Documento traz despesas com condomínio,
energia e IPTU de 2011 de imóvel vizinho ao
seu, em São Bernardo, mas não aluguel de
R$ 3.500,00 que aparece em recibo entregue
por defesa à Justiça como prova que petista
é locatário; Lava Jato diz bem foi comprado
com propina da Odebrecht e registrado em
nome de 'laranja', que confirmou a Moro
não ter recebido pagamentos
No mesmo baú de arquivos da família de Luiz Inácio da Silva em que a defesa do petista informou ter localizado os 26 recibos – alguns com erros de datas – que comprovariam os pagamentos do aluguel do apartamento 121, do Edifício Hill House, que a Operação Lava Jato afirma ser propriedade oculta do ex-presidente, a Polícia Federal apreendeu um controle de “Contas Mensais 2º Sem. 2011” que não registra despesas com a locação do imóvel.
A força-tarefa da acusa Lula de ter recebido o apartamento, comprado por R$ 504 mil em 2010, como propina da Odebrecht, em operação de lavagem de dinheiro feita pelo advogado Roberto Teixera e pelo pecuarista José Carlos Bumlai, amigos do petista. Para isso, usaram como laranja o primo de Bumlai, Glaucos da Costamarques.
A compra do apartamento 121 – que é vizinho ao 122 em que Lula reside e é dono -, em São Bernardo do Campo, é objeto do segundo processo criminal em que o petista será julgado pelo juiz federal Sérgio Moro, da Lava Jato, em Curitiba – a sentença deve sair antes do final do ano. O ex-presidente foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão em junho.
Nesse processo, além dos R$ 504 mil de propinas recebidos em forma de doação dissimulada do apartamento, Lula e Teixeira são réus acusados de corrupção e lavagem de dinheiro pela compra de um imóvel de R$ 12 milhões, em São Paulo, para ser a sede do Instituto Lula – a operação acabou sendo abortada. Ambos os negócios estão relacionados à propinas supostamento pagas pela Odebrecht por contratos com o governo, em especial, na Petrobrás.
Para comprovar que não é dono do apartamento, mas sim locatário, Lula entregou na semana passada à Justiça, por meio de sua defesa o contrato feito entre Dona Marisa Letícia (que morreu em fevereiro) e Glaucos Costamarques, datado de fevereiro de 2011 – e que já estava no processo – e 26 recibos de pagamentos de aluguel.
O material foi entregue pelo advogado do petista Cristiano Zanim Martins – genro de Teixeira. Um dos recibos é de agosto de 2011 no valor de R$ 3.500,00.
A juntada dos documentos ocorreu após Moro cobrar de Lula, em audiência no dia 13, a não localização dos comprovantes e de Glaucos declarar, no dia 6, que até novembro de 2015 não havia recebido um centavo da família Silva. No material há dois com datas que não existem no calendário.
No documento encontrado pela PF na casa de Lula, no dia 4 de março de 2016, quando ele foi alvo da 24ª fase da Lava Jato – e conduzido coercitivamente para depor -, não aparecem despesas de alguel relacionadas ao apartamento 121.
Há, no entanto, os registros de despesas “Cond. Hill House – Apto 121” no valor de R$ 1.154,00, bem como a do “Cond. Hill House 122”, no valor de R$ 1.100,00.
Há ainda despesas da “Eletropaulo Apto 121” e “Eletropaulo Apto 122”, respectivamente de R$ 200 e R$ 250. Com o “IPTU Hill House – Apto 121” e “IPTU Hill House – Apto 122”, no valor de R$ 216,13 cada.
Ocultação. Para o MPF, o contrato de locação e os recibos apresentados por Lula são falsos e visam dar aparência de legalidade à operação de lavagem de dinheiro.
A Lava Jato quebrou os sigilos bancários de Lula, de Dona Marisa e de Glaucos Costamarques e “não foram encontrados registros de pagamentos” feitos para o suposto “laranja” – nem mesmo via contas bancárias de L.I.L.S.
Palestras e Eeventos e do Instituto Lula.
Palestras e Eeventos e do Instituto Lula.
Só à partir de novembro de 2015, quando Glaucos afirmou ter sido informado por Teixeira que passaria a receber aluguel, é que a Lava Jato identificou nos extratos bancários do laranja “depósitos em dinheiro em seu favor em valores compatíveis com o suposto aluguel”.
A acusação do MPF nesse processo diz que Lula, dona Marisa (que deixou de figurar no processo após a morte), Glaucos e Teixiera agiram “em conluio” e “dissimularam a origem, disposição, movimentação e propriedade de R$
504.000.00, provenientes, direta e indiretamente, dos crimes de organização criminosa, cartel, fraude à licitação e corrupção praticados pelos executivos do Grupo Odebrecht”, na Petrobrás.
504.000.00, provenientes, direta e indiretamente, dos crimes de organização criminosa, cartel, fraude à licitação e corrupção praticados pelos executivos do Grupo Odebrecht”, na Petrobrás.
‘Laranja’. Em depoimento a Moro, Glaucos disse no dia 6 que passou a receber os alugueis do apartamento só em novembro de 2015 – mesmo mês em que Bumlai foi preso pela Lava Jato. Mas que de 2011 a 2015 lançou nas declarações de Imposto de Renda os recebimentos, em consonância com os registros de pagamentos lançados nas declarações de Lula.
Após a entrega dos recibos pela defesa de Lula, Glaucos disse por meio de seus advogados que os documentos foram assinados por ele no mesmo dia, em novembro de 2015, quando Teixeira o teria informado que passaria a pagar os alugueis. Glaucos solicitou a Moro que pedisse ao hospital onde estava internado na data que disponibilizasse imagens das câmeras que provariam a visita do contador enviado pelo advogado para que ele assinasse os papeis.
Glaucos afirmou que em meados de 2010 Bumlai o procurou e disse que ele teria que fazer três cheques administrativos para compra do apartamento, que já era usado por Lula. O imóvel estava alugado pela Presidência dos antigos donos e seria usado pelos seguranças.
O apartamento 121 era ocupado por Lula desde 2003, quando assumiu a Presidência, mostra a denúncia. Ele serviu para abrigar a equipe de seguranças durante seus dois mandatos (2003-2006 e 2007-2010). Até 2007, o PT pagou o aluguel ao antigo proprietário e depois as despesas passaram a ser arcadas pela Presidência da República. Com a morte do dono, o imóvel foi vendido em 2010.
O comprador, Glaucos Costamarques, e o responsável pelo contrato, Roberto Teixeira.
Glaucos disse que fez três cheques, um de RS 390 mil, outro de R$ 94 mil e outro de R$ 20 mil. “Totalizando R$ 504 mil. Esses cheques eu fiz no dia 11 de agosto de 2010. Fui lá no Banco do Brasil pedi os cheques e entreguei para o Roberto Teixeira.” O material foi entregue no processo e bate com os dados da quebra de sigilo do “laranja”.
Alugado. No processo está a cópia do contrato de locação do apartamento de Glaucos para Dona Marisa. O contrato foi assinado em 1 de fevereiro de 2011 e nunca houve renovação do termo, apenas reajuste dos valores segundo registra os recibos.
Glaucos afirmou que não recebeu, mas declarou todos os supostos recebimentos para a Receita. “Eu comprei a pedido de José Carlos (Bumlai), ele ia me pagar o apartamento e não pagou”, afirmou Glaucos Costamarques em juízo.
Segundo o primo de Bumlai, ele foi avisado que o apartamento “ficaria alugado para o Lula”. “Então eu fiz um contrato, o Roberto Teixeira que trouxo, eu fiz um contrato com a Dona Marisa.” A Moro, o ex-presidente disse que Dona Marisa era quem cuidava das contas da casa, mas que acreditava que os documentos estavam guardados e poderiam ser entregues à Justiça.
Glaucos disse que aguardou, mas nunca recebeu o aluguel – até começar a Lava Jato. “Aguardei, não me pagaram o primeiro mês, não me pagaram o segundo mês. Aí eu fui falar com o José Carlos: ‘Zé Carlos, o que está acontecendo que não estão pagando aluguel, será que eles esqueceram, porque eu passei os dados para o Roberto da minha conta.”
O suposto “laranja” disse que Bumlai teria dito para ele “não esquenta com isso”. “Isso mais para frente, a gente acerta, não fica preocupado.”
Para os procuradores da Lava Jato, o contrato de locação foi feito “com o fim de ocultar a verdadeira propriedade do bem, porquanto, efetivamente, foi ele adquirido por ordem e em benefício de Luiz Inácio Lula da Silva”. Com dinheiro repassado a Glaucos pela Odebrecht, “originado do caixa geral de propina do Partido dos Trabalhadores junto ao Grupo”.
Combinado. Na casa do ex-presidente, a Polícia Federal recolheu também no dia 4 de março de 2016 uma anotação manuscrita sobre o aluguel do apartamento ocupado pela família do petista, vizinho ao seu, comprado em nome de um primo do pecuarista José Carlos Bumlai.
A anotação foi feita em um papel timbrado do escritório de Teixeira, Teixeira & Martins Advogados, que tem como sócio seu genro Cristiano Zanin Martins, principal defensor de Lula nos processos da Lava Jato. Nele, há o nome e Glaucos Costamarques, o número de seu CPF e abaixo: “Aluguel R$ 12X3.500,00 R$ 42.000,00”.
O valor de R$ 3.500,00 é o que consta no recibo entregues pela defesa para 2011 e bate com o declarado declarado no Imposto de Renda do ex-presidente e de Glaucos: R$ 42 mil no ano.
Responsabilidade. O advogado Cristiano Zanin Martins reagiu nesta quinta-feira, 28, à polêmica sobre os recibos de aluguel do apartamento 121.
“A responsabilidade pelo documento é de quem o assina”, afirmou o criminalista em um vídeo gravado.
Documento
“Pequenos erros em dois dos 26 recibos apresentados não retiram a força probatória dos documentos até porque são justificáveis. No recibo de agosto de 2014, por exemplo, é feito referência à data de 31 de junho de 2014 quando claramente buscou-se fazer referência à data de 31 de julho de 2014. Basta verificar que existe outro recibo com referência ao pagamento do aluguel de junho de 2014”, reagiu o advogado.
“De qualquer forma, se houve qualquer dúvida ou questionamentos sobre esses recibos, que seja feita uma perícia, avaliando de quem é a assinatura, de quando os documentos foram feito, dentre outras coisas.”
A defesa de Teixeira não foi localizada.
COM A PALAVRA, LULA
“A responsabilidade sobre os documentos, e sobre a veracidade do que eles atestam, é da pessoa que os assinou. Não há questionamento sobre as assinaturas. A tentativa de transformar os recibos no foco principal da ação é uma clara demonstração de que nem o Ministério Público nem o juízo encontraram qualquer materialidade para sustentar as descabidas acusações formuladas contra Lula em relação aos contratos da Petrobras.”