O momento por que passa a sociedade, de enfrentamento da corrupção, se desdobra em várias frentes, ampliadas à medida que organismos de Estado avançam na identificação de esquemas de corrupção conectados a partidos da situação e oposição, a grandes empresas e que se entranharam no Executivo com a chegada ao Planalto do PT. A legenda não inventou a corrupção no Brasil, mas a praticou de forma sistêmica, como amplamente comprovado.
Em reação a este movimento, Polícia Federal e Ministério Público entraram no combate aos malfeitos até que chegou ao Judiciário o primeiro importante resultado do trabalho de investigação e denúncia de poderosos, com o processo do mensalão, julgado pelo Supremo. Estrelas do PT (José Dirceu, José Genoíno etc.) foram condenadas, numa sinalização republicana forte de que a lei é mesmo para todos.
Foi dentro deste espírito de se dar um basta a um traço aristocrático do país, o da impunidade, quando se tratam de homens públicos conhecidos, que, em 2010, um projeto de origem popular, sustentado em 1,3 milhão de assinaturas, terminou aprovado pelo Congresso.
Criou-se a Lei da Ficha Limpa, para se acabar com um dos vários pontos cegos da legislação que permitiam que condenados por crimes graves, já em duas instâncias, conseguissem se candidatar e poder obter imunidades para continuarem impunes.
Ao permitir que crimes confirmados no julgamento do recurso do condenado à segunda instância tornem a pessoa inelegível por oito anos, a Ficha Limpa passou a ser um dos marcos legais chave para o combate à corrupção e à sua infiltração no Estado.
Mas, como nada é fácil neste campo, também a Ficha Limpa corre risco, num julgamento no Supremo de processo em que o vereador baiano Dilermando Soares, do interior do estado, questiona sua inelegibilidade, porque cometera crime que o enquadrara na lei antes de junho de 2010, quando ela foi promulgada.
Retomado o julgamento, o ministro Luiz Fux, que pedira vista, rejeitou a tese da defesa, e foi seguido por mais quatro votos (Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli). O placar está 5 a 3 (os três são o relator Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes).
Faz todo sentido o argumento, até agora vencedor, de que a Ficha Limpa criou um critério a ser aplicado no momento em que o político apresenta o pedido de registro de candidatura, sem importar quando o crime foi cometido. Não vale neste caso, portanto, a norma da não retroatividade da lei.
O julgamento deve ser retomado na quarta, e espera-se que a tendência dos votos seja mantida. Observam-se várias investidas para reduzir a margem de ação de agentes públicos que trabalham na repressão à corrupção. Com este objetivo, são feitas emendas cavilosas em projetos de leis em tramitação no Congresso, e chegam a tribunais processos que podem levar a novas interpretações de leis, caso da Ficha Limpa. São manobras previsíveis. O importante é ter-se a consciência de que se trata na verdade da reação de forças contrárias à limpeza da vida pública.