última segunda-feira para comprovar que a família alugou de Glaucos Costamarques a cobertura vizinha à de Lula em São Bernardo do Campo, os recibos apresentam incorreções - como datas inexistentes e repetidos erros de grafia - que geraram suspeitas na força-tarefa da Lava-Jato. Além disso, a defesa de Costamarques informou ao GLOBO que todos os recibos de 2015 teriam sido assinados de uma única vez.


A apresentação de documento falso à Justiça é prevista no artigo 299 do Código Penal, com pena de até cinco anos de prisão e pagamento de multa. Pela lei, configura crime "inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante".
A apresentação de documento falso também pode, segundo investigadores da Lava-Jato, vir a configurar crime de obstrução de Justiça. Os envolvidos nas explicações sobre o pagamento de aluguel divergem. Lula afirmou a Moro que não sabia onde estavam os recibos, pois quem cuidava dos assuntos domésticos era sua esposa, dona Marisa Letícia, já falecida. O advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula e assessor em negócios imobiliários, afirmou que não era o responsável por cuidar dos pagamentos de aluguel e fez apenas o contrato de locação firmado em 2011 entre dona Marisa e Costamarques. O dono do apartamento, porém, disse que entre fevereiro de 2011 - quando o contrato foi assinado - e novembro de 2015, quando seu primo José Carlos Bumlai foi preso na Lava-Jato, não havia recebido aluguel, embora tenha declarado a receita dele no Imposto de Renda. Agora, ameaça sustentar na Justiça que um contador levou os recibos para serem assinados num único dia, depois de avisá-lo, quase quatro anos depois de firmado o contrato, que a família Lula lhe pagaria aluguel.
Na avaliação dos investigadores, se a versão de Costamarques de fato vingar - ele ainda não se pronunciou perante a Justiça - será necessário apurar se houve intenção de obstruir a Justiça, já que um dos réus teria sido procurado durante as investigações com o objetivo de forjar provas.
Denunciado em dezembro de 2016 à Justiça Federal por ter recebido vantagens da Odebrecht - entre elas a cobertura comprada em nome de Costamarques - Lula levou cerca de nove meses para apresentar comprovantes de pagamento de aluguel. No interrogatório do último dia 13, ao ser perguntado pelo juiz Sergio Moro se havia recibos, Lula disse que teria de procurá-los "na arca", "no baú" de sua casa. Como apresentou 26 comprovantes, faltariam pelo menos 33 recibos a serem entregues.
A obstrução de Justiça é um dos motivos que justificam pedidos de prisão preventiva. Na 7ª Fase da Lava-Jato, recibos de pagamentos por serviços não prestados, apresentados à Justiça do Paraná pelas empreiteiras denunciadas por cartel, foram usados entre os argumentos para o pedido de prisão preventiva da cúpula de diversas construtoras. A investigação revelou que as empresas compravam notas falsas de terceiros ou usavam notas de seus próprios fornecedores para gerar dinheiro em espécie e pagar propina a agentes públicos envolvidos na corrupção da Petrobras.
Foram punidos, por exemplo, Waldomiro Oliveira, que fornecia notas falsas ao doleiro Alberto Youssef, e Marcio Andrade Bonilho, sócio da Sanko-Sider, fornecedora da Camargo Corrêa. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a pena de Bonilho, aumentada para 14 anos de reclusão em regime fechado. Waldomiro de Oliveira, da MO Consultoria, empresa de fachada que canalizava os recursos desviados da Petrobras, recebeu pena de 13 anos e 2 meses, também em regime fechado.
Advogado de Lula acusa imprensa de criar “falsa polêmica” 
O advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, acusou hoje (28), em um vídeo publicado no Facebook, parte da imprensa de criar uma “falsa polêmica” em torno dos recibos apresentados pela defesa do petista à Justiça, na última segunda-feira (25), como prova do pagamento do aluguel de um imóvel vizinho ao que mora o ex-presidente. Em dois dos 26 recibos constam datas inexistentes.
“Hoje (28), venho aqui para falar sobre uma falsa polêmica que alguns sites e órgãos de imprensa estão tentando criar sobre os recibos de locação que, nós da defesa do ex-presidente Lula apresentamos”, diz o advogado, acrescentando que a ação que investiga suposto repasse de recursos ilícitos de contratos da Petrobras a Lula transformou-se em uma investigação de locação de imóvel. De acordo com Cristiano Zanin, o juiz Sergio Moro e o representante do Ministério Público formularam 21 perguntas sobre o aluguel do apartamento no depoimento prestado por Lula à Justiça no último dia 13.
No vídeo, Cristiano Zanin diz que os erros “são justificáveis” e que, portanto, “não retiram a força probatória dos documentos”. “Diante do pedido expresso do juiz [Sergio Moro] em relação a esses recibos, foram realizadas diligências por familiares e colaboradores do ex-presidente Lula nos pertences de dona Marisa, que sempre foi a locadora do imóvel. Os recibos foram encontrados e, da mesma forma que chegaram até nós [advogados], foram apresentados no processo. Acreditamos que esses recibos expressam a verdade dos fatos, pois dona Marisa sempre foi uma mulher íntegra e honesta”, afirma o advogado.
De acordo com o advogado do ex-presidente, no recibo de agosto de 2014, que tem a data inexistente de 31 de junho do mesmo ano, a referência correta, na verdade, seria o mês de julho. “De qualquer forma, se houver qualquer dúvida ou questionamento nesses recibos, que seja feita uma perícia avaliando de quem é a assinatura, quando os documentos foram feitos, dentre outras coisas”, argumentou Cristiano Zanin Martins.
No vídeo, o advogado disse ainda que, na denúncia, o Ministério Público Federal ressalta que Glaucos da Costa Marques admitiu à Receita Federal que recebeu os valores referente aos alugueis. E que Marques afirmou, em depoimento, que não podia confirmar se os alugueis eram pagos pelo Instituto Lula, porque os valores eram repassados a ele em espécie.
Segundo Cristiano Zanin Martins, em janeiro desse ano Glaucos da Costa Marques enviou à dona Marisa uma correspondência pedindo que ela modificasse a forma de pagamento do aluguel, passando a fazê-lo por meio de transferência bancária, sem fazer referência a eventuais prestações não pagas.
“A verdade é que nenhuma prova foi apresentada no processo de que o ex-presidente Lula tenha sido beneficiado por qualquer valor proveniente de contrato da Petrobras. A acusação, portanto, não se sustenta e, por isso, querem tentar desacreditar a defesa que, a cada dia, vem demonstrando, com argumentos sólidos, inúmeras violações às garantias fundamentais para buscar a qualquer custo e sem provas, condenar uma pessoa inocente”, diz o advogado.