Apenas o deputado-presidiário Celso Jacob trabalha às segundas e sextas no Congresso, e por obrigação judicial, para escapar da cadeia. Os demais parlamentares, quando comparecem, praticam seu esporte predileto: o de legislar em causa própria
Ary Filgueiras - IstoE
Preste atenção, caro leitor, na foto acima. Ela ilustra uma cena surreal do cotidiano congressual brasileiro. Como se vê, na última segunda-feira 25, apenas o deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) se encontrava no interior do plenário da Câmara dos Deputados, posicionado na primeira cadeira da primeira fileira. Os demais 512 deputados não compareceram, embora segunda-feira fosse um dia normal de pegar no batente. O gesto seria nobre se a presença dele ali não fosse mais do que uma obrigação: a Justiça lhe concede o benefício de deixar a prisão na Papuda, em Brasília, desde que seja para trabalhar. Se não se dirigisse ao Congresso, Celso Jacob teria de passar o dia inteiro no presídio. Ou seja, só estava ali porque a alternativa era mofar na cadeia em plena seca brasiliense. Ao ser elogiado, ele, que foi condenado por falsificação de documento público e dispensa de licitação quando era prefeito de Três Rios (RJ), reagiu com sincericídio incomum à classe política: “Isso não quer dizer nada. Anormal seria não estar aqui”, admitiu ele, que é monitorado 24 horas por tornozeleira eletrônica.
Olho no próprio umbigo
Não fosse a presença do deputado fluminense ali naquele dia, o parlamento estaria entregue por completo às moscas. E olha que não é por falta de trabalho. Embora não seja injusto dizer que a falta de quórum para deliberar, de vez em quando, até ajuda o Brasil. Afinal, na maioria das vezes em que se reúnem, os parlamentares legislam em causa própria ou aprovam medidas que prejudicam o País. Ao menos tem sido essa a rotina nos últimos tempos. Na última quarta-feira 27, o plenário da Casa aprovou, de forma simbólica, o texto-base da Medida Provisória do Refis, programa de refinanciamento de dívidas com o fisco. Falta ainda votar as alterações ao texto, os chamados destaques. Para não perder a validade, a medida precisa ser analisada nas duas Casas até o dia 11 de outubro. Não é à toa a velocidade: a medida beneficiará vários deputados e senadores que são donos de empresas.
Aliás, essa é a dinâmica da Câmara e do Senado quando o assunto é de interesse dos parlamentares. Outro caso emblemático ocorreu na chamada Casa Alta dos carpetes azuis nos últimos dias. O Senado atropelou a Câmara e aprovou projeto de lei que tira dinheiro das emendas de bancada e de isenções fiscais para financiar o caixa dos partidos no ano que vem. O plenário do Senado deu sinal verde para a criação de um fundo de R$ 1,7 bilhão que visa a financiar campanhas eleitorais com dinheiro público na terça-feira 26. Claro, esse foi um dia de casa cheia no Legislativo brasileiro. O projeto é de autoria do senador Armando Monteiro (PTB-PE), mas conta com o apoio até da oposição. Não é para menos.
O projeto prevê que os recursos serão provenientes da compensação fiscal que rádios e tevês recebiam para exibir programas partidários nos anos não eleitorais. A partir de agora, serão extintos aqueles programas partidários, devendo ser transmitidos somente os dos anos eleitorais. O fundo será abastecido ainda por pelo menos 30% do valor previsto para emendas de bancadas estaduais para 2018. As emendas servem para complementar o parco orçamento nas áreas consideradas vitais para a população, como saúde, integração social, educação. Elas foram criadas sob a alegação de que elas permitiriam a execução de projetos de maior envergadura. Somente em 2016, o montante destinado às emendas foi de R$ 5 bilhões.
Buraco sem fundo
Entusiasta da proposta, o presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR) ainda reclamou do montante de R$ 1,7 bilhão, que, segundo ele, é pouco já que a verba será usada para financiar a democracia: “Acho o seguinte: R$ 2 bilhões não é demais, ainda mais se abrindo mão de dotações do Congresso, não é demais para se ter democracia no Brasil”. Há quem faça previsão de que o fundão eleitoral possa atingir mais do que R$ 3,5 bilhões. O casuísmo parece escárnio. E é mesmo.
Entusiasta da proposta, o presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR) ainda reclamou do montante de R$ 1,7 bilhão, que, segundo ele, é pouco já que a verba será usada para financiar a democracia: “Acho o seguinte: R$ 2 bilhões não é demais, ainda mais se abrindo mão de dotações do Congresso, não é demais para se ter democracia no Brasil”. Há quem faça previsão de que o fundão eleitoral possa atingir mais do que R$ 3,5 bilhões. O casuísmo parece escárnio. E é mesmo.